Tragédia em Mariana: 8 anos depois, vítimas pedem justiça
Considerado um dos maiores crimes socioambientais do país, rompimento da barragem de Fundão deixou 19 mortos e rastro de destruição
- Data: 05/11/2023 11:11
- Alterado: 05/11/2023 11:11
- Autor: Redação
- Fonte: Assessoria
Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais
Crédito:Antônio Cruz/Agência Brasil
“Existe nome para tudo: pra quem perde o marido, pra quem perde o pai… Mas para uma mãe que perde um filho não existe”. A reflexão é de Gelvana Rodrigues, mãe de Thiago, vítima da tragédia-crime socioambiental que parou o país no dia 5 de novembro de 2015. A criança estava com a avó em casa quando a barragem de Fundão, em Mariana (MG), se rompeu. “Ela pediu que ele a abraçasse, mas foi arrastada. O corpinho dele foi encontrado a 100 quilômetros do dela”. O relato é um entre milhares que podem ser contados por sobreviventes e parentes de vítimas desta tragédia criminosa. Pessoas que oito anos depois ainda lutam por justiça.
É por elas que foi lançada a campanha Revida Mariana – Justiça para limpar essa lama. O impactante vídeo faz uma reflexão: imagine se isso tivesse acontecido em uma das cidades mais ricas do mundo. Nele, representações de como estariam Roma, Sydney e Londres se elas fossem atingidas pelo rompimento de uma barragem que despejasse 43 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e sílica, que percorressem 663 km de extensão até chegar ao mar – exatamente o que passou Mariana e outras 45 cidades brasileiras.
“Demorei 15 anos para fazer a minha casa e ela foi embora em 15 minutos”. Carlos Arlindo era morador de Bento Rodrigues, um dos dois distritos mais arrasados pelo desastre. Ele conta que foi uma tragédia daquelas que só se vê em filme. “No dia que a lama veio, a minha menina estava no berço, dormindo. Quase que ela morre. Eu não gosto nem de ficar falando que meu corpo arrepia”, relata.
Wesley Izabel não teve a mesma sorte. “Foi a pior dor que eu já senti. O dia que falaram: achamos a sua filha e ela não está viva. Doeu e ainda dói muito”, conta o pai de Emanuele. “Eu entrei em desespero porque meus filhos estavam em casa. Fomos arrastados embaixo da parede. Quando a parede saiu de cima da gente, não tinha mais ninguém perto de mim”.
A lama desceu pelo rio Doce, atingiu várias cidades, chegou na foz e alcançou o mar no Espírito Santo, na localidade de Regência, em Linhares, 16 dias depois do rompimento da barragem. Foram 19 mortos e 1.469 hectares de vegetação destruídos, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APP), segundo o Ibama. A água do rio Doce – única fonte de abastecimento de cidades como Valadares e Colatina – também foi afetada. Oito anos depois, as consequências socioambientais ainda são contabilizadas.
É para dar voz e dialogar com a população sobre os impactos imensuráveis e não-reparados que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) criou a campanha Revida Mariana. Em um manifesto lançado no Brasil e exterior e assinado por mais de 200 instituições internacionais renomadas como Greenpeace Brasil e Amis de la Terre (França), a campanha cobra reparação dos danos causados e uma repactuação que dê voz às vítimas e à sociedade civil.
Sem água potável, sem pesca, sem agricultura
“O rompimento da barragem afetou a nossa saúde, matou membros de nossas famílias e mudou profundamente a vida e a região. Os que antes viviam do rio e da terra não podem mais. E isso é impossível de ser devolvido. Esperamos que toda essa movimentação sensibilize a justiça brasileira”, afirma o coordenador nacional do MAB, Joceli Andrioli. Ele ainda lembra que a contaminação matou quase toda a biosfera do rio Doce e vai ficar para sempre nos rios da região. “A lama que atingiu as áreas próximas à barragem formou uma cobertura que impede o desenvolvimento de muitas espécies e afeta até as construções no local. As consequências para quem vive na região são irreversíveis”.
Até hoje, as áreas atingidas estão sem água potável, sem pesca, sem agricultura, sem criação de animais e sem fontes de renda que antes vinham do rio – muitos trabalhadores dependiam do rio e mar, como pescadores, areeiros, agricultores e produtores rurais, que não são nem reconhecidos como atingidos.
Embora pouco mencionados, entre os afetados estão ainda dois povos originários: os Krenak e os Puri. O rompimento da barragem não apenas mudou o dia a dia deles – que dependiam do rio Doce para beber e pescar -, mas também afetou profundamente seus costumes e até mesmo sua religião, já que era na beira da água que faziam rituais sagrados.
Tramita na Justiça da Inglaterra e País de Gales o processo de indenização dos atingidos pelo rompimento da barragem contra a mineradora anglo-australiana BHP e a brasileira Vale. Cerca de 700 mil atingidos pela tragédia-crime – incluindo mais de 10 mil indígenas e quilombolas, empresas, municípios, instituições religiosas e autarquias – estão representados nesta ação, que está prevista para ser julgada em outubro de 2024. O valor total de indenização pedido pelas vítimas é de R$ 230 bilhões. A expectativa da campanha é que o julgamento garanta, enfim, reparação integral e justa às vítimas.
A campanha, encabeçada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), fará uma Jornada de Lutas – “É Tempo de Avançar! Atingidos em luta por direitos” – entre os dias 5 e 7 de novembro em Brasília (DF). Abaixo, a programação:
Local: Ginásio Nilson Nelson, em Brasília
Domingo, 5/11
Manhã: 9h – Ato político e Ecumênico (externo) – Revida Mariana – Justiça para Limpar essa Lama
Tarde: 14h – Debate das reivindicações dos Atingidos
Noite: Ato pela Paz e em solidariedade ao povo palestino
Segunda, 6/11
Manhã: Jornadas dos Atingidas e negociações com o governo – Intervenção nas embaixadas da Austrália e Reino Unido.
Tarde: 16h – Ministros entregam caderno de respostas aos atingidos
Noite: Ato com autoridades, entidades e parceiros do MAB
Terça, 7/11
Manhã: 9h às 14h – Audiência Pública da Comissão Externa – Câmara dos Deputados sobr a Repactuação na Bacia do Rio Doce.
Reparação integral aos atingidos: Oito anos do crime da Samarco no Rio Doce – Seminário para debater os desafios da prevenção, da fiscalização e da reparação dos crimes de rompimento de – barragens, bem como debater a situação da população atingida nesses desastres, além dos danos ao meio ambiente. A data marca os 8 anos do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana.
11h – Sessão da Comissão de Serviços de Infraestrutura no Senado Federal vota a PNAB (PL2788/19)
Noite: Retorno das caravanas aos seus estados.
Serviço
Jornada de Lutas – “É Tempo de avançar! Atingidos em luta por direitos”
Local: Ginásio Nilson Nelson em Brasília
Data: 05 a 07 de novembro de 2023