IMS Paulista inaugura retrospectiva do fotógrafo japonês Daido Moriyama
A exposição, que abre no sábado (9), acompanha a extensa carreira de um dos nomes mais influentes da fotografia mundial, com cerca de 250 obras e dezenas de publicações produzidas
- Data: 04/04/2022 14:04
- Alterado: 17/08/2023 06:08
- Autor: Redação
- Fonte: IMS Paulista
Tóquio
Crédito:©Daido Moriyama/Daido Moriyama Photo Foundation
No próximo sábado (9 de abril), o IMS Paulista inaugura a exposição de Daido Moriyama (1938), um dos principais nomes da fotografia contemporânea mundial. Primeira grande retrospectiva do artista na América Latina, a mostra reúne mais de 250 trabalhos, além de uma centena de publicações e escritos do fotógrafo. A seleção traz obras de diferentes momentos da carreira do artista, desde o interesse pelo teatro experimental dos anos 1960, passando pelos trabalhos contestadores dos anos 1970, até a documentação incansável das cidades e a reinvenção do seu próprio arquivo nos últimos anos.
Com curadoria de Thyago Nogueira, coordenador da área de Fotografia Contemporânea do IMS, a exposição examina de maneira inédita a contribuição e o legado de Moriyama para a história da fotografia. A mostra, uma das maiores já feitas sobre o artista no mundo, é resultado de três anos de pesquisa, incluindo visita ao arquivo do fotógrafo em Tóquio. Foi concebida em parceria com a Daido Moriyama Photo Foundation e conta com o apoio da Fundação Japão e consultoria dos pesquisadores japoneses Yutaka Kambayashi, Satoshi Machiguchi e Kazuya Kimura, entre outros. A entrada é gratuita, mediante apresentação do comprovante de vacinação (saiba mais no serviço)
Nascido em 1938, em Ikeda-cho, Osaka, Moriyama passou a infância em diversas cidades. Após se formar em design, mudou-se para Tóquio em 1961, onde começou a fotografar para jornais e revistas de grande circulação, em um período de crescimento econômico e fortalecimento da cultura de massas. Logo, tornou-se conhecido por suas fotografias em preto e branco, granuladas e de alto contraste, tiradas com câmeras pequenas enquanto caminhava pelas ruas. Com uma produção abundante, Moriyama desafiou as ideias convencionais de fotografia documental e de realidade fotográfica, produzindo uma obra vasta e variada, na qual livros e publicações independentes têm participação fundamental.
A retrospectiva, que ocupa dois andares do IMS Paulista, acompanha as várias fases da carreira do artista. Segundo o curador, a seleção “conduz o espectador por uma trajetória de profunda dedicação e reflexão sobre a imagem. Com perguntas singelas, como ‘O que é a fotografia?’ ou ‘Qual é a realidade das imagens?’, Moriyama transformou nossa compreensão da arte, da memória e das cidades”. Nogueira ressalta também que Daido “expandiu a linguagem fotográfica, democratizou a produção de imagens e desafiou a visão estreita do jornalismo sobre a fotografia — contribuições poderosas, que ainda precisam ser mais bem compreendidas”.
Além das obras emolduradas, a mostra traz revistas e livros, destacando como a produção do fotógrafo estava associada à indústria editorial, mais do que ao circuito da arte. “Para Moriyama, o poder da fotografia estava acima de tudo em seu estilo democrático e em sua potência reprodutível, lição que aprendera depois de folhear um catálogo com obras de Andy Warhol, em 1968”, aponta o curador.
O primeiro andar da exposição destaca as décadas de 1960 e 1970, momento que abrange os trabalhos iniciais de Moriyama para revistas e livros, influenciado por mestres do pós-Guerra, como Eikoh Hosoe e Shomei Tomatsu, e artistas americanos, como William Klein e Warhol.
Em seus primeiros trabalhos, o fotógrafo documentou a efervescente cultura japonesa do período, marcado pela destruição da guerra, a ocupação das tropas americanas, o desaparecimento dos modos de vida tradicionais e a ocidentalização do país. Moriyama registrou as bases militares e os grupos de teatro underground nos arredores de Tóquio, e depois reuniu suas fotos no livro Japão, um teatro de fotos (1968), libertando-as do contexto original para construir uma nova narrativa experimental. Foi o primeiro passo de um fotógrafo que começava a desconfiar das imagens.
A exposição também apresenta, na íntegra, a rara série Acidente, produzida para a revista Asahi Camera. Em capítulos mensais durante o ano de 1969, Moriyama narrou acidentes e acontecimentos variados em imagens, propondo novas formas de representar as notícias e libertando o jornalismo da relação tradicional com a fotografia na hora de tratar de atualidades. A série é um marco na relação da imprensa com a arte.
