Controle externo de contas públicas exige especial atenção de gestores

Em entrevista ao ABC do ABC, o advogado Vladimir de Souza Alves discute as novas diretrizes e premissas de constitucionalidade de controle que ampliam o rigor na tomada de contas anuais

  • Data: 18/09/2021 17:09
  • Alterado: 18/09/2021 17:09
  • Autor: Andréa Brock
  • Fonte: ABCdoABC
Controle externo de contas públicas exige especial atenção de gestores

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O controle externo da Administração Pública e a fixação de parâmetros objetivos para medir a eficiência e economicidade dos entes políticos estão entrando cada vez mais na pauta dos gestores em Prefeituras, Câmaras Municipais e entidades integrantes da administração indireta.

Isso porque o desatendimento a certas metas e padrões consolidados em vários níveis de precedentes pode gerar graves consequências políticas e jurídicas para agentes públicos responsáveis por essas gestões.

Número excessivo de assessores comissionados por gabinete; cargos em comissão providos em dissonância com as atribuições de direção, chefia e assessoramento, leis ou atos normativos que não especificam corretamente as atribuições dos cargos criados e falhas nos sistemas de controle interno têm sido alvos cada vez mais rigorosas das fiscalizações exercidas pelos órgãos de controle, em especial Tribunais de Contas e Ministério Público.

A reprovação das contas anuais pelo Tribunal de Contas ou a procedência de ações civis públicas pelo Ministério Público geram consequências graves aos responsáveis como multas, enquadramento em inelegibilidade e até condenação por improbidade administrativa.

Esse é o tema da entrevista com o advogado administrativista Vladimir de Souza Alves, mestre em Direito Administrativo Econômico pela Universidade Presbiteriana  Mackenzie, especialista em Direito Administrativo pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e que, em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – Fipe, vem desenvolvendo projetos de reestruturação administrativa em várias Câmaras e Prefeituras Municipais visando à adequação e conformidade da legislação local às premissas de constitucionalidade em relação ao controle externo. Nessa entrevista ele dá sugestões importantes de como os gestores podem garantir a regularidade das contas públicas e as consequências da reprovação de contas por parte dos órgãos fiscalizadores.

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Por que é tão importante para os legislativos e executivos terem suas contas aprovadas?
A gestão de contas públicas hoje se tornou um problema emergente para os agentes públicos. O arcabouço de precedentes dos Tribunais Superiores e Tribunais de Contas acabaram por estabelecer parâmetros ideais, fundados em elementos comparativos, e isso faz com que a decisão sobre o número de cargos em comissão, a descrição de suas atribuições, as exigências para o seu provimento não sejam mais vistas como o exercício de sua autonomia para legislar. 

É óbvio que os Municípios continuam preservando a sua autonomia para legislar sobre matérias de sua própria competência, mas os limites e diretrizes de gestão devem ser observados, sob pena de as contas serem rejeitadas.

A Fiscalização do Tribunal de Contas recai sobre temas como a metodologia de controle interno, isto é, como e por quem as informações essenciais são trafegadas de dentro para fora; sobre os procedimentos de contratação pública de bens e serviços, sobre a higidez do quadro de pessoal, pressupondo-se sempre que o número de servidores permanentes do quadro efetivo deve superar aqueles que são providos em comissão, que existem apenas para garantir que a orientação política daquela gestão seja efetivamente implantada.

De algum modo, o que os órgãos de controle fazem é uma tentativa de profissionalizar a gestão pública dentro de uma perspectiva gerencial adequada, evitando que ela seja sequestrada pelas pressões naturais da atividade política. A atuação dos órgãos superiores de controle deve ser vista sempre como uma busca de equilíbrio entre o voluntarismo da política e as limitações próprias do gerenciamento fiscal.

Existe uma definição legal ou uma limitação legal para o número de cargos em comissão? Existe alguma regra?
Não. E nem deveria mesmo haver. Cada Prefeitura ou Câmara Municipal vive o seu próprio contexto econômico, revelam necessidades específicas e não faria sentido que uma regra geral determinasse um número fechado para a estrutura de assessoramento parlamentar ou o número diretores ou chefias para as unidades administrativas. É preciso compreender que cada uma dessas entidades reflete sua própria realidade e um número aleatório fixado por uma lei superior seria algo inadequado na medida em que limita o exercício regular da autonomia própria dos entes da Federação.

