‘Uma mulher Vestida de Sol’, de Ariano Suassuna, é obra atual e necessária
O ator Guryva Portela, idealizador da peça, diz que o texto recheado de amor e violência, do autor pernambucano, nunca subiu os palcos
- Data: 01/02/2023 15:02
- Alterado: 01/02/2023 15:02
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Reprodução
O diretor Fernando Neves volta no tempo para se lembrar das aulas ministradas pelo crítico Décio de Almeida Prado (1917-2000) no curso de Letras da USP em 1974. Foi lá que o jovem universitário se aprofundou pela primeira vez em Uma Mulher Vestida de Sol, obra inaugural do teatro de Ariano Suassuna (1927-2014), escrita em 1947. “É uma tragédia, não se enganem, não é um melodrama e muito menos uma das suas comédias” disse o professor, sobre o texto do autor de Auto da Compadecida e Farsa do Boa Preguiça, garantias certas de gargalhadas.
Quase 50 anos depois, essa é a frase mais repetida por Neves nos ensaios de Uma Mulher Vestida de Sol, espetáculo comandado por ele, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil. O diretor fala para os atores entrarem em cena “no limite”, porque na história não tem festa ou refresco, “todo mundo sabe que daqui a pouco vai ter morte”. O projeto, idealizado pelo ator Guryva Portela, conta no elenco ainda com Marcello Boffat, Jorge de Paula, Bruna Recchia, Kátia Daher, Carlos Ataíde e William Amaral. Trata-se de uma peça pouco conhecida, que, segundo Portela, nunca ganhou montagem profissional. O registro mais visto é a transposição para a televisão, dirigido por Luiz Fernando Carvalho para a Globo, em 1994.
Violência
Em uma atmosfera de amor e violência, uma cerca divide duas propriedades rurais. De um lado, o violento fazendeiro Joaquim Maranhão (Portela) é o pai de Rosa (Bruna), e, de outro, Antônio Rodrigues (Boffat), um pouco mais pacífico, é pai de Francisco (Jorge de Paula). A paixão entre os jovens de famílias rivais pode até remeter ao clássico Romeu e Julieta, de William Shakespeare, mas Neves avisa que, em Suassuna, não há espaço para tréguas românticas. “Essa obra traz lembranças da infância do autor, afinal ele está cutucando o Nordeste autoritário que conheceu tão bem e ainda dialoga com os tempos atuais”, diz.
Portela é do Recife e vive em São Paulo há oito anos. Desde a faculdade, desenvolve uma pesquisa em torno do teatro popular e de Suassuna e cita o privilégio de ter sido seu aluno na Universidade Federal de Pernambuco. O dramaturgo, já aposentado, voltou a lecionar entre 2009 e 2010, quando Ester Suassuna Simões, neta dele, estudou por lá. “Era uma aula-espetáculo por semana e acabei me aproximando da família, tanto que, um dia, tomando café em sua casa, confessei a ele que Uma Mulher Vestida de Sol era meu texto preferido”, conta. “É uma tragédia humana completa, que ainda hoje mexe com um nervo exposto da sociedade brasileira ao tratar do patriarcado, disputa de terras, violência contra a mulher.”
O atual espetáculo é segunda parceria de Neves e Portela em cima do autor. Em outubro de 2021, eles lançaram As Conchambranças de Quaderna, que estreou no Teatro Sérgio Cardoso, passou pelo CCBB e por bibliotecas públicas e dez cidades do interior. “Eu sigo a filosofia de Suassuna de que o teatro popular é para ser visto pelo maior número de pessoas e, para isso, vamos aonde somos chamados”, declara o intérprete. “Joaquim Maranhão é aquele sujeito que acredita que tudo é dele, o gado, a fazenda, a filha a irmã, nada melhor para o Brasil de hoje enxergar o quanto isso é atual e encarar essas situações horríveis. Nem que seja pelo teatro.”