Gilmar diz que não atingiu a honra do Exército e volta a ‘refutar’ militares na Saúde
“Apenas refuto a recrutação de militares para execução de uma política de saúde que não tem se mostrado eficaz”, diz ministro do Supremo Tribunal Federal
- Data: 14/07/2020 09:07
- Alterado: 14/07/2020 09:07
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Ministro do STF Gilmar Mendes
Crédito:Rosinei Coutinho/SCO/STF
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, divulgou nota na manhã nesta terça, 14, “reafirmando o respeito” às Forças Armadas e indicando que “nenhum analista atento da situação atual do Brasil teria como deixar de se preocupar com o rumo das políticas públicas de saúde do País. Em um contexto como esse (de crise aguda no número de mortes por Covid-19), a substituição de técnicos por militares nos postos-chave do Ministério da Saúde deixa de ser um apelo à excepcionalidade e extrapola a missão institucional das Forças Armadas”, afirmou.
A manifestação se dá após diversas reações à declaração de Gilmar que o Exército se associou a um genocídio, ao se referir à crise sanitária instalada no País em meio à pandemia do novo coronavírus, agravada pela falta de um titular no Ministério da Saúde.
Gilmar diz que não atingiu a honra do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica. “Apenas refutei e novamente refuto a decisão de se recrutarem militares para a formulação e execução de uma política de saúde que não tem se mostrado eficaz para evitar a morte de milhares de brasileiros”, destacou.
Atualmente, ao menos 20 militares, sendo 14 da ativa, ocupam cargos estratégicos na pasta.
O ministro disse que no comentário feito no sábado, 11, destacou que as Forças Armadas “estão, ainda que involuntariamente, sendo chamadas a cumprir missão avessa ao seu importante papel enquanto instituição permanente de Estado”.
No texto, Gilmar ainda “conclamou” por uma “interpretação cautelosa do momento atual”, destacando que o País vive uma crise aguda no número de mortes pela Covid-19.
Há 60 dias sem ministro da Saúde, o Brasil já registrou 1.888.889 infectados e 72.950 óbitos pela doença. O general Eduardo Pazuello assumiu interinamente a pasta após o médico oncologista Nelson Teich pedir demissão em 15 de maio. É a primeira vez desde 1953 que o ministério fica tanto tempo sem um titular.
DECLARAÇÃO E REAÇÕES
O comentário de Gilmar que motivou reações do governo Bolsonaro foi feito no sábado, 11, em videoconferência realizada pela revista IstoÉ. “Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa”, afirmou.
“Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”, prosseguiu o ministro.
Após a declaração, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, disse que o ministro “forçou a barra” e “ultrapassou o limite de crítica”. O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo afirmou estar “indignado” com o que chamou de “acusações levianas”.
A pasta anunciou que vai encaminhar uma representação à Procuradoria-Geral da República contra o ministro.
MINISTÉRIO DA SAÚDE E COMANDO
Na última terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro disse que Pazuello não ficará no cargo, mas não sinalizou que procura outro ministro da Saúde. O militar da ativa especializado em questões logísticas assumiu a pasta interinamente após as saídas dos médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
Desde então houve uma mudança de posicionamento do governo federal, alinhada com as declarações do presidente Jair Bolsonaro. A gestão de Pazuello mudou a orientação sobre o uso da cloroquina, passando a recomendar o medicamento desde o início dos sintomas do novo coronavírus, mesmo sem a droga ter eficácia comprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O ministério também deixou de defender benefícios do distanciamento social e traçar estratégias sobre quarentena, usando o argumento distorcido de que o Supremo Tribunal Federal (STF) retirou este poder da União.
Como mostrou o Estadão, o ministro tem sido orientado a ir para reserva caso queira continuar como interino na pasta da Saúde ou deixar o cargo se a opção for permanecer como militar da ativa. Os militares não querem misturar o seu papel com o do governo e, por isso, estão muito incomodados com o tempo que Pazuello já ocupa a pasta da Saúde.
CONFIRA A ÍNTEGRA DA NOTA DE GILMAR
Ao tempo em que reafirmo o respeito às Forças Armadas brasileiras, conclamo que se faça uma interpretação cautelosa do momento atual. Vivemos um ponto de inflexão na nossa história republicana em que, além do espírito de solidariedade, devemos nos cercar de um juízo crítico sobre o papel atribuído às instituições de Estado no enfrentamento da maior crise sanitária e social do nosso tempo.
Em manifestação recente, destaquei que as Forças Armadas estão, ainda que involuntariamente, sendo chamadas a cumprir missão avessa ao seu importante papel enquanto instituição permanente de Estado.
Nenhum analista atento da situação atual do Brasil teria como deixar de se preocupar com o rumo das nossas políticas públicas de saúde. Estamos vivendo uma crise aguda no número de mortes pela COVID-19, que já somam mais de 72 mil. Em um contexto como esse, a substituição de técnicos por militares nos postos-chave do Ministério da Saúde deixa de ser um apelo à excepcionalidade e extrapola a missão institucional das Forças Armadas.
Reforço, mais uma vez, que não atingi a honra do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica. Aliás, as duas últimas nem sequer foram por mim mencionadas. Apenas refutei e novamente refuto a decisão de se recrutarem militares para a formulação e execução de uma política de saúde que não tem se mostrado eficaz para evitar a morte de milhares de brasileiros.