Com aumento de 2.532% nos casos, interior paulista enfrenta escalada de covid-19
Conforme o especialista em geografia da saúde e professor da Unesp, Raul Guimarães, está havendo uma aceleração no número de casos novos, atingindo os municípios menores
- Data: 07/05/2020 19:05
- Alterado: 07/05/2020 19:05
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Coronavirus outbreak and coronaviruses influenza background as dangerous flu strain cases as a pandemic medical health risk concept with disease cells as a 3D render
Crédito:
Chegou a vez do interior paulista enfrentar uma escalada nos casos de coronavírus como já acontece na região metropolitana de São Paulo. Dados divulgados nesta terça-feira (5) pela Secretaria de Desenvolvimento Regional do Estado mostram que, no período de 3 de abril a 1º de maio, o número de casos cresceu 2.532% no interior, enquanto na região metropolitana o crescimento foi de 625%. Conforme o especialista em geografia da saúde e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Raul Guimarães, está havendo uma aceleração no número de casos novos, atingindo os municípios menores. “O risco de faltar capacidade de atendimento hospitalar para os casos mais graves é grande”, alertou.
O avanço do vírus aconteceu de forma muito rápida no Estado, segundo ele. Em pouco mais de 40 dias, de 17 de março a 30 de abril, quando apenas 9 cidades da região metropolitana tinham casos, o número no Estado saltou de 164 para 28.693. Já as mortes subiram de 1 para 2.375. Os dados mostram que a doença se espalhou por todo o território paulista, com casos confirmados em 332 dos 645 municípios, sendo que 293 (88%) estão no interior e litoral. Das 150 cidades que já registraram mortes, 114 (76%) estão fora da região metropolitana de São Paulo.
O aumento no número de pessoas infectadas aconteceu em todas as regiões do interior, embora de forma desigual, segundo os dados. De 15 a 30 de abril, os casos de coronavírus cresceram 1.125% na região de Itapeva, no sudoeste paulista; 546% em Registro, no Vale do Ribeira, e 475% em Barretos, norte do Estado. Os menores índices de crescimento foram em Ribeirão Preto (87%), São José do Rio Preto (91%) e região central do Estado (165%).
Entre as dez cidades com maior registro de óbitos, três estão na Baixada Santista: Santos (645 casos e 55 mortes); Praia Grande (159 casos e 29 mortes) e Guarujá (194 casos e 14 mortes). No interior, as cidades maiores são as mais afetadas pelo vírus, como Campinas (430 casos, 24 mortes), Sorocaba (145 casos, 21 mortes) e São José dos Campos (257 casos e 14 mortes). “Os números indicam que as capitais regionais exerceram o papel de disseminar a doença para os municípios sob sua influência direta, como havíamos previsto em análise feita há um mês”, explicou.
No caso da Baixada Santista, segundo o pesquisador, a maior disseminação do vírus está relacionada à proximidade com a metrópole paulista – as duas regiões são ligadas por importantes corredores rodoviários, como o Sistema Anchieta-Imigrantes. “O porto de Santos também é, certamente, uma área de risco. Não sabemos se houve o rigor necessário no monitoramento do uso do espaço público, especialmente as praias”, disse. Na segunda-feira (4), a prefeitura de Praia Grande liberou a prática de surfe e outras atividades individuais no mar, no horário entre 5 e 8 horas. O acesso às praias continua restrito.
A doença chegou de vez também às pequenas cidades paulistas. Em 45 municípios com menos de dez mil habitantes já houve caso positivo e, em sete cidades, aconteceu ao menos um óbito. A menor delas, Pedrinhas Paulista, com 3.093 habitantes, entrou para a lista no dia 27 de abril, quando uma mulher de 55 anos morreu, após apresentar sintomas de dengue. O exame apontou a covid-19 como causa da morte. Antes, já havia sido registrado um óbito em Caiabu, com 4.191 moradores.
