Maior demanda e balsas limitadas fazem motorista encarar longas filas em travessia no litoral norte de SP
Nas últimas quatro semanas, 151,9 mil veículos de passeio fizeram a travessia de 2.400 metros pelo canal de São Sebastião, o que representa média de 5.200 por dia.
- Data: 17/01/2024 17:01
- Alterado: 17/01/2024 17:01
- Autor: Mariana Zylberkan
- Fonte: FOLHAPRESS
Crédito:Reprodução
Na volta do feriado de Ano-Novo, o ambulante Celso Alves Cordeiro, 70, faturou alto. Ele vendeu R$ 1.700 em pipocas para os motoristas que encaravam a espera de até seis horas para pegar a balsa e fazer a travessia de Ilhabela para São Sebastião, no litoral norte de São Paulo.
Foi um dos dias mais rentáveis para ele, que vende pipoca no local desde 1992. “Naquela noite fomos embora meia-noite e ainda tinha gente esperando”, lembra.
Neste domingo (14), perto do carrinho do pipoqueiro, o comerciante Tulio Castelani, 45, já contava duas horas de espera pela sua vez de atravessar a cancela para o continente após passar o fim de semana com a família em Ilhabela. “Para vir, demorei seis horas, sendo três na fila da balsa. Aqui é gostoso pelas praias, mas perde muito tempo parado. É cansativo”, diz.
Ele conta que até cogitou desistir da viagem, mas, como já tinha pago as reservas de hospedagem, manteve o destino. “A fila estava passando na porta da pousada na sexta-feira”, lembra.
A espera na fila foi ainda superior a seis horas no fim de setembro do ano passado. A demora foi causada pela conjunção de dois fatores que transformam a travessia em um teste de paciência: a alta demanda e as condições dos ventos no canal de São Sebastião.
O volume de carros, principalmente no verão, torna as filas maiores, mas são as paralisações no serviço provocadas pela velocidade do vento na travessia que somam ainda mais horas à já tradicional espera.
Nas últimas quatro semanas, 151,9 mil veículos de passeio fizeram a travessia de 2.400 metros pelo canal de São Sebastião, o que representa média de 5.200 por dia. Em 2023, a média diária foi de 3.900 veículos de passeio, segundo a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil).
Das dez embarcações disponíveis para a travessia, seis param de funcionar quando o vento chega a 25 nós (46,2 km/h) e outras duas, com capacidade menor, ficam inoperantes quando há ventos de 14 nós (25,9 km/h). Há também duas lanchas exclusivas para o transporte de pedestres e ciclistas que só podem navegar em condições de vento de até 21 nós (38 km/h).
Os limites são determinados pela Marinha, responsável pelas regras de navegação, por questões de segurança e são definidos segundo a capacidade das embarcações, a maioria, fabricada há mais de 70 anos, que demanda ser retirada da água para reparos constantes.
Ventos de 67,5 km/h deixaram a travessia fechada por quase dez horas em outubro do ano passado. Empresários, comerciantes e moradores de Ilhabela iniciaram um abaixo-assinado intitulado “Governador Tarcísio, Ilhabela pede socorro”. O colapso também fez a Câmara de Ilhabela convocar audiência pública para a semana seguinte para discutir o tema.
A Semil afirmou que a crise foi causada por alta demanda e condições climáticas adversas. Em relação à fila do dia 2 de dezembro, a secretaria informou que houve um erro no site e o tempo de espera não foi atualizado. Naquele dia, houve espera de até duas horas e meia.
O professor de engenharia naval Marcos Pinto, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, explica que a travessia é comprometida porque a tração das embarcações não tem força suficiente para se sobrepor à força dos ventos e impedir, por exemplo, que a balsa seja jogada pelas ondas para as pedras. “Para evitar isso, seria necessário ter um rebocador reserva para ser acionado nessas ocasiões, o que encarece o serviço”, diz. “Antes de trocar o equipamento é preciso fazer um estudo das condições de segurança e melhorar a análise das condições operacionais”, continua.
As paralisações em decorrência das condições do vento no canal de São Sebastião são recorrentes e, no ano passado, a Semil contabilizou 55 ocorrências. “Temos uma limitação de infraestrutura. Só podemos operar com, no máximo, nove balsas e mais uma reserva. Se colocasse mais uma, ficaria à deriva”, diz a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende.
Segundo ela, a gestão anterior entregou as travessias marítimas do estado em condições precárias. “Sabemos que ainda tem que melhorar bastante”, diz. Procurada, a gestão do ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB) não comentou.
O ex-governador João Doria foi procurado para comentar o assunto, mas não quis se pronunciar.
Nesta atual alta temporada, a Semil informou que a travessia foi paralisada por questões climáticas nos dias 26 de dezembro e 9 de janeiro, quando foram registrados ventos de 28,8 nós (53,3 km/h) e 30,8 nós (57 km/h). As paradas duraram, em média, uma hora e meia.
As rajadas são favorecidas pela topologia de Ilhabela, de origem vulcânica, com montanhas de até 1.375 metros de altura. “A ilha tem picos muito altos e fica próxima à Serra da Mar, o que favorece a condição de corredores de vento e aumento da velocidade das correntes marítimas”, explica o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Esse conjunto de fatores causa mudanças bruscas de navegabilidade no canal de São Sebastião, explica Pinto.
O governo Tarcísio projeta para o início de 2025 o leilão de parceria público-privada para as oito travessias marítimas do estado. A previsão de investimento é de R$ 80 milhões. Diferente de iniciativas anteriores de conceder a gestão das balsas à iniciativa privada, a secretária Resende explica que o novo projeto prevê contratos de longo prazo para amortizar o investimento a longo prazo e subsídios estatais. “É um serviço deficitário em que o custo é maior do que a receita”, diz.
Em 2018, o ex-governador Doria (então no PSDB) anunciou a privatização das travessias litorâneas como promessa de campanha. A licitação foi autorizada em novembro de 2021, mas não houve interessados.
Para este ano, as travessias marítimas paulistas têm orçamento aprovado de R$ 211 milhões, abaixo dos R$ 279 milhões disponibilizados no ano anterior, dos quais foram executados 75%, segundo a secretária. Os cerca de R$ 220 milhões foram usados, em parte, para reformar duas balsas que ligam São Sebastião a Ilhabela, além de tornar adequar à acessibilidade a estrutura da balsa em Guarujá, no litoral sul.