Mangueira é a vencedora do Carnaval 2019 do Rio_x000D_
Angariando as notas máximas em todas os quesitos, a Estação Primeira de Mangueira se sagrou campeã homenageando Marielle Franco e "recado" ao presidente Jair Bolsonaro
- Data: 06/03/2019 18:03
- Alterado: 06/03/2019 18:03
- Autor: Redação
- Fonte: Redação ABCdoABC
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Com um enredo em que contestou a história oficial do Brasil, homenageou heróis populares e deu destaque à vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL), assassinada em março de 2018, a Estação Primeira de Mangueira conquistou nesta quarta-feira, 6, o 20.º título. O carnavalesco Leandro Vieira, com o segundo título em quatro anos, afirmou que a conquista é “um recado” ao presidente Jair Bolsonaro.
“O carnaval não é o que ele (Bolsonaro) acha que é. Ele deveria mostrar para o mundo o carnaval da Mangueira, o carnaval da arte, o carnaval da luta, o carnaval do povo, o carnaval da cultura popular”, afirmou Vieira, em referência aos posts criticando cenas obscenas nas ruas. A escola teve todos os 270 pontos possíveis, considerando o descarte da nota mínima em cada um dos nove quesitos.
A Unidos do Viradouro, que retornou ao Grupo Especial neste ano, somou 0,3 ponto a menos e foi a vice-campeã, sob o comando de Paulo Barros. Foram rebaixadas Imperatriz Leopoldinense, em 13.º lugar com 266,6 pontos, e Império Serrano, em 14.º com 263,8 pontos. Se o regulamento for mantido, o que não aconteceu nos dois últimos anos, em 2020 elas disputarão a Série A, segunda divisão do samba cariocas.
No trajeto inverso, a Estácio de Sá venceu a Série A e em 2020 voltará à elite. Ela é herdeira da Deixa Falar, fundada em 1928 e considerada a primeira escola de samba do País.
Durante a preparação para o carnaval, a Mangueira teve duas dificuldades: o presidente da escola, deputado estadual Chiquinho da Mangueira (PSC), foi preso em novembro acusado de envolvimento em esquema de propinas na Assembleia Legislativa. Por causa dessa prisão, a Uber, que havia oferecido R$ 500 mil para cada escola, desistiu do patrocínio. Chiquinho está em prisão domiciliar. No fim da apuração, seu nome foi gritado em coro pelos diretores no sambódromo.
O segundo susto foi a prisão do intérprete da escola, Marquinho Art’Samba, em plena Marquês de Sapucaí, logo após o ensaio técnico de 17 de fevereiro. Ele devia pensão alimentícia e passou um dia na prisão. “Foi o carnaval da superação para mim e toda minha família”, afirmou o cantor, que neste ano estreou na verde e rosa. O samba foi o primeiro trunfo da Mangueira: escolhido em outubro, tornou-se muito popular nas ruas, tanto pela qualidade musical como por citar expressamente a vereadora Marielle – que se tornou figura central, homenageada na Comissão de Frente e na última ala. A viúva de Marielle, Mônica Benício, foi um dos destaques.
Entre as duas homenagens, a escola exaltou heróis populares como Zumbi dos Palmares (interpretado pelo músico e presidente de honra da Mangueira Nelson Sargento), Chico da Matilde (jangadeiro que lutou pela Abolição da Escravatura no Ceará) e Luisa Mahin (líder da Revolta dos Malês, no Império).
Durante a apuração, em nenhum momento a escola fundada por Cartola foi ameaçada – só 2 das 36 notas não foram 10. Com o 20.º título, também se aproxima da líder nesse quesito, a Portela, que tem 22.
A vice-campeã Viradouro também se manteve neste posto a maior parte do tempo, perdendo em apenas dois quesitos para a Vila Isabel. Recém-alçada ao Grupo Especial, após três anos na segunda divisão, a Viradouro obteve esse desempenho graças ao talento de Paulo Barros, que apresentou um enredo sobre fábulas infantis revisitadas por um adulto.
A Beija-Flor, campeã em 2018 e que neste ano contou a própria história, decepcionou com o 11.º lugar. A escola não contou mais com o carnavalesco Laíla, que se transferiu para Unidos da Tijuca, sétima colocada. A vice-campeã de 2018, Paraíso do Tuiuti, também caiu bastante: ficou com o oitavo lugar, após ter problemas em dois carros alegóricos. A escola contou a história do bode Ioiô, “eleito” vereador em Fortaleza em 1922.
