Aquilo De Que Não Se Pode Falar estreia nesta quarta-feira, 8 de dezembro_x000D_
Projeto bilíngue contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2019-2020 faz coabitar duas culturas que pouco dialogam histórica e artisticamente, jogando luz em reflexões sobre a cultura surda
- Data: 07/12/2021 14:12
- Alterado: 07/12/2021 14:12
- Autor: Redação
- Fonte: Itaú Cultural
Rumos Itaú Cultural
Crédito:Divulgação
Baseado no livro Vaca de Nariz Sutil – que completou 60 anos em 2020 –, escrito por Campos Carvalho, Aquilo de Que Não se Pode Falar parte da premissa de fazer coexistir, em um mesmo processo de criação, duas línguas e culturas que pouco conversam entre si: LIBRAS e o Português. A dramaturgia textual e a cena lidam com duas formas e forças de linguagem. Deste modo, a encenação projeta uma comunhão peculiar entre ambas as línguas e acolhe possíveis colisões entre elas. O espetáculo, contemplado pela edição 2019-2020 do programa Rumos Itaú Cultural, tem temporada de estreia on-line de 8 a 15 de dezembro, sempre às 19h, gratuitamente, com ingressos retirados e exibição pelo Sympla.
“Aquilo de que não se pode falar é uma obra que responde a um longo processo. O projeto que dá origem a ela se iniciou em 2016, quando me deparei com o livro Vaca de nariz sutil, de Campos de Carvalho, e o imaginei se tornando espetáculo em um solo de teatro-dança, onde eu viveria o soldado esquizofrênico avassalado pela guerra”, conta Filipe Codeço, idealizador do projeto em parceria com Vinicius Arneiro. “Foi aí que Vinícius, diretor do espetáculo, lançou a proposta de reavaliarmos o processo e convidarmos um ator surdo para compartilhar a cena comigo, dando corpo a Aristides, personagem que divide um quarto de pensão com o soldado”, complementa ele acrescentando que se encantou com a ideia.
Na obra de Carvalho, embora compartilhem o mesmo quarto, os personagens nada sabem um do outro. No romance, Aristides é um personagem episódico, sempre narrado e apresentado de forma um tanto pejorativa por parte do soldado. “Após conversas com a Erika Rettl, integrante do grupo Moitará, que tem um belo projeto com artistas surdos, reformulamos o projeto”, recorda o idealizador.
Aquilo De Que Não Se Pode Falar é interpretado pelo ator surdo Marcelo William, cuja língua materna é LIBRAS. Codeço é o ator ouvinte e tem o português como matriz. Ao gerar duas linhas narrativas que se desdobram mutuamente, a dramaturgia se desenvolve sem hierarquia linguística e abre diversas leituras. A peça é um retrato contundente da devastação subjetiva operada pela guerra, além de um convite à reflexão sobre os perigos presentes no discurso e no militarismo em âmbito local e global.
“Trata-se de um projeto que se orienta pelo desejo de fazer confluir as experiências e os modos de vida por meio das suas diferenças e por intermédio delas. É um caminho sinuoso e de constante aprendizado, por isso revela muito sobre a urgência de buscarmos maneiras de fazer conviver aqueles que diferem entre si. O funcionamento das coisas deste mundo, da forma como elas são, pouco diz respeito às necessidades básicas de uma cidadã ou cidadão surdo, por exemplo”, afirma Arneiro.
Para ele, o termo acessibilidade, hoje em dia, é corrente e é importante que seja assim. Mas também é de grande importância a consciência de que a acessibilidade em si é apenas um passo na busca por equidade de oportunidades, considerando o quanto pessoas surdas são desfavorecidas no acesso à esfera social. “O desafio e o desejo deste projeto é assimilar de maneira artística LIBRAS, criando uma obra em diálogo direto com a cultura surda, que tem para nós uma importância fundante”, conclui o diretor.
Espetáculo
A obra narra o regresso de um soldado que, em campo de batalha, é diagnosticado com esquizofrenia e afastado de suas funções. Ele chega na cidade e aluga uma vaga em um quarto de pensão próximo ao cemitério. Ao entrar no recinto, se depara com um desconhecido, um homem surdo com quem vai dividir o quarto. Na falta de diálogo, ambos se tornam um enigma diante do outro, fazendo com que especulem sobre seus pensamentos e os motivos de serem como são.
