Lava Jato e nova lei ‘secam’ financiamento eleitoral
Mudanças em regra 'espantam' marqueteiros experientes. Publicitários de renome como Nelson Biondi, Duda Mendonça e Luís Gonzalez optaram por ficar fora das eleições municipais deste ano.
- Data: 12/06/2016 11:06
- Alterado: 12/06/2016 11:06
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
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A campanha eleitoral de 2016 deve ser marcada pela penúria de recursos, graças à combinação de fatores como a crise econômica, a proibição de doações de empresas e o impacto da Operação Lava Jato. Para político e marqueteiros, a previsão de cortes drásticos de custos representa o colapso de um modelo de “mercado” que cresceu sem parar nas últimas três décadas.
Nas eleições municipais de 2012, quase 80% dos gastos foram financiados por empresas. Elas eram também responsáveis por doações significativas aos partidos em anos não eleitorais, mas essa fonte secou mesmo antes da proibição do financiamento empresarial, determinada pelo Supremo Tribunal Federal e acolhida pelo Congresso no fim do ano passado.
O PT, por exemplo, recebeu em 2015 uma única contribuição empresarial, de R$ 1 milhão – valor irrisório se comparado aos R$ 65 milhões registrados quatro anos antes.
Sem o financiamento empresarial, a “tábua de salvação” dos candidatos passou a ser o Fundo Partidário. O problema é que, mesmo “turbinado” com forte injeção de recursos públicos nos últimos dois anos, o fundo será insuficiente para bancar o nível de gastos observado nas eleições passadas.
Em 2016, as legendas receberão, somados, R$ 819 milhões em recursos públicos. Isso equivale a apenas 15% dos quase R$ 5,5 bilhões – em valores corrigidos pela inflação – que foram gastos nas campanhas de 2012. Além disso, nem todo o Fundo Partidário pode ser aplicado nas eleições, já que parte do dinheiro banca despesas permanentes e cotidianas das siglas, como aluguéis, funcionários, viagens de dirigentes e cursos de formação política, entre outros gastos.
Além do fundo, as duas únicas alternativas legais de recursos são o autofinanciamento – que tende a beneficiar os candidatos mais ricos – e as doações dos próprios eleitores.
Há quatro anos, as pessoas físicas bancaram menos de 20% dos custos das campanhas – estão incluídos na conta os recursos dos candidatos que doaram para si próprios. Com a Lava Jato e o desgaste da classe política, ampliar a arrecadação nesse segmento será um desafio para os tesoureiros.
“Todas as portas estão fechadas, não conseguimos nenhum tostão até agora”, disse o deputado estadual Pedro Tobias, presidente do PSDB em São Paulo. “Não sei como iremos fazer. O problema é gravíssimo. Ainda bem que nosso candidato é rico”, completou, referindo-se ao empresário João Doria Jr., pré-candidato tucano na capital, cujo patrimônio supera R$ 170 milhões.
O Estado apurou que acionistas das empresas que mais alimentaram campanhas em 2012 não estão dispostos a doar como pessoas físicas em 2016.
Na eleição municipal de 2012, seis dos dez maiores doadores privados em todo o País eram do setor da construção. Cinco dessas empresas foram arrastadas pela Operação Lava Jato: Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, Carioca Christiani Nielsen e UTC. O presidente de uma grande construtora, que pediu para não ser identificado, disse que o dinheiro do setor “acabou”.
O empresário Walter Torre, controlador do grupo Wtorre, um dos maiores financiadores de campanha na última eleição municipal, conta que está sendo bem seletivo. “Já fui procurado por vários candidatos, recusei vários, estou avaliado outros, mas ainda não dei um sim para ninguém”, disse.
Emissários do vereador Andrea Matarazzo, pré-candidato do PSD em São Paulo, estiveram com o presidente de um dos maiores grupos privados do Brasil. Doador em campanhas passadas, ele foi questionado sobre a disposição de doar como pessoa física. O empresário respondeu que, como seu rendimento como pessoa física é de apenas RS 100 mil por ano, não poderá doar mais de R$ 10 mil para o conjunto dos candidatos que o procurarem. A lei limita as doações a 10% do rendimento.
Presidente nacional do DEM, o senador José Agripino (RN) disse que o partido vai abdicar da busca por doadores individuais. “Não vai valer a pena gastar essa energia”, afirmou.
Márcio Macedo, secretário nacional de Finanças e Planejamento do PT, disse que a legenda vai priorizar as contribuições dos próprios simpatizantes e militantes petistas.
MARKETING ELEITORAL
A previsão de uma campanha política com poucos recursos afugentou as grandes estrelas do mercado publicitário e abriu espaço para uma nova geração de marqueteiros dispostos a trabalhar mais e receber menos do que em disputas anteriores.
O marqueteiro João Santana, que liderou as últimas campanhas presidenciais petistas, e sua mulher Mônica Moura, foram atingidos pela 23.ª fase da Operação Lava Jato e cumprem prisão preventiva.
“Não quero trabalhar dez vezes mais e ganhar dez vezes menos”, afirmou Biondi. Sondado pelo PSDB, ele preferiu indicar seu genro, André Gomes, para comandar a campanha do empresário tucano João Doria Jr. na capital paulista. Biondi disse que pretende se “resguardar” para a campanha presidencial de 2018, quando espera que as regras em vigor agora sejam modificadas.
“Culturalmente é difícil haver doação de pessoa física. Essa nova regra é um teste. Não acredito que ela seguirá valendo em 2018.”
A única atuação de Biondi em 2016 será como “conselheiro remoto” da campanha do deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP) à prefeitura de Ribeirão Preto, no interior paulista. “Essa nova geração vai começar ralando”, brinca o publicitário.
RITMO ACELERADO. Os marqueteiros dizem que, apesar das restrições às doações, o custo para o palanque eletrônico ficará mais caro em 2016, já que os comerciais serão na sequência (30 dias seguidos).
Os dois blocos diários de propaganda no rádio e na TV, durante o primeiro turno, foram reduzidos de 30 para dez minutos. Mas eles serão usados apenas pelos candidatos a prefeito.
Antes da nova regra, as campanhas majoritárias apareciam nos blocos três vezes por semana. Agora aparecerão diariamente. “O volume de inserções será colossal: 30 programas”, observa Felipe Soutelo, que será o marqueteiro da campanha do vereador Andrea Matarazzo (PSD) à Prefeitura da capital paulista.
Os comerciais ao longo da programação ganharam espaço, passando de 30 para 70 minutos diários, com 42 minutos para prefeito e 28 minutos para vereador. As campanhas já planejam recursos novos, como vídeos por celular para suprir a demanda.
No material de rua as restrições também serão fortes. Passa a ser proibido o uso de placas, faixas, cartazes e pinturas de muros.