Zona leste de São Paulo lidera boletins de ocorrência por LGBTfobia
Foram 831. Em seguida, aparece a zona sul, com 758. São as duas regiões mais populosas da capital paulista
- Data: 23/07/2023 10:07
- Alterado: 23/07/2023 10:07
- Autor: Redação
- Fonte: Bruno Lucca/FolhaPress
Crédito:Divulgação
A zona leste de São Paulo concentra a maior quantidade de boletins de ocorrência por LGBTfobia registrados na cidade entre janeiro de 2019 e abril deste ano. Foram 831. Em seguida, aparece a zona sul, com 758. São as duas regiões mais populosas da capital paulista.
Na totalidade, foram registradas 3.253 queixas no período observado, uma média de 2,4 por dia. Ao considerar apenas os anos cheios (de 2019 a 2022), mais que dobraram os apontamentos de possíveis crimes. Foram 501 no primeiro recorte e 1.045 no último, alta de 108%.
Ressalta-se, porém, possibilidade de subnotificação em razão do isolamento social provocado pela pandemia por Covid-19 de 2020 a 2021. Somente em agosto daquele ano foi possibilitado registro virtual de ocorrências dessa natureza por meio da Delegacia da Diversidade Online.
Os dados foram obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação. Antes, os números haviam sido solicitados diretamente à SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, mas a gestão afirmou não os possuir.
Por bairro, destacam-se Jaçanã, na zona norte, e República, no centro. Eles registram 127 e 101 ocorrências, respectivamente. Há, porém, distorção no primeiro caso. Parte das denúncias partiu de único cidadão –segundo relatado à reportagem, famoso por levar blefes à polícia.
Heloísa Gama Alves, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em São Paulo, destaca que a alta dos registros de boletins não necessariamente demonstra o crescimento da intolerância.
“É possível decorrer de maior conscientização da população LGBTQIA+ quanto a seus direitos. Considerando ser hoje a homotransfobia crime, há busca maior pela Justiça, um anseio pela punição”, declara.
Alves diz não ser possível desconsiderar o fato da cidade de São Paulo abrigar a maior população que engloba, entre outros, gays, lésbicas e transexuais do país. Portanto, afirma a advogada, estaria mais suscetível aos altos índices de violência em razão de orientação sexual e identidade de gênero.
Para ela, todavia, são necessárias mais políticas públicas e ações afirmativas para coibir o preconceito e a discriminação sofridos por essa parcela da população, fundamentalmente nas áreas de educação e segurança pública.
A Segurança Pública do estado de São Paulo relata estar intensificando ações de combate à violência contra o público LGBT+ e ter ampliado os canais de registro a fim de reduzir a subnotificação desses crimes.
Apesar de reafirmar preocupação em compilar atentados do tipo, o governo paulista deixa de distribuir os dados. O 17º Anuário de Segurança Pública divulgado na última quinta-feira (20), por exemplo, não conseguiu levantar números sobre LBGTfobia do estado mais populoso do país.
“[São Paulo] É um local celebrado por incluir em ocorrências campos a identificar pessoas por identidade de gênero e orientação sexual. Então, não é caso de os dados não serem coletados. Sabemos ser. No entanto, por motivo desconhecido, não há sistematização ou vontade de divulgar”, declara Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizador do anuário.
Na opinião de Jeferson Deco, 32, é também inexistente entre autoridades disposição para investigar. Gay, o relações-públicas sofreu agressão homofóbica em 30 de junho deste ano. Apesar da vontade, não denunciou. Lembrou-se de episódio similar vivenciado em 2017, quando teve boletim indeferido por, segundo a polícia, falta de evidências.
Jeferson narra com tristeza a investida sofrida mais recentemente. Era fim de tarde, ele seguia para a Casa das Caldeiras, na zona oeste da cidade, onde ocorreria festival artístico voltado à população transmasculina. Estava no transporte público. Sem motivo aparente, conta ter sido atacado fisicamente por um homem branco de meia-idade. Amedrontado, reagiu.
“Naquele momento, senti vontade de morrer, de não existir. Tive pavor. Imaginei cenas de eu tentando me defender sendo narradas por um apresentador de programa pinga-sangue”, relata.
O levantamento obtido pela reportagem mostra ainda serem homens 54% dos reclamantes de homofobia e transfobia na capital –36% são mulheres. A maioria dos casos ocorreu nas ruas.
Partiu do condomínio onde mora, porém, a injúria proferida contra o produtor cultural Cristiano Souza, 42. Ele e o marido vivem no bairro da Consolação, região central da cidade. Lá, segundo o homem, houve sempre perseguição por parte da administração predial.
A situação conflituosa se dava aparentemente em decorrência de o casal utilizar o apartamento para algumas reuniões profissionais. Os gerentes do empreendimento incomodaram-se com o fluxo e reprimiram a prática. Houve consentimento e breve calmaria.
Era dia 12 de janeiro quando o produtor esperava um carro de transporte por aplicativo na portaria. Aproximou-se uma funcionária do local. De maneira enfática, ela disse que não permitiria a entrada de nenhum indivíduo com o morador. Este respondeu estar saindo.
“Ela insistiu e, ao dar as costas para entrar, disse ‘bichinha’ e desmunhecou”, relata Cristiano. Ele partiu rapidamente para a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, no centro, e registrou boletim de ocorrência. Sete meses depois, segue aguardando resposta da investigação.
Como denunciar casos de homotransfobia em São Paulo
A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, possui serviço de denúncia disponível 24 horas por meio do portal e da central 156. Para realizar a queixa, não é necessário apresentar boletim de ocorrência. No entanto, é recomendado que o denunciante o faça.
É possível indicar quem praticou o ato de intolerância e incluir fotos, prints ou documentos sobre o episódio.
Há ainda cinco Centros de Cidadania LGBTI+ que podem receber vítimas. Os locais possuem equipe técnica especializada nas áreas do direito, psicologia, assistência social e pedagogia. Além das sedes fixas, unidades móveis percorrem a capital, levando os serviços para todas as regiões.