Para 76% dos brasileiros, cidades não estão preparadas para chuvas fortes
Pesquisa mostra que sete a cada dez entrevistados percebem que os eventos climáticos extremos estão se agravando
- Data: 19/01/2024 08:01
- Alterado: 19/01/2024 08:01
- Autor: Redação
- Fonte: Fundação Grupo Boticário
Estragos e prejuízos causados pela chuva em Belford Roxo (RJ).
Crédito:Fernando Frazão/Agência Brasil
As chuvas intensas que provocaram mortes, transtornos e prejuízos financeiros nestes primeiros dias do ano revelam um problema comum de Norte a Sul do Brasil: a maioria das cidades está mal preparada para enfrentar as mudanças do clima. Uma pesquisa realizada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, em cooperação com a UNESCO no Brasil e o apoio da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA) e da Aliança Bioconexão Urbana, mostra que a população percebe claramente essa falta de infraestrutura. Para 76% dos brasileiros, os municípios não estão preparados para enfrentar tempestades ou alagamentos.
O levantamento também aponta que para 91% dos brasileiros, as mudanças climáticas são importantes ou muito importantes e 80% das pessoas estão preocupadas ou muito preocupadas com esse assunto. Sete a cada dez entrevistados percebem que os eventos climáticos extremos estão se agravando. Diante da previsão de chuvas fortes nas regiões onde moram, 64% dos brasileiros sentem medo.
“A pesquisa nos permite compreender melhor os impactos diretos das mudanças do clima na vida da população, o nível de entendimento das pessoas sobre o aumento dos eventos climáticos extremos e, também, refletir sobre possíveis caminhos para tornar nossas cidades mais resilientes à nova realidade”, afirma Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.
A natureza como solução
A pesquisa também buscou identificar como as pessoas enxergam a natureza nas cidades. Tendo em vista que mais de 85% dos brasileiros vivem em zonas urbanas, com grande concentração nas metrópoles, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tornar os municípios mais resilientes às mudanças climáticas é um dos maiores desafios atuais e, de acordo com especialistas, passa diretamente por uma relação mais próxima com a natureza.
Nove a cada dez pessoas percebem que a sensação de calor é maior em regiões que não possuem áreas verdes. Apesar disso, para 86% dos entrevistados, o verde está diminuindo cada vez mais. Existe também a percepção de que as áreas de risco para inundações e alagamentos estão aumentando, conforme a opinião de 78% dos entrevistados. Em outro indício do déficit de natureza nas áreas urbanas, 26% dos entrevistados disseram que moram em regiões que não possuem parques, bosques ou áreas verdes por perto.
Outras formas de convivência com a natureza nas cidades são menos observadas pela população. Metade dos entrevistados sabe da existência de corredores verdes em suas cidades – áreas naturais ao longo de uma faixa de ruas ou rios com vegetação. Apenas 23% têm conhecimento da existência de jardins de chuva – jardins projetados para reter água da chuva, prevenindo inundações; e somente 16% conhecem telhados verdes, construções com vegetação no telhado que ajudam a diminuir a temperatura interna nas edificações.
A pesquisa também aponta que 98% dos entrevistados gostariam de ter mais natureza em suas cidades, sendo ruas arborizadas quase uma unanimidade, além do desejo por parques urbanos, corredores verdes, entre outras soluções.
“Além de todos os atributos relacionados com a adaptação das cidades às mudanças climáticas, a natureza oferece uma série de benefícios adicionais para a saúde e o bem-estar da população. Por isso, a natureza precisa estar no centro das soluções de nossas cidades. As chamadas Soluções Baseadas na Natureza (SBN), que utilizam processos e ecossistemas naturais para enfrentar os desafios climáticos precisam ser consideradas cada vez mais pelos gestores públicos em todas as etapas do planejamento urbano”, afirma a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.
Impactos diretos e prejuízos financeiros
Ao serem questionadas se já foram impactadas diretamente por fenômenos climáticos extremos, 35% das pessoas disseram que sim. No entanto, 69% das pessoas disseram conhecer alguém que já foi afetado diretamente por fenômenos como tempestades, alagamentos e vendavais.
Entre a parcela que já sofreu alguma consequência direta, 45% mencionaram chuvas fortes ou tempestades, 21% ventanias, 21% alagamentos, 20% ondas de calor, seguido por períodos longos de seca ou sem chuva (7%), e deslizamentos ou desmoronamentos (5%). A população mais impactada diretamente é a da região Sul (45%), seguida por Sudeste (36%), Norte (34%), Centro-Oeste (32%) e Nordeste (29%). Entre as pessoas que já sofreram consequências diretas, 65% relatam que tiveram alguma perda financeira e o prejuízo médio estimado é de R$ 8.485,00 por pessoa.