Mas, por outro lado, existe um padrão de racionalidade técnica que deve ser observado e perseguido, a partir da identificação dos fluxos de trabalho, das demandas internas específicas, das realidades econômicas que se vivencia em cada Município. Esse padrão de racionalidade pode ser obtido por meio de uma metodologia eficaz de comparação dessas realidades por quem a fiscaliza, isto é, o Tribunal de Contas. Assim, a resposta à sua pergunta é: não há um número preciso ou estabelecido em lei, mas há um controle sobre a razoabilidade e a proporcionalidade desses números.

É preciso compreender que o exercício do cargo ou função em comissão é uma excepcionalidade à regra geral de recrutamento de servidores públicos pelo sistema de mérito, isto é, o concurso público. Sendo excepcional, o entendimento que predomina nas Cortes Superiores e nos órgãos de controle – e também essa é uma posição muito clara para o Tribunal de Justiça de São Paulo – é que não faz sentido haver um número de comissionados superior ao de efetivos. Quando essa conta supera os 50%, a luz vermelha deve acender.

E quanto à exigência de curso superior para assessores comissionados?
De fato, o controle externo vem restringindo a nomeação de Diretores e Assessores sem diploma de curso superior, e exigindo nível médio para os Chefes de determinadas unidades. Esse é um desdobramento de um Tema de Repercussão Geral acolhida no Supremo Tribunal Federal (STF). A meu ver essa é uma exigência que, de algum modo, deve ser relativizada. Em se tratando de assessoramento parlamentar, que é atividade eminentemente política, cada mandato se vê diante da necessidade de estabelecer uma ponte de relacionamento direto com a população nas comunidades, nas periferias, nos rincões do País. É justamente isso que confere representatividade ao mandato. A exigência de curso superior para essa atividade de aproximação que é importante e que nada tem de burocrático me parece algo incompatível com a realidade.

Várias cidades, inclusive do Grande ABC, em atendido parcialmente a essa condição, com regras de transição e percentuais vêm sendo acolhidas pelo controle externo.

Sabemos que há uma diferença na desaprovação de contas anuais do Prefeito e do Presidente da Câmara. Você poderia esclarecer isso?
Sim. O fato é que há uma peculiaridade no sistema de controle externo que alguns analistas chegam a dizer que configura uma “distorção.” E qual é essa peculiaridade? O Tribunal tem uma espécie de dupla função. Em alguns casos ele é o “Julgador” e outros o “Órgão Auxiliar do Legislativo”. Quando o Tribunal de Contas – e aqui eu falo especificamente do Tribunal de Contas de São Paulo – analisa as contas anuais de Prefeitos, ele funciona como mero “Órgão Auxiliar da Câmara”, isto é, ele emite um parecer pela aprovação ou pela reprovação das contas. A Câmara é que, por maioria, decide se aquele parecer será acolhido ou não. Ou seja, a decisão pela aprovação ou reprovação tem crivo político, o que já gerou bastante polêmica.

Já quando o TCE-SP audita as contas do Presidente da Câmara, sua atuação é como “órgão julgador”. Depois de passar pelas unidades técnicas de fiscalização, o Conselheiro Relator designado expedirá voto aprovando ou rejeitando as contas. Referendada pelo Plenário da Corte, aquela decisão produz os seus próprios efeitos, sem qualquer interferência do Poder Legislativo.

Então a aprovação de contas da Câmara passa a ser matéria, sobretudo de interesse do Presidente, que é o responsável. Os demais vereadores não deveriam se preocupar com isso também?
Deveriam, mas não é o que costuma acontecer. Muitas vezes, a regularidade das contas não depende apenas do Presidente ou da Mesa Diretora, mas depende de deliberações da própria Casa Legislativa, por maioria de votos. É o caso, por exemplo, dos apontamentos sobre leis que criam cargos sem observar os parâmetros de constitucionalidade. O Tribunal de Contas vai lá, aponta, diz que é necessário alterar a lei, mas o Presidente não tem maioria. Os demais vereadores sabem que, se as contas forem rejeitadas, o único que será prejudicado na decisão será o Presidente, que pode ser multado ou ficar inelegível. Em alguns casos extremos, pode até responder por improbidade, o que é difícil porque, neste caso, faltaria o dolo.

