As Etecs que ensinam e praticam o cultivo de sementes crioulas
Ao manterem viva a memória dessa forma ancestral de cultivo, as escolas se colocam na rota das boas práticas capazes de garantir alimentos saudáveis e diversificados à mesa
- Data: 21/06/2022 14:06
- Alterado: 17/08/2023 01:08
- Autor: Redação
- Fonte: CPS
Imagem Ilustrativa
Crédito:CNA/Wenderson Araujo/Trilux
O Eles são filhos, netos, bisnetos de agricultores. Transformaram-se, eles mesmos, em verdadeiros “bancos de dados” de sementes crioulas. São professores e alunos que, em duas Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) do Centro Paula Souza (CPS), dedicam-se a manter vivas as espécies que garantem a diversidade da nossa alimentação.
Também conhecidas como variedades puras, sementes ancestrais, tradicionais ou indígenas, as sementes crioulas vêm resistindo ao tempo em pequenas propriedades rurais, comunidades indígenas e quilombolas, preservando um grande sortimento de hortaliças, grãos, leguminosas, cereais e oleaginosas cultivados e constantemente melhorados sem a interferência humana.
O aprimoramento vem com o plantio e a observação atenta do agricultor, ao selecionar as sementes que apresentam melhor resultado: a planta mais alta, a que que deu mais frutos, a que se mostrou mais resistente às pragas. É também essa forma de cultura que aprendem os alunos do Curso Técnico em Agropecuária das Etecs Sebastiana Augusta de Moraes, de Andradina, e Prof. Matheus Leite de Abreu, de Mirassol.
Etecs na vanguarda
Criado em 2011 pelo professor Leandro Barradas Pereira, o Banco de Sementes Crioulas de Andradina remete diretamente à memória da fundação da cidade, nos anos 1930, quando muitos nordestinos chegaram, carregando em seus alforjes, entre outros alimentos, o feijão-de-corda, ingrediente básico da receita do acarajé.
Ainda hoje, muitos estudantes de Andradina (assim como em Mirassol), que vêm de famílias de pequenos agricultores, contribuem de forma decisiva para a preservação desse trabalho. “Um dos nossos alunos chegou aqui com uma espécie de milho que a avó já cultivava”, comenta o professor. Manter viva uma planta é garantir valor nutricional variado à mesa.
Se é verdade que a terra e o clima locais são importantes para a boa evolução de uma semente, também é certo dizer que a adaptação a outros biomas torna ainda mais significativa a manutenção dos bancos e o intercâmbio entre eles, como forma de conservar essas culturas.
Em Mirassol, a Escola de Iniciação Agrícola foi criada em 1963 e incorporada ao CPS em 1993. Ali, o professor Paulo Sacchi cultiva, entre tantas outras espécies, alface Romaninha, trazida pelos seus antepassados quando imigraram da Itália. “Ela veio de um país de inverno rigoroso para uma cidade muito quente e se adaptou bem”, conta Sacchi, engenheiro agrônomo e zootecnista, que há 42 anos é professor da Etec de Mirassol e há quatro anos coordena o banco de sementes da escola, com cerca de 60 variedades. Ele é também agricultor no sítio herdado pela família.
Orgânico x Convencional
“A agricultura familiar, responsável por boa parte da nossa alimentação, pode ser orgânica (sem qualquer interferência que não seja natural) ou convencional (na qual se usam defensivos agrícolas e outros produtos químicos)”, explica Sacchi. Por isso, os dados do IBGE, que situam em 70% a presença da agricultura familiar na mesa no brasileiro, não significam uma população alimentada com uma produção variada e livre de agrotóxicos. Mas é essa técnica de preservação e cultivo de sementes ancestrais cultivadas de forma orgânica que também se ensina e se pratica nas Etecs.
A letra da lei
Na cidade de Andradina, a política de incentivo à formação de bancos comunitários de sementes crioulas já extrapolou os muros da Etec e está assegurada pela Lei Municipal 3.827, de 2021. “Hoje atendemos a escola e a comunidade. Agora, nossa meta é a criação de um banco de sementes crioulas municipal”, revela Leandro Barradas. Nesses bancos, a moeda corrente é a semente e seu cultivo. Um exemplo: o agricultor obtém, na Etec, o milho azteca. A escola cede um quilo e, um ano depois, espera receber o dobro de volta. O intercâmbio mantém as espécies vivas – se em um local ela desaparece, pode continuar a dar frutos em outra cidade, estado ou país.
E como manter o plantio sem combater as pragas com defensivos agrícolas? “Nossa agricultura é preventiva”, explica o professor Leandro. O conhecimento do solo, da época certa do plantio, a rotação de culturas, entre tantas outras práticas, previne boa parte das doenças. “Há plantas que fertilizam a terra, são os chamados adubos verdes”, completa Paulo Bacchi. A agricultura preventiva não é totalmente livre de pragas – a diferença é que, quando elas ocorrem, a planta é tratada de forma natural. A professora doutora Raquel Fabbri Ramos, Coordenadora de Projetos de Meio Ambiente e Agricultura Sustentável do CPS, reforça a importância de práticas mais sustentáveis de cultivo. “A tecnologia de que precisamos é a da sustentabilidade, da cultura local. É preciso disseminar esse conhecimento”, sinaliza.
Em maio desde ano, a Etec de Andradina atuou ativamente na terceira edição da Feira de Sementes Crioulas de Andradina e Região, com uma série de eventos, como palestras, oficinas, venda de produtos e, naturalmente, troca de sementes, prática comum e muito necessária que acontece de forma intensa no ambiente das feiras. Quanto mais espécies forem cultivadas, mais difícil fica a sua extinção e mais variado é o valor nutricional do alimento à mesa. “A semente crioula contribui para a soberania e a segurança alimentar,” define Paulo Bacchi. Daí, mais do que nunca, a importância das Etecs e da propagação desse aprendizado para as novas gerações.