Justiça Restaurativa transforma pessoas em Heliópolis

Curso on-line do IPAM concluiu 1ª etapa da capacitação oferecida a participantes dessa comunidade em São Paulo

  • Data: 29/07/2021 17:07
  • Alterado: 29/07/2021 17:07
  • Autor: Redação
  • Fonte: IPAM
Justiça Restaurativa transforma pessoas em Heliópolis

De cima

Crédito:Divulgação

Você está em:

Um grupo de 61 participantes da comunidade de Heliópolis ligados a diferentes atividades acaba de concluir o curso de Introdução à Justiça Restaurativa, realizado on-line na plataforma disponibilizada pelo Instituto Paulista de Magistrados (IPAM).

Desenvolvido para transmitir a ideia, os valores e os princípios da Justiça Restaurativa, o curso on-line é preparatório para o curso prático e presencial de formação de facilitadores nesse instrumento de política pública, que será realizado no segundo semestre naquela comunidade, localizada na região do Ipiranga, em São Paulo. O curso reuniu em três turmas funcionários de órgãos do Poder Judiciário, servidores de escolas estaduais e colaboradores de ONGs, que foram inscritos no projeto criado por meio de parceria firmada entre o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), através do Grupo Gestor da Justiça Restaurativa na Coordenadoria da Infância e da Juventude, o próprio IPAM, a Escola Paulista da Magistratura (EPM), a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) e a Diretoria de Ensino Região Centro-Sul da Secretaria Estadual de Educação.

“Toda essa estrutura montada se volta à difusão e expansão da Justiça Restaurativa e, acima de tudo, à implantação, supervisão e suporte para os Núcleos de Justiça Restaurativa, que são aqueles espaços disseminadores dos princípios e dos valores pelos quais as práticas da Justiça Restaurativa acontecem”, diz o juiz Marcelo Nalesso Salmaso, membro do Grupo Gestor da Justiça Restaurativa do TJSP, do Conselho Consultivo e Fiscal e coordenador da Comissão Científica e do Projeto de Justiça Restaurativa do IPAM, um dos coordenadores do curso.

O magistrado define a Justiça Restaurativa como “uma construção coletiva de responsabilidades, que convida os membros da comunidade a assumirem as suas corresponsabilidades quanto aos fatores motivadores do conflito e da violência, de forma a agir para superá-los e, assim, contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e humana”. Segundo ele, por ser um instrumento de política pública, “o curso de introdução à Justiça Restaurativa dissemina, na sua acepção mais profunda e transformativa, o conhecimento de que a Justiça Restaurativa é um instrumento de transformação social, muito mais do que um método de resolução de conflitos”.

Salmaso destaca que “a Justiça Restaurativa é um convite à mudança de um paradigma de convivência social, para que nós deixemos essa lógica e essas diretrizes do individualismo, do utilitarismo, do consumismo e da exclusão, que fomentam a competição e a guerra de todos contra todos em todas as ambiências do convívio, seja nas relações interpessoais, familiares ou institucionais, para passarmos a construir uma sociedade e uma estrutura de convivência social pautada por outras diretrizes, ou seja, baseada na tolerância, no diálogo, no atendimento das necessidades, reparação de danos e construção de novos caminhos e responsabilidades individuais, porque quem faz tem, sim, a responsabilidade pelo dano que causou. Mas é, ao mesmo tempo, baseada na consciência da responsabilidade coletiva de toda uma comunidade, que se corresponsabiliza pelo que aconteceu, no sentido de garantir suporte às necessidades das pessoas e atuar nos fatores que motivam o conflito e a violência, para que eles não gerem novos conflitos e novas violências”, afirma.

Projeto já existia na região

Essa primeira formação surgiu dentro de um projeto que já existia na região da Comunidade de Heliópolis desde 2005, e durante muitos anos foi um dos primeiros no Brasil a ter uma iniciativa de Justiça Restaurativa, que depois foi interrompida.

“A ideia era retomar esse trabalho com um público-alvo fechado. Participaram do curso técnicos do Fórum do Ipiranga, agentes da Defensoria Pública, conselheiros tutelares do Ipiranga e do Sacomã, profissionais da área de saúde, da Diretoria de Ensino Centro-Sul, oito escolas estaduais, o Núcleo de Apoio e Acompanhamento de Aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação, além da ONG União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS), diz Andréa Svicero, supervisora do serviço de Justiça Restaurativa da Coordenadoria da Infância e Juventude, além de professora, tutora e coordenadora do curso.

Ela lembra que foi procurada pela Diretoria de Ensino Centro-Sul, mas que só em 2019 teve início a articulação do projeto. “Esse curso é um projeto-piloto que era para ter acontecido presencialmente em 2020. Mas com a pandemia, dos 100 inscritos, 61 concluíram o curso on-line. Importante dizer que as pessoas tiveram dificuldades, primeiramente pela falta de recursos tecnológicos, e também por questões de trabalho. As dinâmicas mudavam muito, e essas pessoas não davam conta de conciliar trabalho e a frequência do curso. E o terceiro motivo envolveu questões pessoais: alguns familiares, ou a própria pessoa, contraíram covid“, ressalta.

Apesar das dificuldades, Andréa Svicero afirma que “o curso pretende fazer o participante repensar a forma de atuação diante das situações de conflito e de violência. Pensar além da punição, algo que ainda é muito forte hoje em nosso país, e compensar com a responsabilização, em como envolver todas as partes afetadas para resolver aquela situação problemática da melhor forma possível. O aluno vai saber planejar como atender as necessidades que foram criadas a partir de uma situação que causou um dano para uma pessoa ou para uma comunidade. E, nesse período de pandemia, principalmente para os profissionais das oito escolas que participaram, descobrir como trabalhar essa convivência professor e aluno em seus espaços, especialmente em um período onde as situações de violência se acentuaram”.

