Ervas e especiarias: fraudes representam riscos à saúde
Os consumidores devem estar atentos à qualidade, principalmente nos estabelecimentos de venda à granel, que muitas vezes escapam dos rígidos controles impostos pelos órgãos reguladores à indústria de alimentos
- Data: 15/01/2024 11:01
- Alterado: 15/01/2024 11:01
- Autor: Redação
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Divulgação/Freepik
Estudos conduzidos pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL) em 2020, 2021 e 2023 revelam a presença de matérias estranhas em ervas e especiarias, o que pode representar sérios riscos à saúde da população brasileira. A análise específica da páprica, por exemplo, revelou que 30% das 43 amostras de 16 marcas continham adulterações, com destaque para a adição frequente de amido de milho. Fragmentos de pelo de roedor e de insetos estavam presentes em 91% e 79% delas, respectivamente. Em relação à legislação sanitária, 88% foram consideradas insatisfatórias e 77% apresentaram quantidade de matérias estranhas acima do limite tolerado
Já em um estudo mais recente, publicado em dezembro de 2023, foram analisadas 48 amostras de cúrcuma moída em pó. As análises revelaram a presença de elementos histológicos de milho em 27% delas, indicando fraude por adição de ingrediente não declarado nos rótulos. Os resultados confirmam a importância de os consumidores estarem atentos à qualidade, principalmente nos estabelecimentos de venda à granel, que muitas vezes escapam dos rígidos controles impostos pelos órgãos reguladores à indústria de alimentos.
Conforme explica Maria Marciano, pesquisadora e diretora técnica do Núcleo de Morfologia e Microscopia do Centro de Alimentos do IAL, embora a ocorrência das matérias estranhas deva ser reduzida ao máximo, algumas são consideradas inevitáveis para determinados alimentos, mesmo com a adoção das melhores práticas disponíveis.
Considerando esse fato, a Resolução RDC nº 623/22 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu limites de tolerância para alguns grupos de alimentos como frutas, produtos de frutas e similares, farinhas, massas, produtos de panificação e outros derivados de cereais, café, chás, especiarias, cacau e derivados, queijos e cogumelos.
“As matérias estranhas toleradas referem-se a algumas sujidades como fragmentos de insetos, fragmentos de pelos de roedor, bárbulas (parte das penas), exceto de pombo e ácaros, em quantidades variáveis de acordo com o produto”, explica.
Para os itens que não foram contemplados com limites de tolerância, mas que tenham alimentos destas categorias em sua composição, os limites devem ser calculados caso a caso, com base na proporção em que estão presentes. Para os alimentos em geral, independentemente da categoria, são tolerados cinco ácaros mortos na alíquota analisada, de acordo com a metodologia analítica preconizada.
A pesquisadora reforça que para a páprica são tolerados até 80 fragmentos de insetos indicativos de falhas das boas práticas em 25 gramas. Para a canela em pó, 100 fragmentos em 50 gramas e, para o orégano, 20 em 10 gramas.
Cúrcuma e noz-moscada apresentam problemas
Em outro estudo, de 2021, o IAL analisou 180 amostras de seis diferentes tipos de especiarias e condimento em pó, sendo 31 de cúrcuma, 25 de gengibre, 29 de noz-moscada, 32 de páprica (doce, picante e picante defumada), 30 de pimenta-do-reino e 33 de colorífico, de marcas distintas com diferentes lotes e prazos de validade. Os resultados das análises microscópicas revelaram que o amido de milho foi o elemento histológico estranho encontrado com maior frequência.
“O colorífico foi o único produto que não apresentou adulterações, porém a grande variação de concentração de bixina (substância química presente no urucum) sugere a necessidade de uma padronização, ou seja, estabelecer valor do teor de bixina nos coloríficos pelos órgãos reguladores. O estudo demonstrou a necessidade da intensificação do monitoramento de adulterações em especiarias para que a comercialização de alimentos confiáveis seja garantida”, sugere Maria Marciano.
Falta inspeção
O Diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), Alexandre Novachi, esclarece que existem no Brasil dois órgãos que fiscalizam a produção de alimentos, sendo eles a Anvisa e o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). O nível de exigência de cada regulamento irá depender da categoria do alimento e, no caso de especiarias e ervas culinárias, a Anvisa atualmente é a responsável pela regulamentação e fiscalização.
Ele reforma que além dos órgãos regulamentadores, há certificações de empresas que atestam a qualidade. A FSSC 22000, por exemplo, contém requisitos de diversas áreas, como gerenciamento de alérgenos, programas de monitoramento ambiental, controle de qualidade, defesa e segurança alimentar, cultura de qualidade e fraude alimentar, garantindo assim uma robustez maior na gestão de segurança. ‘Mas nem todas as empresas seguem essas normas, por isso é preciso que o consumidor esteja atento’, alerta.
Segundo o executivo, as fraudes ocorrem com maior frequência no mercado informal ou em comércios à granel. “É preciso maior fiscalização e conhecimento da população. Empresas sérias são comprometidas com a segurança do alimento e do consumidor e comercializam produtos 100% puros. Elas conseguem garantir a pureza do produto fornecido a partir da gestão eficiente de qualidade e compra de ingredientes de origem confiável O mercado informal não sofre qualquer tipo de inspeção”.
Como se precaver?
Sobre a grande quantidade de amostras com amido de milho, Novachi explica que, por se tratar de uma matéria-prima barata e considerada inerte, ou seja, que não agrega cor ou sabor, acaba sendo utilizada para aumentar o volume. Geralmente, afirma, adulterações com milho e amido de milho são consideradas intencionais, pois o grão não está envolvido no processamento da maioria das especiarias.
“A cadeia de suprimentos de ervas e especiarias é extensa, complexa e globalizada, e é exatamente essa complexidade, associada a questões de demanda, que acabam criando oportunidades para a adulteração, muitas vezes por motivos econômicos”.
Novachi alerta para o fato de que, além dos programas oficiais de combate à fraude de alimentos implementados nos estados e a fiscalização de órgãos regulamentadores, os consumidores também devem ser protagonistas nas suas escolhas e adquirir produtos de marcas e empresas confiáveis. “Quando o preço está muito baixo pode-se desconfiar que a especiaria tenha sido adulterada, pois normalmente o produto 100% puro é mais caro, devido a todo o controle que deve ser feito ao longo da cadeia de produção”, finaliza.
Website: http://www.abia.org br