COM 17 TROFÉUS, IMPÉRIO E IMPERATRIZ SÃO REBAIXADAS
O Império Serrano, que já venceu nove vezes o carnaval do Rio, e a Imperatriz Leopoldinense, que venceu oito, disputarão a 2.ª divisão em 2020, se o regulamento for mantido. A regra do carnaval carioca foi mudada nos últimos dois anos. Em ambos os casos, o rebaixamento foi cancelado depois de a apuração indicar a queda de agremiações consideradas grandes.
A sequência de viradas de mesa repercutiu tão mal que, após a apuração de 2018, a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (Liesa) teve de assinar termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual se comprometendo a não mudar mais o regulamento.
Em 2017, o rebaixamento foi cancelado por pressão da Unidos da Tijuca. Um carro alegórico desabou parcialmente no desfile, e a escola ficou em último. Em 2018, 13 escolas desfilaram na elite, e duas seriam rebaixadas. Assim como a Tijuca, a Grande Rio também teve problemas em um carro alegórico e, junto com o Império Serrano, cairia – o que não ocorreu. Para voltar ao número considerado ideal, de 12 agremiações, neste e no próximo ano duas escolas devem cair e uma subir.
A Imperatriz, longe das apresentações que deram cinco títulos a Rosa Magalhães, teve problemas com o carro abre-alas. Lar de Dona Ivone Lara e Arlindo Cruz, o Império Serrano – rebaixado pelo 2.º ano seguido, fato inédito na Liga – adotou como samba-enredo O que é, o que é?, de Gonzaguinha e parece só ter agradado à plateia.
QUATRO PERGUNTAS PARA MÔNICA BENÍCIO
Marielle ajudou a Mangueira a ganhar o campeonato?
A Mangueira ajudou na luta por justiça. Sem dúvida, havia um sentimento de solidariedade. A Mangueira trouxe a urgência da construção política e a justiça por Marielle. Demonstrou que vidas faveladas importam. Foi uma contribuição mútua, junção de amor e solidariedade.
Essa vitória vai contribuir para acelerar as investigações?
Não sei se acelera, mas pressiona para que o resultado chegue. O mais importante é saber quem mandou matar.
Por que você foi a única parente a desfilar?
Não sei responder pelos demais. Fui convidada pelo Leandro (Vieira, carnavalesco).
Agora vai comemorar a vitória a noite inteira?
A ideia é celebrar a vitória da Mangueira e o início da justiça por Marielle.
PRESIDENTE DA LIESA DIZ QUE PREFEITURA DO RIO TEM QUE CUIDAR MELHOR DA SAPUCAÍ
O presidente da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), Jorge Castanheira, remeteu à prefeitura do Rio de Janeiro e à Riotur, empresa de turismo do município, a responsabilidade por melhorias na Marquês de Sapucaí. Neste ano, temendo a segurança dos frequentadores, o Ministério Público liberou o espaço a cerca de uma hora do desfile do grupo de acesso, na última sexta-feira, 1.
“Tem que falar com a prefeitura e a Riotur para cuidar melhor da Sapucaí”, afirmou Castanheira. Ele se esquivou, no entanto, a criar polêmica em torno da ameaça do prefeito Marcello Crivella de cortar definitivamente a verba das escolas de samba. O município reduziu de R$ 2 milhões a subvenção concedida à cada agremiação do grupo especial, em 2017, para R$ 500 mil neste ano. Agora, avalia repassar toda responsabilidade para a iniciativa privada.
“Tudo tem que ser pensado de cabeça fria. As escolas estão com muita dificuldade. Tem que ser pensado o financiamento, se não vai ficar inviável”, disse Castanheiro, argumentando, em seguida, que o momento é de comemoração, com a vitória da Mangueira, vencedora com a homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco.
Mas, para o presidente da Liesa, a opção pela crítica social não explica totalmente a vitória da Mangueira. “Outras escolas vieram com uma tônica política e nem por isso foram vencedoras. O carnaval é reflexo do que acontece na sociedade. Foi um carnaval extremamente competitivo”, acrescentou.
VEJA ABAIXO A CLASSIFICAÇÃO FINAL DAS ESCOLAS DE SAMBA
1º: Mangueira
2º: Viradouro
3º: Vila Isabel
4º: Portela
5º Salgueiro
6º: Mocidade
7º: Unidos da Tijuca
8º: Paraíso do Tuiuti
9º: Grande Rio
10º: União da Ilha
11º: Beija-Flor
12º: São Clemente
13º: Imperatriz Leopoldinense
14º: Império Serrano