Mostra no Sesc Avenida Paulista se modifica a cada movimento, como o fluxo da vida
A exposição-manifesto “Cartas ao Mundo”, calcada na obra de Glauber Rocha, e no contraste entre distopia e utopia, doença e cura
- Data: 31/03/2022 15:03
- Alterado: 17/08/2023 06:08
- Autor: Redação
- Fonte: Bia Lessa
Arnaldo Antunes
Crédito:divulgação | Bia Lessa
Um manifesto. Um grito. Uma necessidade urgente de (re)pensar o mundo atual com os olhos — cabeça e coração – de Glauber Rocha. Três universos em caos controlado, suportes para olhares apurados e críticos dirigidos para a realidade em que estamos inseridos, para um contexto de pouco caso e desinteresse pelo outro, de declínio da capacidade de convivência, do que é público, coletivo, e de tudo aquilo que isso representa.
“’Quis/mudar/tudo’: como no poema de Augusto de Campos, esse foi o mote desse projeto. Essa é a meta desse trabalho — o desejo de tomada de consciência e de mudança”, diz Bia Lessa, criadora e curadora da exposição Cartas ao Mundo, em cartaz no Sesc Avenida Paulista, em São Paulo, de 02 de abril a 29 de maio de 2022.
Ao visitar a mostra, o espectador assume outros papeis quando se depara com os três capítulos de uma narrativa cinematográfica que estimula, com realidades e ambientes que ganham vida em uma expografia que se transforma incessantemente, com cenários que se modificam durante a visitação. A exposição quebra as barreiras do que se costuma esperar de uma mostra e se encaminha para uma antiexposição, como diria Tadeusz Kantor.
Formas, cores, atos e reflexos conduzem o visitante e são conduzidos por ele. Performances sequenciais, realizadas por uma dezena de artistas, vão preenchendo, assim, os universos dos filmes Asfixia, Mercadoria e O Comum. Assim como a experiência de uma miríade de obras de 80 artistas, reunidas com a contribuição especial de Vitor Garcez, Flora Süssekind, Ailton Krenak e Guilherme Wisnik.
Uma exposição-instalação, como define a curadora, com um tríptico fílmico cravado no coração de São Paulo e uma obra no Largo do Paissandu “que foi, realmente, o ponto inicial desse projeto e de seu esforço de reimaginar um trecho abandonado da cidade — e, nesse microcosmo, visualizar e pensar o país.”. Essa série, cujos capítulos, ou seja, três universos são vistos em contraste e diálogo mútuo e convidados a um trânsito entre espaço expositivo, e visualização em celulares, sites e tevês. Cartas ao Mundo é um projeto intencionalmente expansivo e será apresentado em diferentes plataformas, ampliando o diálogo com o público e criando diferentes formas de apreciação.
No dia 02 de abril, o tríptico será lançado ao mesmo tempo no Canal Curta (onde os três capítulos serão apresentados em sequência) e no Curta!On, Globoplay, nos sites da Pinacoteca do Estado de São Paulo e do Instituto Inhotim. Também a partir desse dia o público poderá assistir aos filmes gratuitamente na Plataforma Sesc Digital. Contando, ainda, com a obra Black Sun, do artista francês Cyril Lancelin, que marcará presença no Largo do Paissandu, sinalizando que é naquela área da cidade, naquele território, que acontece virtualmente o projeto Cartas ao Mundo. A divulgação do tríptico fílmico nessas plataformas e a abertura da exposição no Sesc Avenida Paulista vão acontecer simultaneamente. A mostra conta com os apoios do Canal Curta, Consulado-Geral da França em São Paulo, Globoplay, Goethe-Institut São Paulo, Instituto Inhotim, LBM e Pinacoteca do Estado de São Paulo, e com realização Sesc.
A mostra acontecerá no Sesc Avenida Paulista, na avenida que é símbolo da cidade, de “cidade” e de “urbanidade”, um espaço expositivo aberto, escancarado, para a vida urbana e pronto para ser invadido por tudo aquilo que vem dela: seus olhares, seus sons, seus lamentos, suas opiniões, seus medos, seus desejos, seus sonhos, sua revolta, sua vida que pulsa. E a exposição também sai literalmente do espaço expositivo, em cortejos, e se apresenta no espaço público da Avenida Paulista.
“A intenção é participar de um movimento que diz em alto e bom som ASSIM NÃO. Não a uma cidade e a um país excludentes, que não consegue mais se ver”, anuncia Bia Lessa. E continua: “esse trabalho sai do fundo do estômago, passa pela garganta e cheira mal. Porque ele procura olhar de frente para o que nos sufoca. Porque ele existe com minhas tripas”. Aos 63 anos, ela dá voz a ações importantes para que este “não!” ganhe corpo, passo inicial para transformação. Assim como na obra de Glauber, em Cartas ao Mundo são evidentes a (r)evolução da linguagem, o diálogo com a atualidade, a quebra de barreiras e a ampliação dos limites, a ligação definitiva entre teoria e prática e o indispensável diálogo entre linguagens artísticas.
Expografia
A expografia é baseada numa ideia de doença e cura, transforma-se a cada hora, criando diferentes ambientes a cada um dos capítulos. A trilha sonora das performances é composta por Dany Roland. O Grivo, responsável pela trilha sonora das exposições, e Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, responsáveis pela música tema que ganhará a Avenida Paulista nos cortejos.
O design de luz é de Paulo Pederneiras e a preparação dos atores é de Amalia Lima. Compõem a exposição, três filmes de 60 minutos de duração cada, imagens das obras de 80 artistas, textos e colagens criadas por Arnaldo Antunes.
Capítulo 1: Asfixia
Esse capítulo, intitulado Asfixia, mostra a degradação da cidade, diante dos problemas oriundos das grandes metrópoles – problemas geográficos, sociais e econômicos. As questões são tratadas a partir de depoimentos, citações, poemas, imagens reais e imagens virtuais. Utilizamos a obra e a personalidade de Glauber Rocha como elemento condutor da narrativa. Móveis hospitalares, duas grandes telas, 300 sacos de lixo compõem a expografia.
Capítulo 2: Mercadoria
O capítulo intitulado Mercadoria mostra a transformação dos cidadãos em consumidores, questionando os valores humanos. A partir da revolução industrial, o desenvolvimento tecnológico viabilizou a fabricação de produtos em larga escala, e consequentemente fez surgir o homem/consumidor. O mundo fica de ponta cabeça, os móveis hospitalares ocupam o espaço aéreo, as obras de arte são transformadas em mercadorias.
Capítulo 3: O Comum
O capítulo três tem como ponto de partida o conceito de Comum de Antônio Negri e Michael Hardt. Uma nova forma de ocupação do Largo do Paissandu é proposta, diante da reflexão visceral de Glauber Rocha. Um coro de narradores é constituído, dando ênfase a ideia de que a cidade é construída a partir da necessidade e do desejo plural. O mobiliário hospitalar é substituído por um labirinto de tecido transparente, uma expografia fluida, caixas de papelão se transformam em suportes de obras.