Brasil pode aproveitar recuo de concorrentes para ganhar mercado em outros países
Mapa da Apex sugere possibilidade de vender mais mesmo para regiões que já são clientes importantes de produtos brasileiros
- Data: 12/02/2024 15:02
- Alterado: 12/02/2024 15:02
- Autor: Douglas Gavras
- Fonte: Folhapress
Crédito:Divulgação/Freepik
O Brasil tem espaço para ganhar mercado mesmo em países que já são os principais destinos das exportações brasileiras, de acordo com dados do Mapa de Oportunidades Comerciais da ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos).
Em 2023, as exportações brasileiras atingiram recorde de US$ 339,7 bilhões, um crescimento de 1,7% ante 2022. Já as importações somaram US$ 240,8 bilhões, uma queda de 11,7% em comparação com o ano anterior – o saldo foi positivo em US$ 98,8 bilhões.
Os principais destinos dos produtos brasileiros no ano passado, considerando as vendas por país e não por blocos, foram China (30,7%), Estados Unidos (10,9%), Argentina (4,93%), Holanda ou Países Baixos (3,57%) e México (2,53%).
Pelo mapa da Apex, é possível consultar onde os principais concorrentes do Brasil em determinados grupos de produtos perderam espaço entre 2018 e 2021 (período mais recente analisado) e como os brasileiros se saíram naquele mercado.
Na China, principal parceiro comercial do país, o maior concorrente do Brasil no segmento de couros, a Itália, teve uma queda de 11,41% nas vendas, enquanto o Brasil avançou 0,07%.
Para Cláudia Trevisan, diretora-executiva do CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China), o avanço da China nas últimas décadas teve impacto positivo sobre a região, que se transformou na mais dinâmica da economia mundial.
“A formação de cadeias de produção eficientes integrou os países da Ásia e muitos dos emergentes experimentaram o mesmo processo de crescimento da renda per capita vivido pela China, o que aumentou sua demanda por alimentos e outros produtos exportados pelo Brasil.”
Segundo ela, o Brasil tem o desafio de criar na China uma imagem de país fornecedor de bens de consumo de qualidade, principalmente no setor de alimentos, mas não apenas.
“Há oportunidades em moda, cosméticos, calçados, sucos e produtos ligados à saúde. E as empresas têm de enfrentar a tarefa de promover suas marcas em um mercado extremamente competitivo. Os três principais produtos de exportação para a China – soja, minério de ferro e petróleo – chegam aos portos, mas não aos shoppings e supermercados chineses.”
Com a transição energética e a meta da China de alcançar neutralidade de carbono em 2060 também há oportunidades em biocombustíveis, principalmente nos setores de aviação e transporte marítimo.
Uma questão que tem preocupado, no entanto, é a deflação chinesa, e os sinais de desaceleração do país. A China teve deflação de 0,3% em dezembro de 2023 no índice de preços ao consumidor. Esse foi o terceiro mês seguido de queda de preços.
Já a Turquia perdeu 15,23% das exportações de derivados de tabaco aos Estados Unidos no período – neste caso, o Brasil está em ascensão, com crescimento de 54,12% nas vendas ao país.
Nas vendas para a Argentina, os chineses tiveram queda de 42,08% no segmento de minérios de alumínio e concentrados, enquanto o Brasil avançou 31,34%.
Mercado importante para a indústria brasileira, a Argentina vive um período de incertezas com a chegada de Javier Milei ao poder, em dezembro. O país, que já enfrentava uma grave crise, passa pelo duro ajuste do governo, que se reflete em queda do consumo e meses de inflação ainda elevada.
Houve também um recuo dos principais concorrentes brasileiros na venda de itens bem díspares, como carnes secas ou defumadas para a Holanda ou turbinas de energia para o México.
De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, ao se observar as oportunidades para as exportações brasileiras divididas por grupo de produtos é possível traçar um plano de ganhar mercado que inclua não apenas produtos básicos, mas também itens beneficiados e com maior valor agregado.
“Uma coisa que estava ruim [com o governo anterior] era a imagem do Brasil lá fora, especialmente na Europa, que é um mercado exigente. Havia uma ausência do Brasil no mundo, Temer e Bolsonaro praticamente não viajavam, enquanto Lula já visitou diversos países. A diplomacia comercial voltou”, diz Jorge Viana, presidente da ApexBrasil.
Segundo ele, o número de empresas apoiadas pela agência aumentou 21% no ano passado. Além de uma revisão da política externa, com a troca de governo, ele diz que a aprovação da reforma tributária será um estímulo para que mais empresas passem a exportar.
“Na bagunça de impostos em que o Brasil vivia, o exportador também era prejudicado. O Brasil também não estava fazendo mais acordos internacionais e isso agora precisa andar. E temos de fazer negócios, o presidente Lula sempre diz que não podemos vender só para os nossos vizinhos.”
A reforma tributária é crucial, principalmente nas exportações, por causa do acúmulo de créditos tributários, concorda o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral.
“Em teoria, não se tributa exportação. Se um fabricante de cadeiras que exporta para a África, compra resina, ferro, paga a mão de obra, isso não deveria ser tributado. Mas, na prática, existe o resíduo tributário que faz com que a exportação fique mais cara do que a dos concorrentes.”
Ele, que é sócio da consultoria BMJ, pondera que, embora o Brasil tenha se tornado competitivo nas exportações de alimentos, o país perdeu terreno em bens industriais mesmo em mercados que já tinham sido conquistados, como os países latinos.
Para Jahmy Hindman, diretor de Tecnologia da fabricante de equipamentos agrícolas John Deere, o Brasil é um dos principais mercados de interesse das grandes fabricantes para a agroindústria e isso não deve ser subestimado.
“O Brasil se transformou em algumas décadas de um comprador de alimentos em um país que alimenta o mundo, com emprego da tecnologia e aumento da produtividade”, diz o executivo.
No ano passado, a empresa anunciou um investimento de R$ 180 milhões em um centro de desenvolvimento de tecnologia voltado para a agricultura tropical, que tem previsão de ser inaugurado no fim de 2024.
A unidade, de 500 mil m², ficará em Indaiatuba (a cerca de 100 km de São Paulo), e tem a expectativa de reduzir em 40% o tempo de desenvolvimento de novos projetos para o país.
Uma análise da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de SP), no entanto, pondera que, embora o saldo recorde da balança comercial no ano passado deva ser comemorado, o país tem uma participação pequena no mercado internacional, de apenas 1,5% na corrente de comércio do mundo.
A entidade ressalta que o Brasil ainda é um país fechado, “cujo modelo de participação no jogo comercial global é de escalada tarifária, que consiste no aumento das tarifas de importação conforme o avanço no estágio de produção”.