Porandubas Políticas
Artigo de Gaudêncio Torquato, jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político
- Data: 19/01/2022 10:01
- Alterado: 17/08/2023 10:08
- Autor: Redação
Gaudêncio Torquato
Crédito:Divulgação
Abro a coluna com uma historinha do querido Rio Grande do Norte.
Estar com Deus não ofende
Noé, conta Sebastião Nery, era uma figura folclórica do Rio Grande do Norte. Tinha o hábito de cortejar todos os governos. No levante comunista de 1935, quando o deputado pela Bahia e secretário-Geral do PC, Giocondo Dias, tomou o poder ocupando o Palácio Potengi, enquanto Dinarte Mariz marchava de Caicó para Natal subindo a Serra do Doutor, a multidão enfurecida invadiu o jornal A República, de propriedade do governo. Na sala da direção, encontram Noé. Agarram-no pela gravata:
– Com quem você está?
– Estou com Deus. Isso ofende?
Não ofendia. Salvou-se.
Panorama
Vamos aos nossos pequenos retratos.
Pandemia e democracia
O que aconteceu com as democracias sob a teia sombria da pandemia? Perderam força. Os governos, particularmente os dirigidos por perfis autoritários, reforçaram seus espaços de mando e poder. Agregaram forças. Passaram a ter voz mais ativa nos territórios, ganharam visibilidade, arregimentaram apoios. No caso do Brasil, defendendo o negacionismo, indo contra a ciência e desfechando tiros contra a vacina, o presidente da República, ao contrário de muitos dirigentes, nada em maré baixa. P.S. Extinguiu muitas instituições e órgãos de controle. A participação social no processo decisório encolheu.
Agitando as bases
Bolsonaro aposta na hipótese de que, apesar dos pesares, ele é a principal fortaleza de defesa do país contra as ameaças do “comunismo”, sistema que costuma jogar no colo de Luiz Inácio. Por isso, seu principal objetivo é animar as bases de simpatizantes e alas radicais, esperando que elas lhe dêem os votos para entrar no segundo turno. Espera repetir 2018, quando encarnou o papel de São Jorge empunhando a espada contra o dragão da maldade.
20 a 25 pontos
Se obtiver entre 20 e 25 pontos, terá condições de entrar no turno seguinte da campanha. O nome da terceira via mais provável no momento é o do juiz Sergio Moro, que ainda não empolga os segmentos do meio da pirâmide. As classes médias tendem a ser o pêndulo do pleito. Para onde se inclinarem, definirão o favorito do pleito. Ainda não fecharam por completo suas preferências.
São Paulo
O Estado de São Paulo abriga cerca de 40 milhões de pessoas. Unidade mais populosa da Nação, o Estado será centro de uma batalha contundente. É mais populoso do que 178 países, colocando-se abaixo de apenas 29 em termos de habitantes. Na América do Sul, somente a Colômbia abriga um número maior de pessoas que São Paulo. Abriga 35 milhões de eleitores, sendo o maior colégio eleitoral brasileiro. A capital de São Paulo representa também o maior município em número de eleitores, com cerca de nove milhões do total.
O Triângulo das Bermudas
Costumo lembrar que o Triângulo das Bermudas será o decisor da campanha. Constituído por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. MG possui cerca de 16 milhões de eleitores, concentrando quase 11% do eleitorado do país, que, neste ano, deve ultrapassar 150 milhões de pessoas. Terceiro maior colégio eleitoral do país, o estado do Rio de Janeiro tem mais de 12 milhões de eleitores, mais de um terço na capital fluminense, com cerca de cinco milhões.
Os maiores polos
Em SP, MG e RJ estão os maiores grupos de pressão e opinião: os maiores conglomerados empresariais; as mais fortes organizações não governamentais; os maiores contingentes das classes médias; os maiores grupos de profissionais liberais; os maiores núcleos estudantis; enfim, os maiores polos de poder social. Passam, portanto, por aqui os clamores e gritos que embasam o discurso nacional.
As estatísticas
Dito isto, resta aduzir com outras estatísticas: a região Sudeste é a maior em número de eleitores, com cerca de 65 milhões de eleitores, 43% dos aptos a votar. Em seguida vem a região Nordeste, onde há mais de 40 milhões de eleitores ou 27,01% do total. O Sul conta com 14,47% dos eleitores, contabilizando 22 milhões brasileiros. A região Norte tem 12 milhões, ou 7,91% de votantes. A região Centro-Oeste concentra o menor número de eleitores: 10.943.887, ou 7,27% do total. Há 509.988 (0,33%) brasileiros aptos a votar no exterior. A maioria do eleitorado brasileiro é formada por mulheres, que representam 52,49% do total, somando 77.649.569 eleitores. Os homens totalizam 70.228.457 eleitores, correspondendo a 47,48% do total.
O discurso tatibitate
Infelizmente, no ano eleitoral seremos vítimas do blá blá blá das campanhas. Do tipo:
– o Brasil tem jeito, basta saber governar.
– Fulano de tal é o “pai dos pobres”.
