Dinheiro repassado a posto do presidente da Alesp bancaria 50 voltas na Terra

Juntos, pai e filho, o deputado federal Vanderlei e o estadual Cauê Macris, transferiram R$ 881 mil para o empreendimento; depósitos foram feitos durante campanha de 2018

  • Data: 28/02/2019 10:02
  • Alterado: 28/02/2019 10:02
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Estadão Conteúdo
Dinheiro repassado a posto do presidente da Alesp bancaria 50 voltas na Terra

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O posto de gasolina que pertence ao presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Cauê Macris (PSDB), recebeu R$ 615 mil em cheques emitidos pela campanha do pai dele, o deputado federal Vanderlei Macris (PSDB), na eleição de 2018. O valor equivale a 47% do que o pai obteve do fundo eleitoral (constituído por dinheiro público) repassado pelo partido: R$ 1,3 milhão.

O expediente utilizado por Macris foi semelhante ao praticado pelo filho, só que com um volume de recursos maior. Nesta quarta-feira, 27, o Estado revelou que Cauê repassou R$ 266 mil de sua campanha para a empresa Posto União de Limeira Ltda., da qual é sócio. Segundo o tucano, a medida foi tomada para “facilitar o pagamento dos cabos eleitorais” que não possuem conta bancária e moram no interior. Ambos se reelegeram.

Juntos, pai e filho repassaram R$ 881 mil para o posto de combustível, que fica no km 134 da Rodovia Anhanguera, em Limeira, cidade vizinha de Americana, na região de Campinas. Se esse dinheiro fosse gasto com gasolina, seria possível encher o tanque de mais de 3 mil veículos ou dar cerca de 50 voltas na Terra. Ambos, porém, não declararam a empresa como fornecedora de suas campanhas. Afirmam apenas que ela foi intermediária dos pagamentos a cabos eleitorais.

Extratos bancários anexados à prestação de contas de Vanderlei Macris no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que 660 cheques emitidos pelas duas contas eleitorais abertas pela campanha dele no Banco do Brasil foram compensados pela empresa do filho em uma agência bancária do Bradesco que fica na cidade de Americana, berço político da família.

Nesta quarta-feira, Cauê divulgou um vídeo no Twitter no qual afirma que ele mesmo declarou todas as informações sobre os extratos bancários à Justiça Eleitoral e que ela foi “minuciosamente analisada pelo Ministério Público Eleitoral e aprovada pelo Tribunal Regional Eleitoral”. “Não foi feito nada escondido, foi tudo transparente. Repito, eu mesmo declarei essas movimentações”, disse.

De acordo com o TSE, porém, os extratos bancários eletrônicos que estão anexados à prestação de contas disponível na internet e que foram analisados pelo Estado são informados diretamente pelos bancos ao tribunal, conforme resolução de 2017. As campanhas depois devem fornecer as mesmas informações na prestação de contas oficial à Justiça Eleitoral, que avalia a regularidade da contabilidade.

O presidente da Alesp afirmou que fez a triangulação com sua empresa para pagar funcionários de campanha para evitar que seus cabos eleitorais tivessem que se deslocar do interior até a capital, onde estava a agência bancária que abrigou a conta eleitoral. “Para agilizar o pagamento a fim de não desmotivar, inclusive, quem trabalha na nossa campanha, descontamos o cheque em minha empresa para pagar todos os funcionários”, disse. “Temos inclusive todos os recibos assinados por aqueles que trabalharam conosco recebendo os seus salários.”

A prática, contudo, é ilegal, segundo especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pelo Estado. Eles afirmam que a legislação eleitoral estabelece que gastos eleitorais só podem ser efetuados por meio de cheque nominal, transferência bancária ou débito em conta. Apenas “pagamentos de pequeno vulto”, inferior a meio salário mínimo (R$ 477 em 2018), podem ser feitos em dinheiro, mediante apresentação de recibo.

