Na contra mão da mobilidade urbana
A inversão na mobilidade urbana de São Paulo destaca a necessidade de políticas públicas para fortalecer o transporte coletivo e reduzir impactos negativos
- Data: 14/02/2025 14:02
- Alterado: 14/02/2025 14:02
- Autor: Luiz Vicente Figueira de Mello Filho
- Fonte: ABCdoABC
Esta semana foi divulgada a pesquisa Origem Destino do Metrô, que faz uma análise dos dados de 2023-2024, trazendo resultados que notamos no dia a dia, mas agora em números. Desde a primeira pesquisa, realizada em 1967, esta é a primeira vez que ocorre a inversão no uso das modalidades de transporte.
Os deslocamentos pelo transporte individual passaram a predominar os deslocamentos na Região Metropolitana de São Paulo. Em análise prévia, nota-se que a participação por transporte por aplicativo começa a mudar os cenários de deslocamento, chegando a 1,1 milhão de viagens diárias na região.
De 2017 a 2023 tivemos mais um protagonista: a motocicleta. Seja para deslocamento, seja para o uso no trabalho, cresceu 50%. Os automóveis lideraram na escolha por mobilidade, foram 41,6% do total de viagens. Metrô se mantém praticamente com os mesmos números da pesquisa de 2017, mas os ônibus, estes sim tiveram uma queda significativa, perda de 3 milhões de viagens por dia!
Mas o que significa isso? Uma série de fatores, sendo uma delas a flexibilidade e facilidade do ir e vir por modalidades individuais com custos de deslocamentos atraentes ao transporte público por ônibus ao longo dos anos.
Os pedestres também tiveram uma queda como modo de deslocamento, enquanto a bicicleta, foi inversamente proporcional, cresceu 25%. Vale ressaltar que os números de viagens também foram reduzidos. Queda de 15% no número de viagens de 2017 a 2023.
Considerando os números do Infosiga, Plataforma de Estatística do Detran-SP, de 2017 a 2024 houve um dado alarmante, crescimento de 25% em acidentes com mortes, sendo que na pandemia este valor reduziu, boa parte devido à ausência dos deslocamentos rotineiros.
Com a redução de 3 milhões de viagens por ônibus, o transporte por veículos individuais cresceu em proporção, as mortes acabaram participando negativamente do reflexo desta mudança de comportamento ao se deslocar.
Se os subsídios ao transporte público tornassem o ônibus uma opção mais atrativa, isso não poderia contribuir para a redução dos acidentes? Só a Prefeitura de da cidade de São Paulo gasta R$ 35 milhões com internações de vítimas de acidentes de motocicletas por ano, segundo a Secretaria da Saúde.
No Brasil, as mortes em decorrência da poluição atmosférica aumentaram 14% em dez anos. Nesse período analisado, o número de óbitos por Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) passou de 38.782 em 2006 para 44.228 mortes em 2016. Os dados não são recentes, mas ao transformar os valores gastos no Sistema Único de Saúde para os dias de hoje, estaria em torno de 1,6 bilhão de reais ao ano.
Os dados evidenciam que a mobilidade urbana na região metropolitana de São Paulo, e no país, estão em uma trajetória preocupante, com o transporte individual superando o coletivo e impactos negativos na segurança viária e na saúde pública. Para reverter essa tendência, é essencial repensar políticas de incentivo ao transporte público, garantindo tarifas mais acessíveis, maior previsibilidade, qualidade e confiabilidade nos serviços de ônibus e metrô, como a integração entre eles.
Além disso, investimentos na infraestrutura cicloviária e em calçadas acessíveis podem fortalecer alternativas sustentáveis, incentivando deslocamentos a pé e de bicicleta. A implementação de subsídios que tornem o transporte coletivo mais competitivo em relação ao individual pode não apenas reduzir acidentes, mas também minimizar os custos relacionados à saúde e à poluição.
A decisão final sobre como nos deslocamos muitas vezes está atrelada ao custo e à conveniência por meio de uma visão mais ampla. Se quisermos inverter essa tendência e priorizar um modelo mais sustentável, as políticas públicas precisam tornar o transporte coletivo na escolha mais vantajosa à população, tanto financeiramente quanto em termos de eficiência e segurança. Afinal, uma cidade mais conectada e acessível beneficia a todos.
Luiz Vicente Figueira de Mello Filho
![Luiz Vicente Figueira de Mello Filho](https://cdn-imgs.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/2025/01/luiz-vicente-figueira-de-mello-filho-860x570.jpg)
Especialista em mobilidade urbana e agente de transformação nesse setor. Atualmente, é colunista de mobilidade do portal ABCdoABC. Atua como pesquisador no Programa de Pós-Doutorado em Engenharia de Transportes e é professor credenciado na Faculdade de Tecnologia da Unicamp. Possui doutorado em Engenharia Elétrica pelo Departamento de Comunicação da FEEC/Unicamp (2020), mestrado em Engenharia Automotiva pela Escola Politécnica da USP (2009) e pós-graduação em Comunicação e Marketing pela Faculdade Cásper Líbero (2005). Formado em Administração de Empresas (2002) e Engenharia Mecânica (1999) pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.