Mancha de poluição no Tietê continua a crescer apesar dos esforços pela revitalização do rio
Novo estudo da Fundação SOS Mata Atlântica aponta que a água está imprópria para o uso em 207 dos 576 quilômetros monitorados, aumento de 29% em relação ao ano anterior
- Data: 20/09/2024 09:09
- Alterado: 20/09/2024 09:09
- Autor: Redação
- Fonte: Fundação SOS Mata Atlântica
Rio Tietê
Crédito:Divulgação
Na mais recente edição do estudo Observando o Tietê, lançado às vésperas do Dia do Rio Tietê, celebrado em 22 de setembro, a Fundação SOS Mata Atlântica aponta uma piora na poluição do maior rio paulista. Os dados indicam que, apesar de melhorias pontuais em alguns trechos, a extensão da mancha de água imprópria para usos múltiplos alcançou 207 quilômetros. É um aumento de 29% em comparação ao ano anterior, quando a mancha cobria 160 quilômetros.
Com 1,1 mil quilômetros da nascente à foz, o rio Tietê atravessa o estado de São Paulo de leste a oeste e passa por áreas urbanas e de importante produção industrial, de energia hidrelétrica e agropecuária. É dividido em seis unidades de gerenciamento de recursos hídricos (UGRHs), também chamadas de bacias hidrográficas. A bacia do rio Tietê abrange 265 municípios, num total de mais de 9 milhões de hectares – 79% inseridos no bioma Mata Atlântica.
O relatório, produzido no âmbito do projeto Observando os Rios, com recorte especial para o rio Tietê, contou com a participação de 44 grupos de voluntários em 28 municípios, incluindo 22 pontos na capital paulista, sendo complementado com dados levantados pela equipe técnica da SOS Mata Atlântica e da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Foram utilizados 16 indicadores de qualidade seguindo o Índice de Qualidade da Água (IQA), abrangendo 39 rios da bacia do Tietê a partir do monitoramento de 61 pontos de coleta. Desses, 62% apresentaram qualidade de água regular, 11% boa e 26% ruim ou péssima.
A qualidade da água do rio Tietê foi monitorada num total de 576 quilômetros, desde sua nascente em Salesópolis até Barra Bonita, na hidrovia Tietê-Paraná. Foi encontrada água de boa qualidade ao longo de 60 quilômetros entre a nascente e Mogi das Cruzes, que se somam a outro trecho de 59 quilômetros na região do Reservatório de Barra Bonita, entre São Manoel e a foz do rio Piracicaba.
A condição regular da água se estende por 250 quilômetros, em três segmentos ao longo do Médio Tietê. Mas a poluição torna a água imprópria para usos múltiplos em 207 quilômetros (com qualidade ruim em 131 e péssima em 76), o que representa 35,9% do total monitorado – um aumento considerável em relação aos 27,7% do ano anterior. A extensão da mancha de poluição teve variações ao longo dos anos, com momentos de redução e aumento. Desde 2021, no entanto, cresceu 143,5%, passando de 85 para 207 quilômetros.
Na região das cabeceiras do Alto Tietê, entre Suzano e Guarulhos, os indicadores também exibem uma tendência de agravamento nas condições ambientais. E, assim como nos anos anteriores, não houve trechos com água qualificada como ótima em toda a bacia monitorada.
Embora haja projetos estruturais de saneamento em curso, como o atual Integra Tietê, do governo do Estado de São Paulo, a qualidade da água continua a ser comprometida por condições locais – seja de poluição por esgoto, gestão de reservatórios e operação de barragens, clima ou resultante de atividades agropecuárias ou de remanescentes de efluentes tratados, mas em carga superior à capacidade de diluição dos rios.
Gustavo Veronesi, coordenador do Observando os Rios, reforça a necessidade de planos integrados que considerem os impactos das mudanças climáticas, do saneamento ambiental nas cidades e do uso da terra nas áreas rurais ao longo de toda a extensão do rio. “Poluir um rio é rápido, mas a recuperação é lenta e exige um estado de atenção constante, com melhorias contínuas nas estruturas de saneamento e na educação ambiental para evitar sua degradação”, ressalta.