A supervisora salienta alguns aspectos positivos do curso. “Foi muito interativo, usamos várias metodologias ativas, fizemos encontros, fóruns e rodas de conversa com atividades ao vivo, nas quais os participantes puderam aprender algumas das técnicas mais utilizadas pela Justiça Restaurativa“, afirma. Para concluir, ela diz que “todos os participantes saíram do curso já com um plano de ação, para levar a discussão da Justiça Restaurativa para os locais de trabalho e também começar a pensar na articulação em redes para disseminação dos conceitos aprendidos”.

Andréa Svicero conta ainda que, a “partir da pesquisa de satisfação com os participantes das três turmas do curso on-line, a ideia é fazer com que a segunda parte, no segundo semestre, seja presencial e tenha mais atividades práticas, e além disso, seja montado um Grupo Gestor, que não existe na região, formado por representantes de todas as entidades inscritas, para que com a formação atuem como facilitadores para dar continuidade ao projeto e implementar várias ações na região”.

Participantes falam sobre o curso

Duas participantes enfatizam que o curso de Introdução à Justiça Restaurativa do IPAM transformou as suas vidas.

“O curso veio ao encontro da minha maturidade como mãe e como vice-diretora de uma escola situada no território de Heliópolis, com 1.400 alunos”, afirmou a vice-diretora da Escola Estadual Prof. Ataliba de Oliveira, Cristina Neiva Costa.

“Eu já tinha ouvido falar da Justiça Restaurativa. É importante para todos os educadores, porque nós temos de escutar o aluno que vem para a escola. Quando você conversa, orienta o aluno do erro que cometeu, consegue sensibilizar a grande maioria. Para as pessoas que não conhecem, e estão acostumadas a um padrão punitivo, a tendência é de apontar culpados e de impor algo, o que não é a ideia da Justiça Restaurativa. Ela mostra como você deve trabalhar com pessoas e grupos diferentes para fazer uma conscientização dos conflitos e resolver da melhor forma possível problemas como bullying, drogas, jovens que vão para escola armados, e tantos outros desafios”, disse a educadora.

Após o curso a vice-diretora já quer implantar algumas ações: “A ideia é apresentar a Justiça Restaurativa para os professores da escola, usando trechos do material e os vídeos do YouTube sobre o tema, mostrando o quanto a transformação precisa ser feita, primeiramente neles, e em um segundo momento como nós podemos trabalhar dentro da sala de aula com os alunos. A primeira coisa que eu fiz quando assumi como vice-diretora foi investir nos grêmios, porque os meus alunos são os meus maiores aliados. Eu tenho nas salas os representantes gremistas que fazem um trabalho legal, e a ideia é formar, dentro de cada sala, o Clube da Paz. Porque se você começar a trabalhar a cultura de paz dentro da sala de aula, vai ficar bem mais fácil conseguir uma resolução mais simples para todos os tipos de conflitos”.

Ao contrário de Cristina, a advogada Daísa de Andrade Santos Silva, do Núcleo de Proteção Jurídica (NPJ), nunca tinha ouvido falar em Justiça Restaurativa.

“Tive o primeiro contato com o curso onde eu trabalho, no NPJ que tem um convênio com a Prefeitura de São Paulo. Eu trabalho com pessoas vulneráveis e com questões de violência em todos os sentidos – violência doméstica, de direito, do idoso, da criança e do adolescente, da mulher – e a minha participação é tão somente dando uma orientação jurídica. Então eu não pego nenhum tipo de processo, não atuo no caso dos usuários ou assistidos, que vão lá nos procurar, mas eu indico os caminhos onde que ele precisa ir e o que ele precisa fazer para ter a solução do problema que ele me apresenta inicialmente”, conta.

Com o início do curso, Daísa notou algo de diferente. “O que eu percebi é que a mudança deve acontecer não no outro, mas em você mesma, e o quanto isso me confrontou. Eu consegui enxergar uma Daísa que eu não tinha visto nos meus 31 anos de vida. Eu fiquei muito mais observadora e passei a me autoanalisar. Em todas as situações eu paro, raciocino e, antes de falar, eu consigo ter uma visão de tudo que nós aprendemos, dos princípios, de como aplicar, de como falar com uma comunicação não violenta. Foi maravilhoso!”, diz.

A advogada estruturou um Plano de Ação que terá três etapas: “A primeira será trabalhar internamente todos os funcionários do NPJ, apresentando os princípios da Justiça Restaurativa por meio dos textos que foram trabalhados no curso. A segunda etapa será criar uma roda de conversa, com a apresentação de um caso que já foi trabalhado e encaminhado pelo núcleo, e descobrir como poderia ser solucionado, por meio das redes que estão envolvidas nesse trabalho, de outra forma dentro da Justiça Restaurativa. E o terceiro seria uma reunião interna, com a construção de um pré-círculo para discutir temas diários ou da semana. Nesse caso, para cada um falar de si mesmo, mas respeitando o limite de fala do outro”.

Daísa diz ainda que pretende fazer novos cursos. “Foi maravilhoso e eu tenho a intenção de continuar, fazer os próximos cursos para me conhecer melhor e olhar para o outro de outra forma. Ver que a pessoa não é violenta, ela não nasce violenta, ela está diante da situação que está ali vivenciando”, conclui.

Compartilhar:

  • Data: 29/07/2021 05:07
  • Alterado:29/07/2021 17:07
  • Autor: Redação
  • Fonte: IPAM









Copyright © 2024 - Portal ABC do ABC - Todos os direitos reservados