Bolsonaro quer proibir a remoção de publicações sem autorização judicial

O presidente prepara ofensiva contra plataformas para impedir suspensão de contas ou remoção de posts seus e de aliados das redes

  • Data: 10/06/2021 21:06
  • Alterado: 10/06/2021 21:06
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Estadão Conteúdo
Bolsonaro quer proibir a remoção de publicações sem autorização judicial

Bolsonaro prepara ofensiva contra plataformas após ter postagens removidas

Crédito:Reprodução

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A menos de um ano e meio das eleições, o presidente Jair Bolsonaro planeja mudanças no Marco Civil da Internet para frear o que classifica como “cerceamento” digital em seus perfis e de aliados. Ao menos 18 vídeos e posts publicados pelo presidente desde o início da pandemia foram removidos pelo Twitter, Instagram e YouTube por desinformar o público e violarem regras das plataformas, como propagar fake news.

A intenção é proibir a remoção de publicações sem autorização judicial e, em última instância, impedir uma suspensão, como ocorreu com o ex-presidente americano Donald Trump. Na semana passada, o Twitter informou que o perfil do republicano, suspenso desde janeiro, seguirá fora do ar por dois anos.

A ofensiva contra as chamadas “big techs” coincide com a queda no número de publicações nas redes que demonstram confiança na figura e no governo Bolsonaro, segundo levantamento da AP Consultoria divulgado pelo Estadão -–a pesquisa mostrou que de agosto a dezembro do ano passado os posts favoráveis caíram de  24% para 16%.

A discussão sobre regular as redes chegou ao Comitê Gestor da Internet no Brasil. Segundo o CGI, formado por diversos setores da sociedade – inclusive pelo governo federal, com 42% das cadeiras -, foi criado um grupo de trabalho dedicado a essa análise. Segundo a reportagem apurou, o assunto não é visto com resistência, mas a forma e a intenção (considerada eleitoral), sim.

A Câmara dos Deputados já realizou uma audiência pública a respeito, mas sem a participação de representantes do governo, que foram convidados, mas não compareceram. Quem ficou com a atribuição de defender a proposta foi a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP). “As plataformas estão praticamente sendo juízes da decisão de conteúdos que a gente tem na internet hoje”, reclamou. A parlamentar informou que teve 19 vídeos removidos pelo Facebook.

No último dia 27, o Youtube também removeu um leva de 12 vídeos postados no canal do presidente que defendiam o chamado tratamento precoce contra a covid-19, com a utilização de medicamentos já comprovadamente sem eficácia para a doença, como a cloroquina e a ivermectina. Ao menos uma gravação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, sobre o mesmo tema também saiu do ar. “Censura também mata”, disse ele.

O cerco contra a desinformação pelos posts de Bolsonaro e aliados é tendência mundial. O ex-presidente americano Donald Trump virou o exemplo máximo dessa nova linha de atuação. Em janeiro, dois dias depois de apoiadores invadiram o Capitólio, num ato que resultou em 5 mortes, o republicano teve sua conta no Twitter cancelada. Trump havia insinuado diversas vezes em tuítes que a eleição havia sido uma fraude, incitando protestos pelo país.

“A minha rede social talvez seja aquela que mais interage em todo o mundo. Somos cerceados, muitos que me apoiam são cerceados. Estamos na iminência de um decreto para regulamentar o Marco Civil da Internet, dando liberdade e punições para quem porventura não respeitar isso”, disse Bolsonaro, em maio, quando sinalizou que poderia editar um decreto para impedir a remoção de publicações no Brasil.

Com mais de 18,3 milhões de seguidores no Instagram, 14 milhões no Facebook e 6,7 milhões no Twitter, Bolsonaro não só teve sua vitória em 2018 totalmente calcada nas redes sociais como mantém uma comunicação direta de governo pelas plataformas. Ver seu engajamento reduzido ou mesmo suas postagens deletadas com o selo de fake news é um risco em sua estratégia para a reeleição.

Interesse eleitoral

Na avaliação do analista de redes sociais Pedro Barciela, a preocupação do presidente tem relação direta com o poder que as plataformas terão ano que vem de mobilizar para atos pontuais que estejam ligados ao resultado eleitoral. “A rede bolsonarista tem uma força que pode provocar efeitos nas eleições, seja incitando a ideia de fraude ou incitando as pessoas a não irem votar. Hoje, eu acho que esse é o risco maior”, disse.

O especialista em direito digital Marco Antônio Sabino concorda. “Me parece que o governo (Bolsonaro) está preocupado que aconteça o que aconteceu com Donald Trump, nos Estados Unidos, onde as plataformas puderam derrubar esses conteúdos”, afirmou.

Convidada para a audiência pública na Câmara representando o Intervozes – associação que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação – , a advogada Flávia Lefèvre acredita que a intenção do governo é continuar a usar as redes como instrumento de campanha e sem qualquer tipo de alerta ou controle a seus seguidores. “Houve uma campanha de desinformação clara em 2018, com violações graves do código eleitoral. A intenção agora é se proteger para seguir utilizando esses mecanismos.”

Mas, segundo Barciela, as ações de remoção de conteúdos inadequados ainda são tímidas e pouco eficazes. “São vídeos que passaram meses circulando, que já geraram engajamento. É uma atitude tardia e demorada”.

Google, empresa que administra o YouTube; Facebook, dona da própria rede social, do Instagram e WhatsApp; e o Twitter não quiseram se manifestar sobre uma eventual regulação de seus serviços no Brasil.

Controle

O Marco Civil da Internet é uma lei de 2014, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, e já regulamentada. A legislação não obriga as plataformas a controlar os conteúdos postados por terceiros, mas também não impede que as mesmas possam remover conteúdos indicados como inadequados por meio de um controle interno.

Segundo especialistas em direito digital e liberdade de expressão ouvidos pelo Estadão, há um consenso em relação à necessidade de se impor algum tipo de regulamentação às redes sociais, como ocorre na União Europeia, por exemplo, a partir das leis de Serviços Digitais (DSA, na sigla inglesa) e de Mercados Digitais (DMA.

“Na Europa, já existe um entendimento de que essas empresas, por fornecer um espaço que serve à cidadania, precisam ser mais transparentes com relação à forma que elas cuidam deste espaço”, declarou o diretor do InternetLab, Francisco Cruz. “Esse é um tema que afeta como a internet se organiza e que relação tem com a liberdade de expressão. O caminho a se fazer é o debate.”

E também há consenso de que essa revisão não pode ser feita via decreto, como aventou o presidente Bolsonaro. Professor de Direito Digital do Mackenzie de Campinas, Marcelo Chiavassa define a medida como ilegal. “Um decreto regulamentador, como é o caso desse, não pode alterar as disposições da lei da qual ele vai regulamentar. Duvido muito que ele chegue a ser editado, mas, se for, será rapidamente derrubado pelo Judiciário, porque é patentemente inconstitucional”, diz.

Para o pesquisador Jonas Valente, do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (UNB), a defesa do presidente – de que a Justiça deva ser envolvida  no processo de exclusão de conteúdos – não é um erro por si só.

“É importante, só que ela sozinha não resolve, e a motivação do governo é frear exclusões de conteúdos que estão alinhados com a sua visão ideológica”, ressalta. “A reação a esse decreto não é uma questão de ser a favor ou contra ao governo, ou de seus apoiadores, é o Brasil ter uma regulação democrática do debate online, especialmente nas plataformas”, completa Valente

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