As pessoas já percebem as consequências das mudanças climáticas em diversas situações do cotidiano. Em respostas múltiplas nas quais os entrevistados deveriam indicar o quanto as mudanças do clima estão relacionadas a diferentes fatos apresentados em uma lista, aparecem em destaque o aumento no preço dos alimentos, com média de 8,8 em uma escala de 0 a 10; seguida por desmatamento e ondas de calor na cidade, médias 8,7; extinção das espécies, 8,5; e secas, 8,4.
Justiça climática
Para 61% dos entrevistados, todas as classes sociais sentem os impactos das mudanças do clima da mesma forma, enquanto 39% não concordam com essa afirmação. “Mesmo conscientes de que os fenômenos extremos podem gerar problemas para todos, sabemos que esses impactos atingem as classes sociais e os diferentes países de formas distintas. Essa compreensão é importante para percebermos que não se trata de uma questão meramente ambiental, é também uma questão ética e política. Portanto, como sociedade, precisamos avançar no entendimento sobre a justiça climática”, diz Marlova Jovchelovitch Noleto, Diretora e Representante da UNESCO no Brasil.
De maneira geral, a pesquisa também revela que o entendimento sobre as causas e consequências das mudanças no clima varia de acordo com a escolaridade dos entrevistados. Para 35% das pessoas, por exemplo, mudanças climáticas ainda são sinônimo para previsão do tempo. “Os dados coletados mostram que quanto menor o nível de escolaridade, menor a compreensão sobre a influência dos seres humanos no aquecimento global e nas alterações dos padrões climáticos. Isso retrata um grave cenário de desigualdade no acesso à informação, visto que as populações com menor renda são justamente as mais vulneráveis aos efeitos das mudanças do clima”, explica a diretora da UNESCO.
Já o reitor do Instituto ANAMMA (Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente), Marcelo Marcondes, compreende que os gestores das cidades devem estar mais sensíveis ao novo cenário climático e precisam implementar políticas públicas adequadas. Para ele, é necessário ampliar o debate da educação ambiental, qualificando o papel dos gestores, para que evitem omissões que podem levar, inclusive, a responsabilizações judiciais no futuro.
Marcondes afirma que o direito à cidade e ao clima deve guiar a busca por justiça climática. “Temos que criar governança nos municípios, capacitar os gestores e entender a importância de incorporar as Soluções Baseadas na Natureza nas políticas de gestão territorial, visando minimizar os impactos atuais e garantir melhores condições às gerações futuras”.
Mudança de hábitos
Outro dado positivo apontado pela pesquisa é que 87% dos entrevistados afirmam que estão dispostos ou muito dispostos a mudar seus hábitos em benefício do clima. Entre as mudanças mais citadas estão: reciclar e descartar o lixo corretamente (24%), plantar árvores (15%), evitar o uso de plástico (8%) e usar meios de transporte menos poluentes (8%). Entre as pessoas dispostas a mudar de hábitos, 19% não sabem exatamente o que fazer. “Por isso é tão importante o trabalho de disseminação do conhecimento sobre a mudança do clima e sobre as soluções que a natureza nos oferece”, conta Cecilia Polacow Herzog, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professora e pesquisadora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Mais sobre a pesquisa
Os principais resultados da pesquisa estão disponíveis na publicação “Natureza e Cidades: A relação dos brasileiros com as mudanças climáticas”, apresentados com infográficos que podem ser baixados e compartilhados. Além de conhecer a opinião da população, o trabalho pretende disseminar o conceito de Soluções Baseadas na Natureza (SBN), relacionar este conceito com a importância de aumentar a presença da natureza em áreas urbanas em busca de maior resiliência aos eventos climáticos extremos e, também, contribuir para que gestores públicos e candidatos às eleições municipais de 2024 tenham mais subsídios para planejar cidades mais sustentáveis.
A pesquisa foi realizada pela Zoom Inteligência em Pesquisas, entre os meses de julho e setembro de 2023 – ou seja, um pouco antes dos impactos provocados pela intensificação do El Niño de 2023. Foram realizadas 2 mil entrevistas presenciais e por telefone, com pessoas entre 18 e 64 anos, de ambos os gêneros e todas as classes sociais, nas cinco regiões do país. Entre os entrevistados, 50,5% residem em capitais e 49,5% vivem nas demais cidades. A margem de erro é de 2,2% para um nível de confiança de 95%. Entre os municípios que compõem a amostra, 64% foram afetados por desastres ambientais nos últimos 5 anos, enquanto 36% não foram afetados, de acordo com a base de dados do Instituto Talanoa.