Fenômenos distantes afetam incêndios no Brasil, afirma docente da UFSCar
Pesquisador aborda onda de incêndios na Amazônia e Pantanal e seus motivadores em diferentes escalas
- Data: 19/11/2020 10:11
- Alterado: 19/11/2020 10:11
- Autor: Redação
- Fonte: UFSCar
Crédito:freepik
Você sabe o que é teleacomplamento e como isso pode ajudar a explicar a relação de eventos em locais e épocas diferentes com os incêndios no Brasil? O termo designa repercussões ambientais e socioeconômicas que ocorrem em consequência de sistemas naturais ou influenciados pelo homem que estão operando em locais distantes entre si. “É uma junção teórica que empresta ideias de globalização da economia e de processos físicos naturais, como o clima em escala global”, detalha o biólogo Alexander Vicente Christianini, professor do Departamento de Ciências Ambientais (DCA-So) do Campus Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
A partir do conceito de teleacomplamento, o pesquisador explica, por exemplo, como o comércio entre Brasil e China pode estar relacionado a incêndios em áreas naturais. “Uma demanda aumentada de carne e grãos por parte da China, por exemplo, favorece a conversão de áreas utilizadas originalmente para outros cultivos ou até mesmo a conversão de áreas de floresta para pastagens na Amazônia e a intensificação da pecuária no Pantanal. Parte dessas motivações está por trás da grande onda de incêndios que temos presenciado este ano nestas duas regiões do Brasil”, alerta o docente da UFSCar.
Mas, os incêndios que transformam áreas naturais em pastagens podem prejudicar a agropecuária. Segundo o professor, há sinais de que a perda de floresta na Amazônia pode comprometer a chuva no Centro-Sul do Brasil, que responde por boa parte do agronegócio de exportação e da economia do País. “Todas essas mudanças geram ao mesmo tempo pressões conflitantes na sociedade, seja pela intensificação da exploração agropecuária de áreas naturais, seja pela conservação ou exploração mais racional dessas áreas”, diz ele.
O assunto foi tema do texto “Arde el Brasil de Bolsonaro: contexto global de un desastre ecológico”, escrito em parceria com o professor Daniel García, da Universidad de Oviedo, na Espanha, e publicado no Jornal TheConversation (de livre acesso), que pode ser acessado na íntegra em A publicação faz parte das atividades de Christianini em discutir conflitos entre conservação e desenvolvimento econômico, e conta com colaborações de estudiosos que pesquisam o impacto do fogo na vegetação e fauna do Cerrado. O docente também participa de um grupo de trabalho em políticas públicas da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (Abeco).
Causas
Além da motivação pela expectativa de ganho econômico em curto prazo, como na derrubada da floresta e conversão em pastagens ou plantios, o professor destaca que também pode haver importantes interações com o clima. “Este ano foi especialmente seco em várias regiões do País, o que agrava o problema e favorece a propagação descontrolada das queimadas”, analisa o docente, que ressalta haver uma grande recusa, por parte de alguns órgãos públicos, de problemas reconhecidos pela comunidade científica mundial.
O professor da UFSCar rebate a afirmação de que, numa floresta tropical úmida como são as áreas bem conservadas na Amazônia e na Mata Atlântica, o fogo poderia se propagar naturalmente. “Praticamente todos os incêndios nessas áreas de floresta têm origem criminosa. Já em áreas de savana, como é o nosso Cerrado, mais comum no Brasil Central, o fogo é parte da dinâmica natural dessa vegetação, cujas espécies frequentemente tem certas adaptações que conferem resistência ao fogo. Mas aí o fogo natural ocorre por raios, em geral no final ou início da estação chuvosa, e raramente atinge essas extensões enormes que estamos assistindo e que são um desastre para a fauna e a recuperação posterior das áreas”. Já no Pantanal, “a intensificação da pecuária tem levado a substituição das pastagens nativas”.
Estratégias de sucesso
Na visão de Christianini, a administração pública no Brasil tem experiências de sucesso na reversão de tendências crescentes de desmatamento e que poderiam ser resgatadas para interromper este cenário. “No passado recente foram estabelecidas parcerias entre o setor público, empresas e ONGs que tiveram bastante sucesso, por exemplo, atingindo redução de 70% das taxas de desmatamento ilegal na Amazônia ao longo dos anos. Essas iniciativas incluíam, por exemplo, a concessão de crédito agrícola pelos bancos estatais apenas a produtores que comprovavam a titularidade da propriedade (por conta do problema de grilagem de terras na Amazônia), a moratória da soja e rastreabilidade da soja e da carne que comprovavam a origem do produto a partir de áreas não desmatadas recentemente e que permitia a compradores no Brasil e no exterior se certificarem da aquisição de produtos que não contribuiam para o desmatamento. Outra iniciativa que já havia sido testada com êxito no Brasil era a criação de unidades de conservação em áreas críticas de expansão acelerada de desmatamento, como em algumas regiões do arco do desmatamento e em margens de algumas estradas na Amazônia”, elenca o pesquisador.
Christianini afirma que essas estratégias poderiam ser discutidas e implantadas novamente, mas para isso é preciso um pacto acordado entre os atores envolvidos (empresas, poder público e sociedade civil). “Há uma crescente demanda no mercado internacional – e no nacional também, embora em menor escala – por produtos certificados como ‘ambientalmente amigáveis e socialmente justos’, que obedecem as leis locais e que são produzidos com menor agressão ao meio ambiente. Essa é uma tendência que deve se acentuar nos próximos anos, e muitas empresas já enxergaram isso e querem participar dessas mudanças”, analisa o docente.
Do ponto de vista social e político, o pesquisador da UFSCar defende um maior diálogo da comunidade científica com representantes do governo, da sociedade e das cadeias produtivas envolvidas. Ele vislumbra também possibilidades de geração de renda com atividades de baixo impacto na Amazônia como, por exemplo, o açaí, que já está ganhando o mercado global e é basicamente fruto de extrativismo. Medidas de compensação ambiental, campanhas de conscientização, retomada de fiscalização e planos de longo prazo para o Ministério do Meio Ambiente também fariam parte dessas ações.
“Onde queremos chegar em trinta, cinquenta anos? Parece que isso não se discute. Temos um potencial enorme da exploração sustentável de nossa biodiversidade que permanece na maior parte, inexplorada. É um ativo de nosso País e um diferencial em relação as outras nações. A sociedade deve exercer seu papel de cobrança por mudanças nas políticas públicas e agir de maneira mais consciente, seja na escolha de seus representantes contemplando essas pautas, seja exigindo cada vez mais que os produtos que consome sejam oriundos de processos produtivos menos danosos ao meio ambiente. Essas medidas trazem resultado a longo prazo”, conclui o docente.