CONTAS
As contas de Cauê foram aprovadas e as de Vanderlei Macris reprovadas pelo TRE. Em nenhum dos pareceres, porém, há menção aos extratos bancários que mostram mais cheques emitidos pelas duas campanhas sendo compensados pela empresa do presidente da Assembleia paulista. A contabilidade das duas campanhas foi feita pelo advogado Marcos Antonio Gaban Monteiro e pelo contador Anderson Orivaldo Ercolin. Monteiro não retornou contato da reportagem e Ercolin disse que não foi o responsável por essas operações.

Apresentados como justificativa para os repasses para o posto de gasolina, os gastos com pessoal representaram cerca de 45% das despesas totais de campanha tanto de Cauê quanto de Vanderlei Macris. O presidente da Alesp declarou ao todo ter gasto R$ 742 mil e o deputado federal, R$ 2,2 milhões. Segundo a prestação de contas, Macris repassou R$ 170 mil da parte que recebeu do Fundo Eleitoral para a campanha do filho.

Em nota, o deputado federal repetiu a versão do filho de que fez uso da empresa de Cauê para “facilitar o pagamento dos cabos eleitorais” e que “utilizou de maneira totalmente transparente e legal o Posto União de Limeira para descontar cheques e garantir a agilidade do pagamento dos trabalhadores de campanha”.

Sobre os recursos repassados pela campanha do pai a sua empresa, Cauê disse, via nota, que Vanderlei Macris “foi a principal dobrada” dele na campanha, “o que significa que houve trabalho conjunto entre ambos”. Tanto o pai quanto o filho ressaltaram que “os cheques emitidos foram nominais, os colaboradores tiveram contrato de trabalho, receberam pelo serviço prestado e assinaram recibo”.

PRÁTICA PODE SER ENQUADRADA COMO CRIME
O uso da empresa do presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Cauê Macris (PSDB), para receber recursos de campanha e pagar cabos eleitorais pode ser alvo de investigação por suspeita de apropriação indevida de recursos públicos de campanha – um crime eleitoral –, segundo especialistas ouvidos pelo Estado.

 “A lei eleitoral veda uso de empresas para pagamentos de despesas de campanha e em espécie. Essa prática é uma irregularidade muito grave. Compromete gravemente a transparência das contas e não comprova a correta destinação de recursos públicos”, afirma Filipe Lizardo, coordenador do curso de pós-graduação em Direito Eleitoral da Uninove.

Segundo ele, a lei eleitoral determina que os serviços prestados a uma campanha sejam pagos por meio de cheque, transferência bancária ou depósito em conta para que o dinheiro possa ser rastreado. “Todos os recursos têm de passar por essa conta e ir direto para o fornecedor, sem intermediário.”

No caso das contas eleitorais de Cauê e seu pai, o deputado federal reeleito Vanderlei Macris (PSDB-SP), entretanto, integrantes do Ministério Público Eleitoral ouvidos pelo Estado disseram que não há mais nenhuma apuração que pode ser feita porque já foram julgadas.

O prazo enxuto e o baixo efetivo de fiscais que fazem as análises das prestações de contas eleitorais são apontados por especialistas como os principais obstáculos para identificar irregularidades nas campanhas. Os tribunais têm até três dias antes da data da diplomação dos eleitos para analisar e julgar as contas de campanha – em São Paulo o prazo para análise das contas de 2.174 candidatos a deputado estadual e 1.686 a deputado federal nas eleições de 2018 expirou em 15 de dezembro.

 “O prazo é curtíssimo. São no máximo 45 dias para analisar inúmeros documentos e emitir um parecer. Em São Paulo, por exemplo, são cerca de 25 servidores que fazem a fiscalização das contas, o que dificulta uma análise profunda”, disse Lizardo.

Segundo ele, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) propôs um projeto de lei para criar cerca de 650 cargos nas unidades de contas eleitorais, mas a proposta foi retirada da pauta após a aprovação da PEC do Teto de gastos públicos, em 2016.

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  • Data: 28/02/2019 10:02
  • Alterado:28/02/2019 10:02
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Estadão Conteúdo









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