Documento mostra que partiu de organização do Enem ordem para lotar sala em até 80%_x000D_
Planilha com distribuição de candidatos na UFSC foi encaminhada ao MPF; Inep garantiu à Justiça que capacidade seria de 50% e Defensoria vê mentira do governo sobre protocolos sanitários
- Data: 22/01/2021 16:01
- Alterado: 22/01/2021 16:01
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
A Defensoria Pública da União disse que o governo mentiu à Justiça sobre o cumprimento dos protocolos sanitários
Crédito:Reprodução
Um documento com a distribuição de candidatos em um dos locais de aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) prova que partiu da Cesgranrio, fundação contratada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), a ordem para usar 80% da capacidade das salas de aula no exame. O Enem foi aplicado no último domingo, 17, após questionamentos na Justiça sobre a segurança da prova em meio à segunda onda da covid-19. Neste domingo, 24, os candidatos fazem a 2ª parte do teste.
O porcentual é superior aos 50% de lotação que o Inep, órgão do Ministério da Educação (MEC), informou à Justiça e comunicou aos candidatos em publicações oficiais sobre as medidas de biossegurança para o exame. O Estadão teve acesso à planilha com a distribuição de salas enviada por Arlete Koprowski, funcionária contratada pela Cesgranrio, ao chefe de gabinete da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Áureo Mafra de Moraes. Esse documento foi anexado ao procedimento de apuração aberto pelo Ministério Público Federal (MPF). A Defensoria Pública da União, que moveu ação pelo adiamento do exame e não teve o pedido aceito, disse que o governo mentiu à Justiça sobre o cumprimento dos protocolos sanitários.
A UFSC cedeu cinco prédios para a realização do exame, com a condição de que o limite de ocupação em cada sala fosse de 40% para evitar contaminação pelo coronavírus. A universidade fez levantamento interno da capacidade original de cada uma das salas e do número de alunos que poderiam ser alocados no Enem, considerando esse porcentual de 40%. Essas planilhas foram encaminhadas pela UFSC à Cesgranrio.
As tabelas enviadas pela UFSC à Cesgranrio informam, por exemplo, que no prédio Espaço Físico Integrado 1 (EFI 1), a sala 305 tem capacidade para 100 estudantes e que a lotação reduzida para o Enem deveria ser de 40 estudantes apenas. No entanto, em tabela encaminhada às 10h17 do dia 13 de janeiro por Arlete Koprowski à UFSC consta que a mesma sala seria usada por 81 estudantes.
Os planos com 80% da capacidade se repetem em outros espaços da universidade, conforme o documento encaminhado pela própria Cesgranrio. No Centro de Comunicação e Expressão (CCE) da UFSC, por exemplo, o plano da Cesgranrio era colocar 36 estudantes em uma das salas, embora a UFSC houvesse indicado que o espaço tem capacidade para 44 alunos e que, portanto, deveriam ser alocados 18.
Em trocas de e-mails, desde dezembro, os servidores da UFSC demonstraram preocupação com os planos. “Em contato telefônico com a responsável pela aplicação das provas relativas ao Enem 2020 no Centro Socioeconômico, causou-me estranheza o número de candidatos alocados por sala, neste momento de pandemia”, disse um servidor da UFSC, em mensagem enviada ao MPF.
“Ocorre que em época de normalidade, a ocupação razoável para acomodar os candidatos, no âmbito do Centro Socioeconômico é, na maioria das salas, de 36 candidatos. Causou-me estranheza o fato de o Inep haver alocado 29 candidatos nestas salas, o que, com toda certeza, não resguardará o distanciamento orientado pela Vigilância Sanitária”, continuou.
Uma hora após receber a planilha da Cesgranrio com o ensalamento, em 13 de janeiro, Mafra enviou e-mail a Arlete e ao coordenador-Geral de Gestão e Monitoramento do Inep, Hélio Junio Rocha Morais, cobrando novas explicações e informando que acionaria a Procuradoria Federal. “Fomos surpreendidos na manhã de hoje (13 de janeiro) com a informação de que a organização do Enem (Fundação Cesgranrio) ignorou nossas determinações quanto à capacidade das salas”, escreveu. Segundo Mafra disse ao MPF, não houve resposta.
No dia do exame, estudantes convocados para fazer a prova foram barrados na porta das salas na UFSC pela organização do exame depois que as classes atingiram 50% de ocupação. Eles tiveram de voltar para casa. Episódios de estudantes barrados foram registrados em outros locais de prova como Santa Cruz do Sul (RS), Porto Alegre e Curitiba.
A planilha com o ensalamento elaborada pela Cesgrario foi encaminhada pela UFSC ao MPF em Santa Catarina, depois que o órgão solicitou informações sobre as tratativas entre os responsáveis pelo exame e a universidade. Nesta quinta-feira, 21, após receber a documentação, o procurador da República Eduardo Barragan deu prazo de 48 horas para o presidente do Inep, Alexandre Lopes, informar quais medidas foram adotadas para a realização do Enem e solicitou que sejam tomadas “todas as providências cabíveis, com urgência e transparência, a fim de evitar novos transtornos aos estudantes”.
Também nesta quinta-feira, a três dias da nova rodada de provas do Enem, a UFSC recebeu ligação do Inep solicitando mais salas para a aplicação das provas no próximo domingo. Procurados pelo Estadão sobre os planos de sala com capacidade de 80% enviados à UFSC, nem o Inep nem a Cesgranrio responderam.
UFSJ também questionou plano de ocupação de salas
Na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), no interior de Minas Gerais, a Reitoria também demonstrou preocupação com a segurança dos candidatos que realizariam o Enem nos espaços cedidos pela instituição. O gabinete chegou a enviar dois ofícios ao Inep informando estar “apreensivo” em relação aos protocolos de biossegurança na aplicação da prova.
O segundo ofício foi enviado em 6 de janeiro, um dia após os locais de prova serem divulgados aos candidatos. De acordo com o documento assinado pela vice-reitora da instituição, a professora Rosy Iara Maciel de Azambuja Ribeiro, informações encaminhadas à Reitoria apontavam o planejamento das salas com “ocupação bem superior a 50%”, na contramão da orientação da UFSJ, que estipulava o limite de 25% de lotação nas salas.
Exame é alvo de questionamentos na Justiça
Reportagem do Estadão publicada no dia 14 revelou planos de ocupação superior a 30 estudantes nas salas onde o Enem seria realizado e uso de 80% da capacidade das classes. À Justiça, a Defensoria Pública da União (DPU) afirmou no dia 16, véspera do exame, que o Inep mentiu sobre a capacidade das salas e pediu a anulação da decisão que manteve as datas da prova nos dias 17 e 24 de janeiro. A solicitação foi negada.
Após novo pedido para adiar o exame no próximo domingo, a juíza Marisa Claudia Gonçalves Cucio afirmou nesta quarta-feira que “não há provas cabais de que os protocolos sanitários não foram cumpridos no momento da realização da prova”. E destacou ainda que, se for comprovado que o Inep mentiu quanto à existência de plano de ocupação de 80% e que contava com a taxa de abstenção de 30%, “deverá sofrer as penalidades legais por eventual violação ao dever de lealdade processual”.
No total, cerca de 5,7 milhões de candidatos se inscreveram para o Enem – a Justiça determinou o adiamento do exame só no Amazonas, que viveu um colapso de falta de oxigênio em hospitais. No domingo, a prova teve abstenção recorde, de 51%.