Reflexão da Rê
Falando em futebol
- Data: 14/06/2013 12:06
- Alterado: 09/08/2023 15:08
- Autor: Rejane Loureiro
Crédito:
Eu queria falar de futebol, mas não sei falar tão bem como o amigo Carlos Senra escreveu no seu texto “Cidadão do dia a dia”. Leia, vale a pena:
Sou um cidadão do dia-a-dia. Nasci em 1952. Quando o Brasil sediar a copa do mundo, em 2014, terei 62 anos. Vi o Brasil ser campeão do mundo 5 vezes. Não precisei que alguém me contasse, não li num livro, não assisti num documentário. Lembro exatamente onde estava e o que fazia em cada uma delas. Na primeira, em 1958, tinha apenas 6 anos, mas lembro perfeitamente que naquele dia, no bairro humilde onde morávamos em Santos, todas as portas das casas se abriram e as pessoas entravam e saiam, se abraçavam comemorando. Lembro da voz de um locutor que na época chamávamos “speaker” e cujo nome infelizmente não sei, narrar aquele quilométrico: “Goooooooooooooooool. Gol de Vavá. O Brasil empata a peleja no estádio Rasunda”.
Hoje os tempos são outros. O futebol já não pertence ao futebol. Desinteressou-se de si mesmo a passou a se interessar por políticos, por empresários, por patrocinadores, por fabricantes de material esportivo, por traficantes de jogadores, por cotas de transmissão televisiva que chegam a pagar direitos de imagem até para alguns cuja imagem jamais devia ser mostrada.
Assim como percebi nas copas anteriores, confirmo agora que a copa, apesar de ser aqui no Brasil, onde o futebol é o maior orgulho nacional, não pertencerá aos que verdadeiramente se orgulham do futebol. As copas são dedicadas a uma gente diferente, que não freqüenta estádios, que nunca sentou numa arquibancada e que nunca enfrentou uma fila para comprar ingresso. Uma gente que não sabe torcer, não sabe empurrar a seleção, nem sabe vaiar quando é preciso chamar o time à responsabilidade. Uma gente que no dia-a-dia prefere esportes menos populares, onde haja menos gente como aquela que no dia-a-dia vibra com o futebol.
Ao que tudo indica, a FIFA, há tempos, entregou-se ao lucro. Exige providências e regras, com se fosse um Estado se impondo a outro. Sequer se preocupa com o futebol, mas apenas com o evento. Esquece que ela, a FIFA, existe, porque existem as confederações, que só existem porque existem os clubes, que só existem porque existem os que por eles enfrentam bilheteria e arquibancada no dia-a-dia.
Hoje, impulsionados e construídos por outros que não os do dia-a-dia, existem falsos craques habilidosos, que mais se assemelham a focas amestradas, mas coitados, pensam que futebol é jogado com os pés. Então jogam para os que, como eles, não têm cabeça.
Ouvi hoje a notícia de que a rede Globo, que detém os direitos de transmissão da copa, pretende cobrar de cada rádio que a quiser transmitir, a bagatela de 850.000 dólares norte-americanos(segundo divulgações nas rádios). Mas a Globo detém os direitos de transmissão da copa, não do futebol que nela é jogado, porque o futebol não pertence à Globo, pertence ao povo. Se é justo que ela seja remunerada, porque afinal pagou por tal direito, cabe perguntar quanto a Globo remunerará o povo, que construiu estádios e estruturas para que ela pudesse lá instalar as suas câmeras.
Então, concluo que a copa de 2014 estará tão longe de mim quanto estiveram a da Suécia e a do Japão, ainda que o estádio seja na rua ao lado. E as ruas ao redor do estádio serão fechadas para as pessoas do dia-a-dia, para facilitar o acesso dos cidadãos de 1ª categoria, dos BBB, das atrizes globais e das personalidades que ocuparão os camarotes onde certamente não estarão aqueles que, no dia-a-dia, tornam aquelas ruas reais.
Parece que desta vez não poderei fazer o que faço há anos, que é assistir as imagens de uma TV qualquer com o som do rádio, porque, mesmo sendo um cidadão do dia-a-dia, continuo me recusando a ouvir narrações engasgadas de falso patriotismo e comentaristas óbvios, superficiais e truncados pela obrigatoriedade dos intervalos comerciais. Se for para ser assim, preferirei esperar pela excrescência denominada “A Hora do Brasil”, na qual, espero, divulguem o resultado do jogo de ontem. Irei então à internet e ouvirei as narrações antigas, precisas, brilhantes. Ouvirei os gols de Vavá e me sentirei campeão do mundo como se estivesse dentro do campo. Outros, que pena, só se sentirão campeões da Globo. E sequer fazem idéia do quanto estão perdendo.