A dramaturgia surda foi criada em um processo de transcriação, compartilhado entre o dramaturgo Diogo Liberano, o ator Marcelo William e os intérpretes de LIBRAS Jhonatas Narciso e Lorraine Mayer. A partir daí absorveu-se, na tessitura dramatúrgica, todo um campo de percepção desse mundo, antes ignorado.
“Como autor, por desconhecer a Língua Brasileira de Sinais, o que fiz foi simplesmente escrever esta narrativa tal como sempre escrevi: por meio da língua portuguesa escrita-falada”, conta Liberato. “Digo ‘simplesmente escrevi’ porque o exercício da encenação esteve o tempo inteiro atento às traduções: tradução das palavras da dramaturgia para a escrita em língua brasileira de sinais; tradução do texto para imagens, ações, movimentos e gestos; penso que este projeto, guiado pelo diretor Vinicius Arneiro, tornou-se um texto feito de muitos textos, um emaranhado de múltiplas línguas e que, nesse sentido, também a dramaturgia é um dos textos que compõem esse emaranhado”, completa.
As línguas de sinais foram internacionalmente banidas dos ambientes educativos por mais de 100 anos a partir de resoluções de uma conferência de educadores de pessoas surdas – formada, em sua maioria, por ouvintes –, realizada em 1880 em Milão. Os ecos dessa resolução são sentidos até hoje, se manifestando em um quase desconhecimento das línguas de sinais por parte da população ouvinte.
William ressalta sua satisfação com o processo e o resultado que tiveram. “Foi enriquecedor, como ator, viver todo esse dia a dia de trabalho, mesmo que remoto a maior parte do tempo. O texto era muito grande e denso, não foi nada fácil construir essa trajetória”, diz ele contando que, como iniciativa de buscar estratégias que pudessem contemplar a todos de uma forma mais igualitária, foi criado para além dos ensaios, um espaço nomeado GT de LIBRAS. “Ele foi o pontapé fundamental para a compreensão de todo conteúdo que estava em língua portuguesa e com isso pudemos transcriá-lo em LIBRAS. Antes, todo o texto foi traduzido e depois transcrito, com trocas e construções que iam muito além da tradução de um sinal para uma palavra, passava também pela cultura de cada língua e como elas eram estabelecidas. Só depois desse trabalho é que pude estar em cena”, declara.
FICHA TÉCNICA
idealização
FILIPE CODEÇO e VINICIUS ARNEIRO
direção
VINICIUS ARNEIRO
dramaturgia
DIOGO LIBERANO
elenco
FILIPE CODEÇO como Soldado
MARCELO WILLIAM DA SILVA como Aristídes
JHONATAS NARCISO como Intérprete
tradutores / intérpretes – LIBRAS / Português
JHONATAS NARCISO e LORRAINE MAYER
direção de fotografia
ANDREA CAPELLA
edição
LUCAS DOMIRES
direção musical e mixagem de som
FELIPE STORINO
direção de arte e cenografia
JULIA DECCACHE
iluminação
BERNARDO LORGA
figurino e visagismo
TICIANA PASSOS
designer gráfico
PABLITO KUCARZ
som direto
BRUNO ESPÍRITO SANTO
assistente de câmera
BIA MARQUES, DAFB
colorização e legendagem
LUCAS DOMIRES
transcriação em LIBRAS
JHONATAS NARCISO, LORRAINE MAYER e MARCELO WILLIAM DA SILVA
produção executiva
THIAGO MONTE e PEDRO STRUCHINER
assessoria de imprensa
ALESSANDRA COSTA
gestão de mídias sociais
MANU CALMON
direção de produção
MAKSIN OLIVEIRA
realização
RODA PRODUTIVA
SERVIÇO
Aquilo de Que Não se Pode Falar
Estreia dia 08 de dezembro*
Temporada on-line de 8 a 15 de dezembro
Horário: às 19h
Ingressos retirados e exibição pelo Sympla
Gratuito
Duração: 75 minutos
Na estreia, excepcionalmente, após a exibição haverá uma breve conversa online, aberta ao público com a presença do elenco e equipe. Acessível em LIBRAS.