‘Fantosmia’, apesar das falhas, é longa bem equacionado de Lav Diaz
O novo longa de Lav Diaz, apresenta uma jornada de autodescobrimento em meio a uma crítica à sociedade filipina.
- Data: 28/10/2024 17:10
- Alterado: 28/10/2024 17:10
- Autor: redação
- Fonte: Folhapress
Crédito:Reprodução
O cinema do filipino Lav Diaz tem aparecido com frequência nas últimas edições da Mostra Internacional de São Paulo. Goste-se ou não de seus filmes, não se pode negar que tenham uma inquietação autoral genuína.
Dentro do cinema filipino contemporâneo, e da visão crítica que apresentam da sociedade filipina, Diaz cerra fileiras com dois outros diretores controversos: Raya Martin e Brillante Mendoza. Todos eles foram incensados em festivais, mas sempre obtiveram recepções mistas para seus filmes.
Perto dos diretores que reinaram no cinema filipino dos anos 1970 e 80, como Lino Brocka, Mike De Leon e Ishmael Bernal, para ficarmos nos três mais conhecidos, os três contemporâneos praticamente evaporam.
Diaz, o mais interessante dos três, é o diretor dos filmes enormes. Um longa de quatro horas dele equivale a um de uma hora e meia de um diretor convencional. Se ele faz um filme com menos de três horas, muitos chamam, por brincadeira, de curta. Às vezes seus filmes chegam a ter sete, oito horas.
“Fantosmia” é seu longa mais recente. Passa poucos minutos das quatro horas, uma duração, digamos, modesta em sua carreira. E como todos os seus outros filmes, este também alterna bons e maus momentos.
O preto e branco em digital é, mais uma vez, um tanto monótono, ainda que essa monotonia seja procurada pelo diretor como parte de sua estratégia estética.
Na trama um tanto esparsa e menos importante diante da busca formal do diretor, temos um homem, Hilarion Zabala, que sofre de um problema olfativo raro: ele sente cheiros ruins, de coisas fantasmas. É o fenômeno que dá nome ao filme, um tipo de alucinação olfativa.
Hilarion percebe que tem contas a acertar com seu passado no exército, e volta a se alistar, mas desta vez vai trabalhar em uma colônia penal na ilha de Pulo, ao leste de Manila.
Convém não adiantar mais do que acontece na trama. Paramos com pouco mais de um quarto de filme. Basta lembrar que Lav Diaz tem grande admiração pelo escritor russo Dostoievski, e que o sadismo costuma estar presente em seu cinema.
A verdade é que Diaz tem um estilo próximo do convencional. A duração é o que tem de maior radicalidade em seus filmes. Ou, em alguns casos, a extrema violência mental ou física de seus personagens. Quanto maior a minutagem, mais encontramos momentos inspirados ou indigestos, e estes surgem normalmente pela tendência de mostrar o pior do ser humano.
Se comparado com o celebrado “Norte, O Fim da História”, por exemplo, para ficarmos em outro de seus longas com duração beirando as quatro horas, o equilíbrio é muito maior em “Fantosmia”, sem muitos altos, muito menos baixos. Isto faz com que o filme pareça mais palatável ao público de festivais, até mesmo convencional.
Por exemplo, a cena em que o filho ameaça arrebentar a guitarra na cabeça do pai, se estivéssemos em “Norte…”, provavelmente não ficaria só na ameaça. E não teríamos, neste caso, a força do momento seguinte, ainda antes do corte, em que o pai desolado observa o filho descontando a raiva ao quebrar a guitarra no chão.
Ao mesmo tempo, há um domínio maior do drama, da interação entre os personagens, dos textos falados no filme. Há, sobretudo, uma noção maior de como desenvolver a trama. Até as referências parecem inseridas com mais cuidado, como no sonho dos cavalos comendo frutas, alusão ao primeiro longa de Andrei Tarkovski, “A Infância de Ivan”.
O que permanece irregular é o modo como o diretor escolhe posicionar a câmera. Por vezes, passa por um esteta, por outras, parece um principiante sem muito conhecimento de linguagem cinematográfica. Em “Fantosmia”, as escolhas ruins são menos frequentes que nos filmes anteriores. Mas ainda existem.
Longe de significarem rebeldia formal, revelam desleixo, como se o cineasta se esforçasse mais em algumas cenas do que em outras. Como se escolhesse o momento de caprichar e o momento de ligar o piloto automático – uma automatização bem mal ajambrada, aliás, vide a cena de Hilarion com o filho guitarrista na cozinha, ainda na primeira hora.
Tirando esses pecados, a jornada de Hilarion é interessante. Ele está quase sempre de máscara para disfarçar o cheiro ruim, sua família sofre com ele e por causa dele e temos ainda o cotidiano da colônia penal e as pessoas sobrevivendo ao redor. E isto tudo é coroado com uma belíssima imagem final.
Após tantos filmes irregulares, a inquietação de Diaz está bem equacionada, finalmente.
FANTOSMIA
– Avaliação Bom
– Quando Mostra de SP: Qua. (30), às 16h, no Circuito SPCINE Olido
– Classificação 16 anos
– Elenco Ronnie Lazaro, Janine Gutierrez, Paul Jake Paule, Hazel Orencio
– Produção Filipinas, 2024
– Direção Allen Alzola