Nesse contexto, a SOS Mata Atlântica propõe a integração de Soluções Baseadas na Natureza ao projeto Integra o Tietê, propondo a criação de um parque linear que conecte a Represa de Guarapiranga, o Rio Pinheiros, o Rio Tietê e o Parque Ecológico do Tietê. Esse projeto poderá disponibilizar mais de 50 quilômetros de áreas verdes ao longo dos rios. É importante ainda o tombamento e a proteção integral das corredeiras do Vale do Tietê, que contribuem expressivamente para a oxigenação e a depuração da água, para o ressurgimento da vida aquática e para a melhoraria das condições ambientais na região do Médio Tietê.
“Parques lineares seguem o percurso de rios, canais ou outras vias naturais para oferecer espaços de lazer e promover o equilíbrio ambiental. A criação de um ao longo do rio Tietê é uma medida urgente para São Paulo mitigar os efeitos das chuvas intensas e das ondas de calor. A vegetação auxilia na infiltração da água das chuvas, reduzindo enchentes, e proporciona um microclima mais fresco com a sombra das árvores e solos permeáveis”, explica Veronesi.
Há ainda outro fator de alerta para a sociedade: a recente privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp, responsável até hoje pelo Projeto de Despoluição do Rio Tietê, com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
“Desde a primeira etapa do Projeto de Despoluição do Tietê, no início dos anos 1990, a SOS Mata Atlântica acompanha e monitora a qualidade da água, mensurando a evolução da mancha de poluição sobre o rio para dar transparência e capacidade de governança dessas ações à sociedade. Agora, com a concessão da Sabesp à iniciativa privada, será preciso compatibilizar as metas do projeto com a capacidade de execução da empresa que assumiu a estatal, pois o Projeto Tietê impacta a vida de milhões de pessoas”, afirma Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica.
O exemplo de Paris
O estudo aborda ainda o histórico do rio Sena, palco este ano de competições dos Jogos Olímpicos de Paris. No século 20, o Sena foi declarado “morto” devido à intensa poluição industrial e urbana, o que comprometeu gravemente sua biodiversidade e afastou a população. Foi a partir da década de 1990 que um projeto de longo prazo incluiu rigorosas medidas de saneamento, controle de poluição industrial, apoio a práticas agrícolas sustentáveis e reinserção de espécies aquáticas. Ainda assim, o objetivo de torná-lo totalmente balneável ainda não foi plenamente alcançado. Durante as Olimpíadas, por exemplo, ainda havia uma percepção de que, apesar dos avanços significativos, o Sena ainda não era um rio seguro para práticas esportivas e de lazer.
Para Gustavo Veronesi, a história do Sena evidencia que, mesmo com um projeto bem-sucedido, alcançar o ideal exige tempo e persistência. “Assim como vimos em Paris, onde um compromisso sério e de longo prazo tem conseguido reverter um quadro de poluição extrema, é possível revitalizar o Tietê. Mas é importante reconhecer que o caminho é longo e desafiador. Precisamos de políticas públicas consistentes e da mobilização de todos os setores da sociedade para que São Paulo e o Brasil tenham, de fato, rios limpos e vivos novamente”, completa.
Sobre o Observando os Rios
O Observando os Rios é um projeto que reúne comunidades e as mobiliza para monitorar a qualidade da água de rios, córregos e outros corpos d’água das localidades onde elas vivem. O monitoramento da água é realizado com uma metodologia desenvolvida pela SOS Mata Atlântica e que utiliza um kit de análise e indicadores de percepção para levantar o Índice de Qualidade da Água (IQA), que é um padrão internacional adotado para avaliar a condição ambiental da água doce e regulamentado no Brasil pela Resolução CONAMA 357 de 2005. Os grupos voluntários fazem a coleta e a medição da qualidade da água uma vez por mês e disponibilizam os resultados em um banco de dados na internet. Os indicadores levantados por todos os grupos de monitoramento são reunidos em relatórios técnicos anuais que formam o retrato da qualidade da água dos rios dos 17 estados da Mata Atlântica.