– Sicrano é o patrono dos trabalhadores.
– Beltrano é o benfeitor da saúde.
– Hora de reconstruir o país.
– Vamos combater a corrupção.
– Nossas crianças precisam de melhor educação.
– Vamos baratear a comida no prato.
– Com fulano de tal, éramos felizes e não sabíamos.
É o chamado discurso tatibitate
O discurso substantivo
O contraponto será o discurso substantivo, que abrigará densidade, argumentos, propostas concretas e como serão aplicadas. Algo como:
– O salário-mínimo será reajustado um pouco acima dos índices da inflação.
– Um projeto para o país, contemplando as prioridades e demandas regionais. Com coordenação centralizada e operação descentralizada.
-Transparência, melhoria dos serviços públicos (qualificar e quantificar metas).
– Algo como criação de centrais de abastecimento em todas as regiões para suprir demandas nas áreas de:
– alimentos
– remédios/equipamentos de saúde
– educação – livros didáticos
Enfim, setores que sejam altas prioridades. Densidade e explicação das formas de operação.
O Brasil na retomada
A pandemia continua acusando índices alarmantes. A Ômicron, a nova variante do Coronavírus, pode ser menos mortal, mas a propagação é maior que o primeiro ciclo da Delta. A indicar que as filas de contaminados são e serão imensas. No meio dessa tempestade, o Brasil parece sair do caos e começar a movimentar suas estruturas, escancarando as portas da normalidade. Para onde se olha, veem-se traços e paisagens cheias de gente e de ações. A retomada das atividades produtivas é fato.
Superação
A sensação é de que o pior já passou. Os incautos, que relaxam condutas de prevenção, enchem planilhas de dados e hospitalizações. Mas as conversas e as rotinas cotidianas atestam que o brasileiro passa a confiar na superação de tempos sombrios. Muitos reiniciam a volta ao labor sob a crença de que as coisas não serão como antes. Algo se insere nos passos profissionais e pessoais.
Lula e Alckmin
Parte do PT é contra o nome de Geraldo Alckmin como vice o na chapa de Lula. Rui Falcão, ex-presidente da sigla, em entrevista à Folha, segunda, foi duro: Lula não precisa de muleta eleitoral. E Alckmin, segundo uma ala do petismo, representa tudo que o petismo rejeita. A essa altura, o ex-governador de SP fica com a imagem borrada. Se Lula impuser o nome, vai encontrar resistências. Ou seja, nesse início de jornada eleitoral, contenda e acusações não ajudam a alavancar nomes. Alckmin fica numa sinuca de bico. Os tiros contra o ex-governador surgem a cada instante.
A volta
Se Lula ganhar a disputa, veremos uma luta engalfinhada de petistas para voltar ao Planalto Central. Os quadros da velha guarda contra os novos perfis. O Brasil do Eterno Retorno. Mantega, Mercadante, Rui Falcão, para onde serão deslocados? E para onde iria a ex-presidente Dilma Rousseff?
18 Estados
O PT terá candidatos próprios em 18 Estados. Domina o ranking de candidaturas. Pode fazer a maioria e grande bancada de deputados.
PSL e PT
Serão os dois partidos com os maiores cofres de campanha. Com o fundão eleitoral turbinado, os partidos terão um total de R$ 5,96 bilhões nas eleições. O valor corresponde à soma de R$ 4,9 bilhões para campanhas eleitorais com R$ 1,06 bilhão para o Fundo Partidário. PSL e PT, que têm as maiores bancadas, levarão 10,14% e 9,97% do total cada, respectivamente.
Os evangélicos
O PT se esforça para pescar o apoio dos evangélicos, que nunca foram tão disputados.
As chances
Quais as chances dos pré-candidatos hoje (repito, hoje) de entrarem no segundo turno? Mais uma vez, a resposta é complexa. Vai depender das circunstâncias e do Senhor Imponderável. Hoje, medidas em números de 0 a 10, o palpite sugere essa pontuação:
– Lula, 9
– Bolsonaro, 6
– Sergio Moro, 4
– João Doria, 3
– Luiz Mandetta (?), 1
– Simone Tebet, 1
– Ciro Gomes, 2
– Rodrigo Pacheco(?), 1
Terceira via
Eleitorado vai fechar posição na última hora. E a terceira via só dará as caras lá para maio/junho. A depender da polarização. E mais: a terceira via só tem possibilidades se o Senhor Imponderável nos visitar e afastar do páreo um dos dois principais corredores: Lula ou Bolsonaro. O fato é que este Senhor faz visitas ao Brasil sem aviso prévio.
O Imponderável
O clima eleitoral pode ser afetado pela visita do Senhor Imponderável. Na forma de:
– uma denúncia bombástica
– um escândalo nos bastidores do governo
– uma renúncia no meio da campanha
– eventos extremados que puxem o povo para as ruas/ um acidente/incidente de proporções calamitosas
– caos, com desorganização da economia e furos no cobertor de proteção social
Mais ação, menos discurso
O eleitor quer mais ação e menos discurso.