Prefeito de Pedrinhas Paulista, Sergio Fornasier (DEM) disse que, após o óbito, as medidas contra o vírus foram reforçadas. “Assinamos decreto, que está em vigor desde segunda-feira (4), obrigando o uso de máscara em repartições públicas, transporte coletivo, estabelecimentos comerciais, de serviços essenciais e outros locais públicos. Vivemos um momento difícil e a população precisa estar conosco.” Em bloqueios realizados na cidade, os moradores podem trocar um litro de leite por máscara ou álcool gel.
O vírus atingiu as regiões mais isoladas do Estado. No Vale do Ribeira, já são 84 casos confirmados e seis mortes. Cananeia, no extremo sul, somou 10 casos e dois óbitos. Houve uma morte também em Barra do Turvo, município que tem 80% do território coberto por reservas de mata atlântica. Na região de Presidente Prudente, extremo oeste paulista, o número de casos subiu de 12 para 67 (458%) e houve 11 mortes. Seis óbitos aconteceram em Presidente Venceslau, onde ficam duas das maiores penitenciárias do interior. A região concentra o maior número de unidades prisionais, mas as visitas aos presos estão suspensas devido à pandemia.
VELÓRIO
As regiões com mais crescimento de casos têm em comum índice baixo de isolamento social, segundo a pasta de Desenvolvimento Regional. Em Itapeva, região com aumento recorde, o isolamento caiu para 47%, muito abaixo do ideal, que seria 70%. Nesta quarta-feira (6), a prefeitura pediu autorização ao comitê de prevenção da covid-19 do próprio município para liberar os velórios aos familiares de pessoas mortas com o vírus. A medida vai na contramão do resto do Estado, onde os velórios estão proibidos devido ao risco de contaminação. “O objetivo é zelar pela dignidade humana durante o luto”, justificou o município.
Para o pesquisador da Unesp, quanto menor é a taxa de isolamento social, maior tende a ser a progressão do vírus. Foi o que aconteceu na região de Bauru, onde o índice caiu de 55% para 50% e os casos aumentaram 390%, de 39 para 191. Guimarães defende que as medidas para evitar aglomerações e contatos sociais precisam ser mais rigorosas. “Infelizmente, não construímos as condições para a flexibilização do isolamento social. Pelo contrário, em poucas semanas teremos de ser ainda mais duros para tentar frear a aceleração no contágio.”
Há necessidade, segundo ele, de preparar a estrutura hospitalar para responder ao aumento de casos com potencial para internação. Nas regiões de Botucatu, Sorocaba e Baixada Santista, hospitais já estão com alta lotação e leitos de UTI próximos da ocupação total. “Precisamos analisar mais detalhadamente o planejamento feito para a cobertura de UTIs destinadas para a covid-19 no interior paulista, assim como o número de ventiladores (pulmonares) existentes em cada região.”
Guimarães reconhece que as prefeituras sofrem pressão para retomar as atividades comerciais e industriais. Em Ribeirão Preto, nesta terça-feira (5), o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) mandou fechar salões de beleza, clínicas odontológicas e outros serviços que tiveram a reabertura autorizada pela prefeitura. O relator do tribunal, José Luiz Gavião de Almeida, afirmou que, devido à pandemia do coronavírus, “erra-se menos com a manutenção de situação mais restritiva do que com a flexibilização das atividades sociais”. A prefeitura informou que aguarda decisão do órgão colegiado do tribunal.
Para o pesquisador o fim do isolamento social pode custar mais para o Estado do que manter a quarentena. “Os prejuízos econômicos são evidentes, mas se atingirmos nossa capacidade máxima de atendimento, os prejuízos serão ainda maiores. Há estudos que demonstram a falácia do conflito isolamento social x crise econômica. É o contrário: países que não levaram a sério a emergência em saúde pública tiveram prejuízos econômicos muito maiores. Acho que é o rumo que segue o Brasil”, afirmou Guimarães.