Salles impõe ‘arrastão’ de conciliação de multas
Depois de alterar completamente o processo de autuação e impor aos servidores públicos ambientais uma série de sanções administrativas, Salles, decidiu fazer um "arrastão" de audiências
- Data: 04/06/2021 15:06
- Alterado: 04/06/2021 15:06
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Salles estabelece conciliação de 2.838 multas ambientais. Critérios de seleção não foram explicados
Crédito:Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O “arrastão” tem alvos de multas aplicadas, estipulando prazos que, na prática, são impossíveis de serem executados. Pressionados, diversos funcionários do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) já solicitaram até a dispensa desses cargos, sob risco de serem alvo de processos disciplinares internos.
A reortagem teve acesso a um despacho feito no dia 12 pelo superintendente de Apuração de Infrações Ambientais do Ibama, Wagner Tadeu Matiota, a todas as regionais no País. Uma semana depois, Matiota, que é coronel da PM de São Paulo, foi um dos diretores afastados da função, no âmbito da Operação Akuanduba, da Polícia Federal.
Sob determinação de Ricardo Salles, a superintendência apresentou uma agenda com nada menos que 2.838 multas ambientais para passarem por processos de conciliação, etapa em que os agentes tentam chegar a um acordo com o autor da infração. A questão é prazo e pessoal treinado para isso. Conforme o cronograma, todas as audiências, sejam virtuais ou presenciais, devem ocorrer entre os dias 11 de junho e 20 de agosto. Em alguns Estados, haveria apenas uma semana para executar todo o trabalho.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ibama não explicaram o critério para selecionar os 2.838 casos. O que já se sabe é que incluem diversos que já transitaram e foram encerrados administrativamente, como identificado pelas superintendências regionais de Tocantins, Goiás, Amapá e Mato Grosso do Sul.
A reportagem levantou o número de servidores que atuam na função. No ICMBio, há apenas sete funcionários para fazer a análise preliminar e 29 para atuarem como conciliadores. Isso significa que, em muitos Estados, há uma pessoa para analisar dezenas de casos em um dia. No Ibama, o MMA alocou 32 pessoas para análise preliminar e 95 para as “Equipes de Condução de Audiências de Conciliação”. Estados como Amazonas, Mato Grosso Sul, Paraná, Roraima e Rio estão entre aqueles que têm apenas duas pessoas para conciliações.
Após serem notificados da determinação, chefes regionais de alguns Estados – TO, GO, AP e MS – já alertaram sobre todas as limitações para realizar o trabalho. A conciliação não é um processo simples ou automático. Passa por avaliação prévia de cada caso, leitura de documentação, apresentação de provas, discussão e novas avaliações. Tudo fica ainda mais difícil com as mudanças impostas no processo, a partir da Instrução Normativa Conjunta (INC) 01/2021, de 12 de abril.
“Com a estrutura atual do Nucam (Núcleo de Conciliação Ambiental) e com o quantitativo de audiências proposto, é humanamente impossível que os trabalhos sejam realizados por um único servidor, principalmente se o conciliador for submetido ao rito da INC 01/2021, que prevê a realização da análise preliminar, da audiência, e dos trâmites administrativos anteriores e posteriores à audiência”, declarou Juliana Guedes da Costa Bezerra, chefe substituta da Divisão de Conciliação Ambiental, em um despacho emitido em 14 de maio.
Após forte reação de servidores de todo o País, o MMA publicou uma nova versão da instrução normativa, mas manteve diversos pontos de conflito e que travam o trabalho de conciliação e autuação. “Essas instruções são um tremendo retrocesso e só vêm piorar a situação de atraso e aumento de prescrição de processos de multas, no Ibama e no ICMBio”, diz Roberta Graf, diretora da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional).
Roberta diz que a situação imposta “materializa grave e reiterado assédio moral e institucional”, ao mencionar “responsabilidade administrativa” e “desídia”, ameaçando de demissão o servidor que não cumprir cronogramas. “Esses prazos são totalmente inexequíveis, já que são milhares de processos para pouquíssimos servidores.”
A avaliação geral é de que o cronograma vai gerar retrabalho, com reagendamentos contínuos, desgastes perante os autuados e insegurança jurídica. Se uma multa não passar por processo de conciliação por qualquer motivo, deve ter audiência reagendada. Se todo o processo não for finalizado em até cinco anos, a multa prescreve.
“Os atrasos e a prescrição de multas seguramente vão aumentar. A conciliação devia ser um direito a ser requisitado pelo autuado, como vinha sendo, até porque a maioria das audiências resta deserta. Não faz sentido você perder muitas horas de trabalho para estudar o processo e preparar as análises documentais necessárias”, diz Roberta Graf.