Rebeldes do Iêmen prometem vingança contra ataques dos EUA
O grupo, que controla a capital do país e vive um precário cessar-fogo na guerra civil contra o governo local, iniciada em 2014, prometeu dobrar a aposta no mar Vermelho.
- Data: 12/01/2024 21:01
- Alterado: 12/01/2024 21:01
- Autor: Igor Gielow
- Fonte: FOLHAPRESS
Crédito:AFP
Após quase dois meses de desafio militar constante, os Estados Unidos morderam uma isca indigesta e atacaram nesta sexta (12) uma série de instalações dos rebeldes houthis no Iêmen, escalando a guerra iniciada em 7 de outubro entre Hamas e Israel.
O grupo, que controla a capital do país e vive um precário cessar-fogo na guerra civil contra o governo local, iniciada em 2014, prometeu dobrar a aposta no mar Vermelho. Os ataques liderados pelos EUA, disse o porta-voz Yahya Saree, “não passarão sem punição e retaliação”.
Um primeiro movimento dos houthis foi registrado perto do porto de Aden, onde a autoridade marítima do Reino Unido e a empresa de análise de segurança Ambrey registraram o lançamento de um míssil e a aproximação de lanchas contra um navio incorretamente associado ao Reino Unido, que promoveu os ataques com os EUA.
Segundo os houthis, bancados pelo Irã e aliados do grupo terrorista palestino assim como o Hezbollah libanês, foram 73 alvos atingidos no país, com ao menos cinco mortes. Os aliados ocidentais, que promoveram o bombardeio noturno com apoio logístico de outros cinco países, falaram em 60 objetivos em 16 localidades.
O ataque foi complexo, envolvendo caças F-18 do porta-aviões USS Dwight Eisenhower e o lançamento de mísseis de cruzeiro Tomahawk de destróieres e ao menos um submarino da região. Os britânicos empregaram caças Eurofighter Typhoon baseados em Chipre.
Alguns aliados ocidentais que integram a força-tarefa naval que visava coibir os ataques houthis a navios mercantes no mar Vermelho, como a Itália e a Espanha, recusaram-se a fazer parte da ação.
O motivo é a evidente escalada, que o próprio governo Joe Biden vinha evitando. O temor era duplo: incendiar a região, em especial se suas forças começarem a alvejar civis num país árabe, e ver sua importante base no vizinho Djibuti ao alcance de uma retaliação com mísseis por parte dos houthis.
O ataque foi desenhado para tentar ao mesmo tempo deter os rebeldes que promoveram 27 ataques a navios em rotas comerciais desde 19 de novembro e chegaram a sequestrar uma embarcação e evitar muitos danos à população local, agitando a opinião pública árabe. É um cálculo arriscado.
As condenações de praxe, lideradas pela Rússia de Vladimir Putin e seguidas pelos aliados dos rebeldes, como o Hamas e o Hezbollah, ocorreram. O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, acusou seus parceiros de Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, de “querer transformar o mar Vermelho num mar de sangue”, seguindo sua linha de apoio aos muçulmanos.
Mas a bola do jogo agora está com os houthis. Se mantiverem, como o incidente desta sexta sugere, o regime de ataques nas águas a seu redor ou focarem a base americana na costa oposta à sua no mar Vermelho, Biden, que chamou o grupo de “terrorista” nesta sexta, poderá ter de se envolver de uma forma perigosa no conflito.
Comentando o bombardeio, o presidente americano tentou reduzi-lo a um escopo punitivo e afirmou não estar interessado em entrar numa guerra. “Esses ataques são uma resposta direta às ações sem precedentes dos houthis contra embarcações internacionais no mar Vermelho, incluindo o uso de mísseis balísticos antinavio pela primeira vez na história”, afirmou, prometendo novas iniciativas se for provocado. Nesta sexta, os rebeldes dispararam mais um míssil antinavio, mas não acertaram embarcações, segundo militares americanos.
A Casa Branca notificou o Congresso americano sobre a ação no Iêmen, mas não houve autorização da Casa, o que gerou críticas de legisladores dos dois partidos. “Os Estados Unidos não podem arriscar se envolver em outro conflito que dure décadas sem autorização do Congresso”, afirmou o deputado democrata Mark Pocan. Outros, por outro lado, como o senador republicano Mitch McConnell, elogiaram os ataques.
Na mesma linha de Biden foi o premiê britânico, Rishi Sunak, para quem a ofensiva ocidental vai “degradar as capacidades” dos houthis de empreender ataques na região. Ele descartou novos bombardeios por ora. O Pentágono, mais tarde, afirmou não ter plano de incrementar suas forças no Oriente Médio.
Na capital iemenita de Sanaã, tomada pelos houthis, milhares de moradores foram às ruas com bandeiras palestinas e do país para protestar contra os ataques. “Morte à América” e “morte a Israel” eram palavras de ordem constantes, ao lado de maquetes de foguetes e mísseis.
Até aqui, os houthis apostaram na assimetria, com seu arsenal de armas iranianas. Enquanto um drone suicida Shahed-136, igual aos que Putin emprega na Ucrânia, custa cerca de R$ 100 mil, um míssil usado pelos britânicos para interceptá-los como o Sea Viper não sai por menos de R$ 6,5 milhões. Os Tomahawk lançados nesta sexta custam ao menos R$ 10 milhões em suas novas versões.
Em situação sensível fica a Arábia Saudita, uma aliada dos EUA e rival do Irã que apoia o governo do Iêmen na guerra civil. Após um envolvimento brutal no conflito, que lhe rendeu diversas críticas, Riad patrocina o cessar-fogo em vigor e será pressionada a tomar partido se a crise escalar mais até aqui, os sauditas não integraram a força-tarefa americana.
O bombardeio foi o principal teste direto dos EUA na guerra que obliterou boa parte da Faixa de Gaza e segue com grande intensidade. Antes, os americanos haviam matado o líder de uma facção iraquiana pró-Irã que promovera ataques contra bases usadas por Washington no país árabe como forma de apoiar o Hamas.
Quando o conflito estourou, Washington mandou dois grupos de porta-aviões à região, num sinal ao Irã e a seus prepostos de que reagiria caso alguém interferisse na ação de Tel Aviv.
O temor maior envolvia o Hezbollah, o mais poderoso adversário a fazer fronteira com Israel. A dissuasão, aliada a questões internas tanto no Líbano quanto no Irã, funcionou relativamente, com o envolvimento do grupo fundamentalista restrito a um maior atrito na faixa fronteiriça entre os países.
Desde a semana passada, isso mudou, com uma escalada gradual que acompanhou uma redução do pessoal empregado pelo governo de Binyamin Netanyahu em Gaza. Isso levou observadores a temer um tira-teima, de resto considerado inevitável em algum momento, entre israelenses e o Hezbollah, que saíram empatados na sua mais recente guerra aberta, em 2006.
O risco segue no ar, e o grupo de porta-aviões que estava deslocado para aquele flanco do conflito, no Mediterrâneo, deixou a região na semana passada. Por ora, contudo, foram os outros bastante obscuros houthis que tomaram o protagonismo na frente secundária da guerra. O grupo já havia derrubado um drone americano, além de promover as ações no mar.
Ao menos 2.000 navios tiveram de desviar suas rotas do mar Vermelho, faixa de trânsito de 15% do comércio por embarcações no mundo. Cerca de 40% do tráfego no canal de Suez, que liga o mar ao Mediterrâneo, parou. Fretes subiram, assim como o preço do petróleo, já que a região é usada como ligação entre o golfo Pérsico e a Europa.