Em 1969, Moriyama também integrou a equipe da contestadora revista Provoke, formada por artistas e intelectuais que questionavam a submissão das imagens às palavras e o realismo engajado. Nos ensaios para o segundo e o terceiro número da revista independente, apresentou as fotos de uma mulher nua num quarto de hotel (Provoke 2) e os produtos enfileirados em prateleiras de um supermercado (Provoke 3). “Com suas imagens tremidas e contrastadas, o artista oferecia uma reflexão aguda sobre voyeurismo e intimidade, liberdade sexual e consumo, realidade e representação”, ressalta Nogueira. A publicação consagrava o estilo are, bure, boke (granulado, tremido, desfocado), que marcaria a fotografia japonesa do período.
Em 1968, Moriyama resolveu viajar pelo Japão, inspirado por Pé na estrada, romance de Jack Kerouac. As fotografias tiradas em três anos de viagens deram origem ao livro Um caçador (1972), exibido na mostra como projeção audiovisual. A publicação é um diário de estrada, que encadeia imagens de carros, viadutos, aviões, bares e cenas variadas, inspirado pelo fluxo de consciência de Kerouac, como conta o artista: “Estava mais habituado às camas duras dos quartos de hotel do que à minha própria cama, às costeletas ao curry de drive-in do que às refeições caseiras da minha esposa. Então, antes que o brilho do caminho se apagasse, eu voltava para a estrada rapidamente.”
No mesmo ano, Moriyama produziu o livro Adeus, fotografia! (1972), uma coletânea de imagens feitas de negativos rasurados, riscados e inutilizados, quase indiscerníveis. Segundo o curador, a publicação, que completa 50 anos em 2022, revela “ a revolta de um artista contra sua submissão ao código fotográfico, a expressão máxima da descrença no poder de transformação das imagens e uma síntese corrosiva da ocidentalização que avançava sobre o Japão tradicional. Mas traz também, no fundo, uma declaração de fé devocional à fotografia”. Sobre o livro, o próprio artista afirma: “Tentei desmontar a fotografia, mas acabei desmontando a mim mesmo”.
No segundo andar, a retrospectiva apresenta o retorno de Moriyama ao fazer artístico, nos anos 1980, após um período de depressão e crise criativa. Entre as obras, estão as famosas séries Luz e sombra e Memórias de um cão, publicadas entre 1982 e 1983. Na primeira, Moriyama voltava a se debruçar sobre o mundo em busca da essência da fotografia, valorizando elementos básicos como a luz, a sombra e o grão de prata. Em Memórias de um cão, por sua vez, retornava aos locais de sua infância para criar fotografias e textos que engendravam uma reflexão original sobre a ideia de cidade natal. Ao associar o território da memória ao espaço das cidades, Moriyama redescobria um motivo para continuar suas caminhadas e fotografias.
Foundation.
“As duas séries abrem as trilhas que determinam toda a produção de Moriyama daqui pra frente. De um lado, o encantamento com a beleza singela e palpável do mundo, encontrada nas caminhadas diárias. De outro, a compreensão de que sua fotografia nascia do encontro entre as paisagens da memória e as cenas da cidade, numa busca incessante, celebrada pela câmera fotográfica”, pontua o curador. Sobre a experiência de fotografar pelas ruas, o artista afirma: “Quando caminho agora, de câmera na mão, por uma cidade real, estou escutando as memórias dos sonhos de uma cidade que um dia existiu, e também elaborando uma modesta documentação endereçada aos sonhos da cidade que está por vir”. Ao longo dos anos seguintes, Moriyama percorreu centenas de quilômetros em cidades como Tóquio, Osaka, Paris, Nova York, Buenos Aires e São Paulo. O registro da cidade brasileira está presente na exposição em fotografias e livro.
O trabalho sobre as cidades deu origem ainda à série Linda mulher (2017), na qual as fotografias extrapolam as molduras dos quadros para forrar todas as paredes da sala, envolvendo o visitante num ambiente de cores e brilhos estonteantes que sugere ao mesmo tempo fascínio e vulgaridade, evocando a realidade de telas e monitores a que a vida contemporânea foi reduzida.
Neste andar, estão ainda séries importantes, como Labirinto (2009), na qual Moriyama embaralha as tiras de suas folhas de contato, revelando os bastidores de seu ofício ao mesmo tempo que inventa uma nova forma de narrar sua trajetória artística. A mostra também apresenta, a partir de projeções, o arquivo completo da revista Record, seu diário pessoal iniciado em 1972, que chega à 50a edição em 2022. No centro do andar, uma grande mesa-biblioteca exibe diversos livros do artista, muitos deles disponíveis para leitura do público.
“Muito antes de a pandemia ameaçar a vida em comum, Moriyama fez de seu trabalho uma elegia ao encontro e à descoberta, tendo as cidades como palco. Emancipou a fotografia e mostrou que qualquer pedaço do mundo abriga uma realidade infindável. Para driblar o medo da morte, buscou uma verdade transcendental para si e para as imagens. Teria desistido se a tivesse encontrado. A profundidade com que interrogou a si mesmo e a integridade com que conduziu seu projeto artístico hão de lhe garantir eternidade”, conclui o curador.
A mostra fica em cartaz até agosto de 2022. Em sua programação, incluirá caminhadas pela cidade de São Paulo e eventos de impressão de fanzines, que serão divulgados posteriormente.