Empresa que assumiu Ibirapuera atrasa reformas, enquanto ações patrocinadas avançam

Em vários setores do parque, marcas de patrocinadores são exibidas em novas quadras, academias e pista de skate. A preservação do patrimônio, por outro lado, caminha em ritmo mais lento

  • Data: 17/08/2023 13:08
  • Alterado: 17/08/2023 13:08
  • Autor: Redação
  • Fonte: Leonardo Zvarick/FolhaPress
Empresa que assumiu Ibirapuera atrasa reformas, enquanto ações patrocinadas avançam

Crédito:Reprodução

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Prestes a completar três anos, a concessão do parque Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, teve como um de seus efeitos mais visíveis o avanço da publicidade na área pública. Em vários setores do parque, marcas de patrocinadores são exibidas em novas quadras, academias e pista de skate.

A preservação do patrimônio, por outro lado, caminha em ritmo mais lento. Reformas em edifícios tombados e em outras áreas do parque estão atrasadas, apesar de serem obrigações contratuais.

A concessão previa, inicialmente, que todas as intervenções no Ibirapuera fossem concluídas em três anos a partir da ordem de início do contrato, em janeiro de 2020. Devido ao fechamento dos parques durante a pandemia de Covid-19, o cronograma foi estendido em mais quatro meses, até maio de 2023.

Ainda há, no entanto, pelo menos dez itens com entrega pendente na lista de obrigações da Urbia, empresa que hoje administra o parque, inclusive reformas em edifícios tombados pelo patrimônio histórico. Nenhuma penalidade foi aplicada pelos atrasos.

Por meio de nota, a concessionária disse que negocia junto à gestão Ricardo Nunes (MDB) a extensão dos prazos para 2025. A prefeitura, por sua vez, diz que “o aditamento dos prazos não tem refletido em quaisquer prejuízos ao serviço prestado à população, que tem avaliado como positiva a gestão do parque”.

Entre as obras pendentes está a reforma da Escola Municipal de Astrofísica, que ainda não recebeu todas as melhorias necessárias para resolver problemas como infiltrações em seu subsolo. O único projeto que a Urbia apresentou para o local se tratava de uma ação comercial e não incluía as ações de restauro.

A reportagem teve acesso à proposta de intervenção que a Urbia submeteu para análise de órgãos de preservação do patrimônio. De acordo com o documento, a empresa planejava transformar o salão principal do edifício tombado em um cenário para exposição de automóveis de luxo, com o nome “Casa BMW” e o patrocínio da montadora. O projeto ainda previa construção de um café e um estúdio para gravação de podcasts no pavimento superior.

O projeto acabou rejeitado por unanimidade pelos conselheiros do Condephaat (órgão estadual), que em junho consideraram o uso proposto incompatível com a concepção original do imóvel. O órgão ainda não recebeu novo projeto contemplando ações de manutenção e restauro.

Inaugurada em 1961, a escola surgiu para atender à demanda por cursos de astronomia estimulada pelas sessões do Planetário, aberto quatro anos antes. Ao longo das décadas, ofereceu mais de 800 cursos e ajudou a formar pesquisadores e cientistas brasileiros, mas hoje está com as atividades de ensino suspensas ?o último curso ocorreu há mais de um ano.

O local funciona atualmente como centro de visitantes e sede administrativa da Urbia. Não há indicação de que o edifício abriga a instituição de ensino, embora as atividades educativas estejam previstas no Plano Diretor do parque.

Sem uso, materiais como telescópios, lentes e um vasto acervo bibliográfico estavam armazenados no subsolo, “em áreas que oferecem risco a esses bens”, conforme constatado em vistoria técnica realizada em abril pela UPPH, órgão vinculado à Secretaria Estadual de Cultura. Procurada pela reportagem, a Urbia disse que hoje os materiais estão guardados em locais adequados e que “em breve” serão catalogados para futuro uso.

A morosidade para cumprir essa e outras obrigações contratuais contrasta com o ritmo das intervenções bancadas por anunciantes. Segundo o urbanista Nabil Bonduki, a concessão permite que a empresa priorize ações com maior retorno financeiro.

“A empresa tem como objetivo rentabilizar o parque ao máximo, faz parte da lógica da concessão. As regras criadas para estabelecer limites para essa ação já foram frouxas, mas além disso, não há por parte da prefeitura fiscalização para evitar que esse uso comercial anule características do parque”, disse o Bonduki.

