Publicidade ‘fora de controle’ das bets é problema social, dizem especialistas

Volume de propaganda, natureza do setor e mensagem das peças, combinados, instigam o tempo todo o consumidor a apostar

  • Data: 15/10/2024 11:10
  • Alterado: 15/10/2024 11:10
  • Autor: Redação
  • Fonte: Demétrio Vecchioli/Folhapress
Publicidade ‘fora de controle’ das bets é problema social, dizem especialistas

Crédito:Bruno Peres/Agência Brasil

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A publicidade “fora de controle” das bets tem agravado os problemas causados pelas casas de apostas na sociedade e encontra um público brasileiro vulnerável, social e financeiramente, cada vez mais propenso a acreditar em soluções fáceis vindas da internet, avaliam especialistas ouvidos pela reportagem.

Mais de 2.000 sites de apostas considerados irregulares pelo Ministério da Fazenda começaram a ser derrubados nesta sexta-feira (11), mas outros mais de 200 seguirão em atividade e, pelo menos até a virada do ano, sem um efetivo controle publicitário.

O próprio ministro Fernando Haddad (PT) já afirmou que a publicidade das bets está “fora de controle”.

“As pessoas acham que a questão das bets é mais importante do que a publicidade das bets, mas elas são inseparáveis. Só existe a questão de mercado das bets porque, antes, existe a publicidade delas”, diz Bruno Pompeu, professor de publicidade da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP que tem estudado o tema.

A “falta de controle” se demonstra, no entender do pesquisador, por uma soma de três fatores principais. O primeiro, o volume de publicidade, que é comum a outros segmentos. O segundo, a natureza do produto, que pode causar dependência. “Temos publicidade muito volumosa de bebidas alcoólicas, e isso já foi naturalizado.”

O que só as bets têm é a combinação do volume de propaganda, da natureza do produto e da mensagem publicitária. Muita gente é instigada o tempo todo a apostar.

“A insistência não é o problema. Mas isso é feito de forma muito intensa, com o objetivo claro de envolver, enredar, e com objeto muito complicado”, avalia a professora de publicidade e semiótica a ECA-USP Clotilde Perez.

“Essas campanhas estão mobilizando valores muito profundos na sociedade brasileira contemporânea. Todas estão falando de valores muito fortes, de vitória através do esforço individual. Transforma-se o sentido da palavra aposta para algo mais perto de escolha. Fala-se de superação, resiliência, perseverança”, analisa Pompeu.

O pesquisador vê uma presença constante de mensagens de resiliência, especialmente a partir do uso de influenciadores e pessoas famosas. “Tem sempre o ‘eu não desisto, eu tento de novo’, porque emula a lógica do próprio jogo. Quando quatro figuras negras com histórias de superação falam que a gente vai, mas levanta, é a mesma coisa.”

Hoje, essa publicidade também está numa zona cinzenta, como todo o setor, já que a regulamentação federal só começa a valer na virada do ano. Em janeiro, o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulametação Publicitária) aprovou regras para a publicidade das bets, que não têm sido suficientes.

“O CONAR fez, não é que não fez, tem alguma recomendação. Precisa melhorar? Muito. Precisa aumentar as restrições? Muito. Não é só a criança o problema, é também o idoso. Tem gente perdendo a aposentadoria. É muita vulnerabilidade, não só social. Precisa ter gente de saúde mental coletiva para ajudar”, avalia Perez.

Rafael Ávila, psicólogo, atua como voluntário, junto à esposa, na ONG SOS Jogador, voltada ao acolhimento de pessoas com diagnóstico de ludopatia (vício no jogo) ou com dificuldade de parar de jogar. A casal atende mais de 1.700 pessoas, principalmente online, em modelo de ação semelhante aos Alcoólicos Anônimos.

“A gente vê que aumentou a prevalência das pessoas que veem o cassino como alternativa de renda. Aí você junta com todo universo brasileiro: inflação em alta, pejotização, toda essa mística de ganhar dinheiro na internet, que leva as pessoas a caírem em ciladas”, analisa.

Ávila conta que, pela experiência atendendo dependentes, o gatilho para o jogo não está nas camisas de clubes de futebol.

“Nas redes sociais as pessoas estão publicando jogando, mostram ganhos, mostram valores. Quando você vê o influenciador jogando, o amigo, escuta o áudio – até o som é feito para fisgar a pessoa, as cores, a luz -, isso causa muitos estímulos, de dopamina, adrenalina no cérebro.”

André Gelfi, presidente do Instituto Brasileiro do Jogo Responsável (IBJR), que reúne casas de apostas, diz que esses bônus comerciais, hoje oferecidos em grande escala, estão proibidos pela regulamentação que entrará em vigor no dia 1º de janeiro. Mas as promoções de retenção estão permitidas.

Com acesso a cada vez mais dados e à inteligência artificial, as casas podem identificar apostadores mais propensos a apostar (e perder dinheiro) e oferecer melhores condições para eles apostarem.

“Como é que você vai tratar desses bônus se a propensão aumenta à medida que aumenta o engajamento? Você tem aí esse dilema. A questão é a conscientização, como a gente atravessa esse rio. Isso que está sendo feito é suficiente?”, ele questiona.

Gelfi reconhece que mensagens de advertência precisam ser rediscutidas. “Até aqui as mensagens são: ‘aposte aqui’, ‘receba um bônus’ e no final ‘jogue com moderação.’ Será que isso resolve? Pelo visto, não. Vamos seguir nessa mesma linha? Cabe um ajuste. A gente está aqui para aprender a melhorar.”

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  • Data: 15/10/2024 11:10
  • Alterado:15/10/2024 11:10
  • Autor: Redação
  • Fonte: Demétrio Vecchioli/Folhapress









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