ESCOLHI ESPERAR: Prefeitura apoia projeto que prevê abstinência sexual de adolescentes

Câmara Municipal de SP deve votar nesta quinta-feira o projeto de lei que preconiza privação como método contraceptivo para adolescentes. Prefeitura emitiu parecer favorável ao texto

  • Data: 15/06/2021 09:06
  • Alterado: 15/06/2021 09:06
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Estadão Conteúdo/USP
ESCOLHI ESPERAR: Prefeitura apoia projeto que prevê abstinência sexual de adolescentes

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A Câmara Municipal de São Paulo deve votar nesta quinta-feira, 17, o projeto de lei que cria o programa Escolhi Esperar, que preconiza a abstinência sexual como método contraceptivo para adolescentes. A Prefeitura emitiu parecer favorável ao texto, que tem como relator o líder do governo, Fabio Riva (PSDB).

Autor do projeto, o vereador Rinaldi Digilio (PSL) afirma que a proposta é “somar ao leque de políticas públicas a prevenção primáriaà gravidez. “O adolescente e a adolescente continuarão a ter acesso a camisinhas, anticoncepcionais, DIU e todos os métodos contraceptivos, mas também terão orientação por palestras ou individualmente, feitas por profissionais da saúde, para alertar para os riscos da gravidez precoce, que é consequência de relações sexuais precoces.”

O texto será votado em segundo turno, votação final, e se aprovado seguirá para a sanção do prefeito. Na primeira votação, ocorrida no ano passado, o texto criava uma semana de conscientização, e não um programa permanente. Por isso, os vereadores de oposição votaram a favor.

Na segunda votação, entretanto, Digilio apresentou um texto substitutivo, com outras 18 assinaturas, em que a semana de conscientização se transforma em uma política pública perene. “O próprio Executivo sugeriu que deixasse de ser uma data comemorativa”, afirmou.

O substitutivo determina a criação de palestras de orientação para funcionários da Prefeitura, divulgação de material explicativo para adolescentes e atividades para o público-alvo, e ainda o “monitoramento de possíveis casos para avaliação e cuidado”, sem detalhamento de que “casos” seriam monitorados. A execução do programa seria feita pelas secretarias de Educação e de Saúde.

Para a oposição, se aprovado e sancionado pelo prefeito, a criação do programa marcará o início de uma “guinada conservadora” da cidade sob gestão de Ricardo Nunes (MDB). As cinco vereadoras de oposição das bancadas de PT e PSOL, criticam a proposta.

Juliana Cardoso (PT) afirma que “Escolhi Esperar” pode “parecer inocente”, mas que tem ideias de culpabilização das adolescentes que engravidam.

A proposta é que, pela relação com Deus, as mulheres poderiam esperar a relação sexual”, disse a vereadora. “Mas ele não faz o que precisa ser feito, que é falar sobre a pílula e outros métodos contraceptivos. Fala que a menina precisa ‘se preservar’. Esse é o nome de um programa federal da ministra Damares Alves e das igrejas evangélicas”, disse.

A parlamentar afirmou que o prefeito “é extremamente vinculado à Igreja Católica conservadora” e que esse projeto “é o primeiro de uma boiada” de pautas conservadoras que parte da bancada governista tentará aprovar nos próximos meses.

Já o vereador Digilio afirmou que Nunes, assim como o parlamentar do PSL, “é pai e sabe o quanto é importante proteger os adolescentes”.

A reportagem procurou o líder do governo e relator do caso, Fabio Riva, mas sua assessoria não respondeu.

PARECER

A Prefeitura afirmou que o parecer favorável ao projeto é “técnico”. “Portanto, não autoriza nenhuma ilação político-ideológica.” A reportagem tentou acessar a íntegra do processo administrativo que resultou na elaboração do documento, mas a Prefeitura o colocou em sigilo. “O debate e a deliberação sobre a proposta devem ocorrer no âmbito da Câmara Municipal” segue a nota.

A Secretaria Municipal da Saúde ressalta que as ações de prevenção da gravidez na adolescência desenvolvidas pela rede municipal são baseadas na autonomia do adolescente, preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e no direito à informação e acesso a métodos contraceptivos, inclusive para redução da incidência de segunda gravidez na adolescência”, diz o texto.

COM A PALAVRA, USP
Texto publicado no Jornal da USP em 13/02/2020

Abstinência sexual em adolescentes já foi testada e não trouxe resultados. Albertina Takiuti diz que no Reino Unido essa política não obteve aderência e que modelo de São Paulo reduziu em 54% a gravidez na adolescência

Todos os programas que focaram ou tentaram falar de comportamentos não deram certo. Uma revisão feita no Reino Unido em 2016 mostrou que políticas baseadas em tentativas de mudanças de comportamento não têm aderência dos jovens. A gravidez na adolescência é um composto de situações e as populações vulneráveis têm que ser pensadas”, afirma Albertina Duarte Takiuti, Coordenadora do Programa Saúde do Adolescente da Secretaria da Saúde do Estado de SP, em entrevista ao Jornal da USP no Ar.

Albertina, mestra e doutora pela Faculdade de Medicina (FM) da USP, conta que a Inglaterra deu resultados em programas do tipo ao oferecer métodos anticoncepcionais de longa duração que reduziram em 42% os índices de gravidez na adolescência. Em 20 anos, o Estado de São Paulo reduziu em 54,46% este índice, sendo um dos menores do País, focando oferecimento de métodos e diferentes formas de atendimento multiprofissional, o que poderia servir de modelo nacional. “Eu me somo a todas as vozes que, desde 2011, mostram que Estados dos EUA, que propuseram ou sugeriram abstinência, tiveram um aumento da gravidez e de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs).”

No Brasil, em 2018, foram 434,5 mil adolescentes que deram à luz, sendo uma média de 68,4 nascidos vivos para cada mil adolescentes e jovens. A atual Coordenadora Estadual de Políticas para Mulher teme que a proposta do governo possa fazer com que jovens mintam para seus pais e profissionais e, como há 30 anos, cheguem com uma gravidez avançada sem o devido acompanhamento e sem a prevenção que poderia ter sido feita. “Podemos falar de educação sexual e cotidiano dos jovens, mas jamais entendo porque nós vamos retroagir.”

A decisão de começar a vida sexual é uma questão de foro íntimo. As famílias já falam ‘não tenha, não faça [sexo agora]’, as religiões já dizem. O que cabe como política pública é oferecer todos os caminhos para os adolescentes.”

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  • Data: 15/06/2021 09:06
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