Exemplo disso é o “hub esportivo” inaugurado pela Urbia em maio. Batizado de “Arena Centauro” (em referência à loja de artigos esportivos), o espaço tem quase 1.000 m² divididos em três pavimentos, onde são oferecidas aulas gratuitas e empréstimo de materiais mediante cadastro. O público também pode experimentar calçados comercializados nas lojas da rede.

A obra, que durou cerca de um ano, foi realizada sem o devido licenciamento ambiental, motivo pelo qual a Urbia terá que firmar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com a administração municipal. Segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, a empresa deveria ter formalizado um Termo de Compromisso Ambiental antes de construir no local, que fica dentro da Área de Preservação Permanente do córrego do Sapateiro.

No mesmo setor do parque, a recuperação das margens do córrego, com a implementação de projeto paisagístico, é outra obrigação da Urbia que está atrasada. Lá, a empresa deveria criar novas pistas para pedestres e instalar deques e mobiliário, de modo a permitir contato mais próximo entre visitante e características naturais do parque, mas ainda não há qualquer sinal de obra no local.

A reforma da praça Burle Marx é outra que ainda não saiu da fase de projeto. Cerca de 16 mil m² do piso, deteriorado pelo tempo, devem ser substituídos por calçamento mais permeável, e uma fonte de água, há anos sem uso, também precisa ser reativada. A empresa ainda tem que instalar dois novos banheiros na área, hoje subutilizada pelo público do parque.

Cercado por tapumes da empreiteira Construcap, que comanda a Urbia, o Pavilhão das Culturas Brasileiras também está com a reforma atrasada. Quando ficar pronto, o prédio de 11 mil m² deve abrigar o acervo do Museu do Folclore.

“Na minha visão, os atrasos têm muito a ver com marketing e com o que eles querem mostrar. Quando fazem uma obra patrocinada, como a Arena Centauro, isso chama mais a atenção dos visitantes do que fazer o restauro dos prédios tombados. As pessoas não tem noção que no Pavilhão das Culturas Brasileiras, por exemplo, há um acervo fantástico e que deveria ser criado um museu”, diz a urbanista Claudia Cahali, membro do Conselho Gestor do parque através da Associação Viva Moema.

Procurada, a Urbia não informou se tem previsão para tirar do papel as intervenções mencionadas na reportagem ou concluir as obras atrasadas que já estão em andamento.

Por meio de nota, a empresa disse que elabora junto à prefeitura um termo de aditamento ao contrato de concessão, para estender os prazos de todas as obras até 2025, “em função dos impactos da pandemia de Covid-19”. É a segunda vez que a empresa utiliza esse argumento para flexibilizar o cronograma de obras.

Com relação à Escola Municipal de Astrofísica, a Urbia disse que prevê retomar as atividades no local no segundo semestre, e que o edifício já recebeu pintura e ações de manutenção para abrigar as equipes da concessionária.

Segundo Cahali e outros conselheiros, o acompanhamento dos projetos de reformas é dificultado pela concessionária. “É um assunto recorrente nas nossas reuniões, mas eles não têm transparência quanto aos processos em andamento e dificultam o acesso a documentação. Só ficamos sabendo quando [a obra] já está em execução”, afirma

EMPRESA AINDA PODE ASSUMIR REFORMA DE MARQUISE

Como a Folha de S.Paulo mostrou, a prefeitura estuda transferir a responsabilidade pela restauração da marquise do Ibirapuera para a Urbia. Deteriorada, a estrutura de 27 mil m² está interditada há quase quatro anos por oferecer risco aos visitantes ?pedaços da laje desabaram em mais de uma ocasião na última década.

O custo da obra é estimado em R$ 70 milhões pela administração municipal. Em reunião no tribunal ocorrida nesta terça-feira (15), o secretário do Verde e do Meio Ambiente, Rodrigo Ravena, defendeu que a reforma da marquise seja incluída entre as obrigações da concessionária, “para que a obra seja feita de uma forma mais rápida, mais segura e com uma gestão mais centralizada”.

O contrato de concessão assinado em 2019 prevê que a reforma na parte estrutural da marquise é de responsabilidade do município. Procurada pela reportagem, a Urbia disse que não participou da reunião com o TCM, mas que acompanha a discussão sobre a reforma da marquise e aguarda orientações.

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  • Data: 17/08/2023 01:08
  • Alterado:17/08/2023 13:08
  • Autor: Redação
  • Fonte: Leonardo Zvarick/FolhaPress









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