SP: Reabertura será catastrófica na periferia, mostra estudo
Isolamento necessário para manter epidemia sob controle chega a 87% em distritos mais vulneráveis
- Data: 19/06/2020 15:06
- Alterado: 19/06/2020 15:06
- Autor: Redação
- Fonte: Universidade Federal do ABC
Crédito:Divulgação
Mesmo um índice de 70% de isolamento social, superior ao máximo atingido no município de São Paulo desde março, não bastaria para controlar a Covid-19 em todos os distritos da cidade. A principal razão é a desigualdade, tanto econômica quanto urbana: mesmo em bairros de baixa renda, uma densidade demográfica menor basta para reduzir os riscos. Em distritos como Jardins e Brasilândia, 70% é um índice eficaz. Sapopemba, porém, precisaria de 87% para manter o percentual de infecções abaixo de 10% da população. A redução do isolamento para o nível de março, por outro lado, causará novo pico, sobrecarregando os hospitais da cidade.
Estas são as principais conclusões do estudo São Paulo. Uma Cidade, Muitas Curvas: entre Brasilândia, Sapopemba e Jardins, do grupo de pesquisa interdisciplinar Ação Covid-19, composto por pesquisadores de diversas universidades. “O vírus ameaça toda a população, mas a capacidade de se proteger varia muito entre classes sociais. Quanto mais precária for a moradia de um cidadão, sua dieta e condições de trabalho, mais estará exposto”, destaca o cientista social Guilherme Prado. “Por mais que São Paulo seja uma cidade rica, mesmo assim há bairros onde a proteção social precisa ser reforçada.”
O estudo compara quatro cenários hipotéticos para a evolução da quarentena na capital estadual, a partir do perfil de três distritos representativos: Sapopemba, Brasilândia e Jardim Paulista. Os dois primeiros são os líderes no número absoluto de mortes. Estão localizados em áreas periféricas e têm menor poder aquisitivo. O último é um bairro central de alta renda. Além do estudo detalhado desses três bairros, os pesquisadores disponibilizam também as estatísticas para todos os distritos da cidade, que contabiliza todos os casos e óbitos de covid cujo CEP era do município de São Paulo até 18 de maio, quando o endereçamento dos casos deixou de ser informado.
O primeiro cenário supõe a ausência de medidas oficiais de quarentena, com o isolamento social sendo voluntário, como era até meados de março. Esse número corresponde a 27%. Nesse caso, distritos como Sapopemba poderiam ter 55% da população infectada pelo vírus simultaneamente, sobrecarregando o sistema de saúde. A mortalidade chegaria a 2% nos bairros com piores indicadores sociais.
O segundo cenário é aquele em que os 70% de isolamento, índice considerado desejável pelo governo estadual em abril e maio, são de fato atingidos. Os pesquisadores mostram que, para o Jardim Paulista e Brasilândia, esse isolamento seria capaz de manter as infecções simultâneas abaixo de 10%, resguardando o sistema de saúde. Em Sapopemba, porém, a proporção de infecções permanece alta (30%), com mortalidade também alta (1,47%). Já Brasilândia manteria a mortalidade em 0,64% e o Jardim Paulista em 0,32%.
O terceiro cenário lança o foco especificamente sobre Sapopemba, cujos indicadores sociais exigem uma maior atenção no combate à pandemia. É examinado o que ocorreria caso se chegasse ao isolamento de 87%. Só assim se alcançaria a mortalidade de 0,64%, com não mais de 10% de moradores infectados simultâneos. “Chegar a 87% exigiria medidas muito rigorosas de proteção à população, que não tem as mesmas condições de fazer um isolamento voluntário como o que aconteceu nos Jardins”, argumenta o economista José Paulo Guedes Pinto, professor da Universidade Federal do ABC. Em seu website, o grupo disponibiliza uma compilação de medidas de apoio à população já adotadas ou reivindicadas por entidades locais.
O último cenário simula o que ocorrerá caso a flexibilização do isolamento leve a cidade de volta aos 27% de março, após um período de 100 dias com 70% (jamais efetivamente atingido). Este cenário provoca uma alta das infecções e das mortalidades nos bairros que estavam conseguindo controlar a evolução da doença, embora o efeito negativo seja menos perceptível nas regiões da cidade que já estavam em piores condições, como é o caso de Sapopemba.
“É bastante visível que a decisão de começar o relaxamento da quarentena no começo deste mês é muito equivocada. As previsões se tornam as piores possíveis a partir do momento em que o isolamento cai”, alerta a física Patricia Magalhães, da Universidade de Bristol, referindo-se ao Plano São Paulo, apresentado pelo governador João Dória em 27 de maio. “Desde que algumas partes do Estado começaram a reabrir o comércio, o número de infecções cresceu rapidamente, com hospitais ainda no máximo da capacidade”, acrescenta. No começo de maio, o grupo Ação Covid-19 publicou, em parceria com o grupo Portal Covid-19 Brasil, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, uma Nota Técnica contestando a argumentação que embasa o Plano São Paulo.
O grupo criou um modelo e um índice para avaliar, caso a caso, a exposição de cidades e bairros do país, bem como o nível de confinamento necessário para conter a infecção. O Índice de Vulnerabilidade Covid-19 (IVC19) calcula a exposição de um logradouro segundo sua infraestrutura urbana. Já o modelo MD Covid (Modelo de Dispersão da Covid-19) incorpora esse índice e a densidade demográfica, explorando cenários de contenção do vírus. Em abril e maio, foram publicados estudos comparativos para as cidades do Rio de Janeiro e Fortaleza (CE). Em seu website, os pesquisadores disponibilizam um simulador para que as pessoas descubram o índice de proteção de seu próprio bairro e acompanhem a evolução da pandemia de acordo com diferentes níveis de isolamento. Além disso é possível observar os dados de contágio e letalidade do vírus divididos por nível de IDH ou pelo IPC. O projeto Ação Covid-19 tem o apoio da UFABC e da Fundação Tide Setúbal, tendo sido premiado em abril no concurso Desafios Covid-19, da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).