Desinteresse por cursos de licenciatura ameaça futuro de professores no Brasil
Desvalorização da profissão e evasão preocupam especialistas e indicam crise educacional
- Data: 26/12/2024 07:12
- Alterado: 26/12/2024 07:12
- Autor: Redação
- Fonte: G1
Sala de aula
Crédito:Rovena Rosa - Agência Brasil
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Ministério da Educação têm observado uma diminuição significativa no interesse por cursos de licenciatura, um fenômeno que se intensificou nos últimos anos. Dados coletados pelo g1 revelam que, enquanto a quantidade de candidatos ao vestibular e a taxa de conclusão dos cursos diminuem, o índice de abandono entre os alunos já matriculados cresce consideravelmente.
Essa tendência tem sido frequentemente mencionada em pesquisas como uma das causas subjacentes para a iminente escassez de professores na educação básica do Brasil nas próximas décadas. Em 2022, um estudo realizado pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras do Ensino Superior (Semesp) previu um possível déficit de 235 mil educadores até 2040.
Um relatório do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), também publicado em 2022, reforçou essa preocupação ao afirmar que o país já enfrenta um “apagão” educacional, evidenciado pelo número insuficiente de vagas preenchidas em vestibulares e pela baixa taxa de docentes atuando em suas áreas. Apenas um terço dos graduados em licenciaturas entre 2010 e 2021 estava efetivamente lecionando em 2022.
Para elucidar esse panorama, a reportagem conversou com representantes dos cursos de formação docente da Unicamp, bem como com Natália Fregonesi, coordenadora de Políticas Educacionais da organização Todos Pela Educação. Ambos os especialistas identificaram a desvalorização da profissão docente como um fator determinante para a queda no interesse pela carreira.
Segundo Natália, “a carreira de professor não desperta mais a atenção dos jovens, principalmente diante das diversas alternativas disponíveis no mercado”. Ela enfatiza que a raiz do problema reside na falta de valorização da profissão.
O desinteresse em números
A Unicamp oferece 15 cursos voltados à formação de professores, sendo seis deles exclusivamente licenciaturas. As disciplinas desses cursos visam preparar novos docentes nas áreas de ciências biológicas, física, letras, química e física integradas, matemática e pedagogia. Os demais cursos oferecem aos alunos a opção de se especializarem ou não na modalidade licenciatura.
Entre os vestibulares realizados entre 2022 e 2025, as licenciaturas apresentaram os menores índices de inscrição, conforme os Anuários da Assessoria de Economia e Planejamento (Aeplan) da Unicamp. Estas formações experimentaram um auge no início dos anos 2000 e mantiveram-se estáveis até pouco antes de 2020; no entanto, desde então, a quantidade de candidatos vem caindo drasticamente.
Outro aspecto preocupante é a relação entre alunos que ingressam na instituição e aqueles que concluem o curso. Segundo dados do Censo da Educação Superior do MEC, as taxas de conclusão acumuladas para todos os cursos da Unicamp são de 68%, com uma taxa de desistência acumulada de 31%. No entanto, quando se trata especificamente dos cursos voltados à formação docente, essas taxas caem para 46% e 54%, respectivamente.
Pedro Cunha, presidente da Comissão Permanente de Formação de Professores da Unicamp, expressou sua preocupação com essa realidade: “O número de jovens que sonham em ser educadores está diminuindo e aqueles que escolhem essa trajetória frequentemente se frustram durante o percurso”.
Cunha observa que a estabilidade na quantidade de formandos nos últimos dez anos contrasta com o potencial maior que poderia ser alcançado. Ele ressalta que o percentual elevado de evasão nos cursos destinados à formação docente é particularmente alarmante.
As causas dessa situação incluem:
- A falta de perspectivas na profissão: A maioria das vagas para professores é oferecida por escolas públicas, onde as oportunidades são limitadas e as condições de trabalho desafiadoras.
- Dificuldades acadêmicas: Muitos alunos provenientes da rede pública enfrentam dificuldades nos primeiros períodos devido à base educacional inconsistente adquirida anteriormente.
Cunha também menciona que a pandemia da Covid-19 impactou negativamente os índices de evasão ao interromper estágios e outras experiências práticas fundamentais para a formação dos futuros professores.
Futuro sem professores?
Natália Fregonesi destaca que essa tendência não é exclusiva da Unicamp; ela reflete uma realidade nacional. O desinteresse pela profissão docente tem crescido em todo o país, resultando em um aumento significativo nas vagas não preenchidas nas instituições educativas.
Em um estudo recente publicado no Jornal da Universidade de São Paulo (USP), foi revelado que alguns cursos de licenciatura apresentam taxas de evasão superiores a 30%, muito acima da média geral observada em outras graduações. De acordo com Natália, as condições adversas enfrentadas pelos professores contribuem para essa falta de atratividade: salários baixos comparados a outras profissões, instabilidade laboral devido à escassez de concursos públicos e falta de divulgação sobre oportunidades mais vantajosas em algumas regiões.
A conclusão é clara: sem mudanças significativas nas condições que envolvem a profissão docente, o futuro da educação básica no Brasil poderá enfrentar desafios ainda maiores.