A rejeição das contas anuais da Câmara responsabiliza somente o Presidente e acaba não gerando nenhuma consequência imediata para os demais vereadores. Mas é preciso estar atento para o seguinte fato: o Vereador que não se preocupa com as contas hoje, pode vir a ser o Presidente amanhã e vai lidar com situações de irregularidade, muitas vezes, consolidadas, e que se arrastam no tempo. Por isso, essa postura colaborativa é muito importante e revela maturidade institucional de quem exerce esses mandatos.

Quais são suas orientações para que os agentes públicos tenham suas contas aprovadas?
Um ponto importante é que todos os agentes públicos fortaleçam suas ferramentas de controle interno. Ela é a principal base de auditagem e pode vir a ser um instrumento de transparência produzindo efeitos benéficos em toda a gestão. O outro ponto é acompanhar a evolução do acervo jurisprudencial. O fato de ter poder para legislar não imuniza as instituições. É preciso legislar com responsabilidade, contemporaneidade e estar atendo para as tendências de racionalização. Outro ponto nevrálgico são os cargos em comissão. As principais orientações que temos dado nos projetos realizados em parceria com a Fipe é que, ao produzir uma legislação sobre o quadro de pessoal que observe os requisitos estabelecidos pela Constituição Federal, com a estrita observância para que se legitime o regime excepcional de livre nomeação e exoneração. É preciso ter em mente que a criação de cargos em comissão é exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público de provas ou de provas e títulos e somente se justifica quando presentes os pressupostos constitucionais para a sua instituição.

Também é preciso estar atento para o fato de que tais cargos se destinam somente ao exercício de funções de direção, chefia ou assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais e que reflita a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado.

Estar sempre atento ao fato de que o número de cargos comissionados guarde proporcionalidade com a necessidade que eles visam a suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos, sendo sempre estes em maioria. É preciso também que as atribuições dos cargos em comissão estejam descritas de forma clara e objetiva nas leis que os instituir.

Acima você mencionou como dica que as funções em comissão não sejam “burocráticas”, “técnicas” ou “operacionais”. Mas, as atividades públicas não serão sempre burocráticas, técnicas ou operacionais?
Excelente pergunta. Sim esse é um ponto que consta do Tema de Repercussão Geral e tem sido reverberado pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Contas como se as atividades exercidas pelos comissionados não pudessem ser “burocráticas” e “técnicas” Eu particularmente me filio à corrente daqueles que entendem pela impropriedade dessas qualificações, pois as atividades e funções do serviço público são sempre burocráticas, técnicas e operacionais, pois essa é a sua natureza. Na minha modesta opinião, é o que fazem os Secretários, os Diretores de Departamento, de Serviço, de Relações Humanas, entre outros, de todas as empresas, de todos os governos e até mesma na gestão dos próprios tribunais. Dizer que a função comissionada não tem uma dimensão “burocrática”, a meu ver é um contrassenso jurídico e não vejo como qualificar ou desqualificar os cargos em comissão e as funções de confiança a partir dessa característica, mas é preciso um esforço de interpretação para compreender o que o acervo jurisprudencial quer dizer.

E o que ele quer dizer?
Que se deve evitar, por exemplo, a nomeação de comissionados para atividades como gestão de folha de pagamentos, controle de almoxarifado, manutenção e conservação, transporte, etc.

Há uma legislação nova que impõe determinadas diretrizes e padrões nas leis que criam cargos na Administração Pública. Como é isso?
De fato. A legislação federal que dispõe normas gerais sobre várias matérias acaba criando condicionantes para a elaboração das leis municipais. Exemplo disso é a nova Lei Geral de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/21) que determina que os departamentos ou unidades de licitação sejam desmembrados das que cuidam da gestão de contratos. Outro exemplo é a necessidade do DPO (Data Protector Office) na nova Lei Geral de Proteção de Dados. De um modo geral esse profissional é um especialista em proteção de dados. De acordo com o artigo 37 daquela lei, a figura do DPO será necessária sempre que órgãos ou autoridades públicas, exceto as judiciais, tiver que lidar com dados especiais e sensíveis como informações sobre etnia, religião, condenações penais. Recomenda-se, assim, que essa função seja prevista em lei de estrutura organizacional e preenchido por servidor específico.

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