Bolsonaro chega à Índia e diz que ‘campo está aberto’ a investimentos
Presidente desembarcou no país nesta sexta-feira, 24, e foi direto para o hotel; agenda oficial só começa no sábado, com visita ao túmulo de Ghandi; Bisneta de Gandhi critica visita
- Data: 24/01/2020 10:01
- Alterado: 24/01/2020 10:01
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo / Brasil de Fato
Bolsonaro parte para a Índia após passar o cargo para o vice
Crédito:Alan Santos/PR
O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta sexta-feira, 24, que o “campo está aberto” para investimentos na Índia. Ele desembarcou na manhã desta sexta-feira, 24, em Nova Délhi para sua primeira viagem oficial ao país. Ele é convidado de honra do Dia da República da Índia, no domingo.
“(O convite) demonstra interesse deles para com o Brasil. Aqui está na casa de 1 bilhão e 200 milhões de habitantes, então por si só você vê que o potencial de comércio com o Brasil é muito grande. Eles têm interesse em nós e nós temos interesse neles”.
A cidade de Nova Déli está com cartazes e outdoors de boas-vindas ao presidente Jair Bolsonaro escritos em português e no idioma local, ao lado do primeiro-ministro Narendra Modo.
O presidente também comentou sobre o etanol, um dos principais assuntos a serem discutidos nas reuniões dos próximos dias. “Se eles agregarem mais etanol na gasolina, o açúcar se equilibra no mundo. Então, tem um campo muito largo para a gente negociar aqui na Índia”.
Convidado de honra do governo indiano para os festejos da República no domingo, 26, em Nova Déli, Bolsonaro também deverá ir a Agra para conhecer o Taj Mahal, um dos principais pontos turísticos do país.
Antes do embarque, Bolsonaro falou sobre a expectativa para a viagem durante uma rápida entrevista na saída do Palácio da Alvorada. O presidente declarou que o Brasil gostaria de ver a Índia utilizar mais etanol em seus combustíveis.
“É um grande interesse nosso é que eles usem mais etanol no combustível deles, que daí, entre a lei da oferta e da procura, eles produzem menos açúcar e ajuda a equilibrar o mercado”, disse Bolsonaro.
Os compromissos oficiais só começam no sábado, 25, e o desembarque em Brasília está marcado para a terça-feira, 28.
No sábado, Bolsonaro se reúne com os três principais líderes de Estado e governo da Índia. Há previsão de reunião com o primeiro-ministro Modi e com o presidente Kovind, que deve ser acompanhado pelo vice Venkaiah Naidu.
ACORDOS NA ÍNDIA
Bolsonaro foi convidado por Modi para acompanhar o Dia da República em novembro do ano passado, quando o primeiro-ministro indiano esteve em Brasília para o encontro de cúpula dos líderes do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Na oportunidade, Bolsonaro e Modi tiveram uma reunião no Palácio do Planalto. Bolsonaro apontou o desejo de ampliar a parceria nas áreas de biocombustíveis e ciência e tecnologia, enquanto Modi ressaltou interesse fortalecer parceria no processamento de alimentos e na área agropecuária.
Com a ida de Bolsonaro à Índia e a nova reunião entre os presidentes, há previsão de assinatura de atos entre os dois países, seguida de declaração à imprensa.
Entre as áreas com maior potencial está o agronegócio. Os indianos pretendem direcionar parte da produção de cana – que hoje vira açúcar – para aumentar a porcentagem de álcool na gasolina. Hoje, essa mistura não passa de 7%. O objetivo é chegar a 10%, até 2022, e a 20%, em 2030. A redução da oferta de açúcar teria um impacto nos preços internacionais do produto. Segundo o governo indiano, para atingir a marca, a experiência do Brasil no setor de biocombustíveis é fundamental.
Antes do embarque, Bolsonaro falou sobre a expectativa para a viagem durante uma rápida entrevista na saída do Palácio da Alvorada. O presidente declarou que o Brasil gostaria de ver a Índia utilizar mais etanol em seus combustíveis. “É um grande interesse nosso que eles usem mais etanol no combustível deles, que daí, entre a lei da oferta e da procura, eles produzem menos açúcar e ajudam a equilibrar o mercado”, afirmou o presidente.
Já os indianos, que são referência em tecnologia e inovação, podem oferecer soluções em áreas como análise de big data, inteligência artificial, internet das coisas e segurança cibernética. Hoje, a Índia é o segundo país com mais startups de tecnologia no mundo.
DIPLOMACIA
“Precisamos de um envolvimento mais próximo entre os interessados nessas áreas nos dois países para resolver nossos desafios de desenvolvimento e crescimento”, resume o cônsul.
Outro fator comum importante que une os dois países é a liderança nacionalista de Bolsonaro e Modi. Ambos lideram grupos políticos conservadores, de tons populistas e com fortes elementos econômicos de caráter liberal.
Brasil e Índia compartilham ainda uma reivindicação histórica: uma vaga de membro permanente na eventual ampliação do Conselho de Segurança da ONU – embora o chanceler Ernesto Araújo tenha dito algumas vezes que a vaga “não é mais uma prioridade” do governo brasileiro.
Bolsonaro será o convidado de honra de Modi para a cerimônia de domingo, a principal festa nacional da Índia – apenas Fernando Henrique Cardoso, em 1996, e Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004, tiveram o mesmo privilégio. Na prática, o convite simboliza o interesse em reforçar os laços com o Brasil – em edições anteriores das comemorações, o governo indiano convidou aliados históricos, como EUA, França, Japão e África do Sul.
“Quando a Índia faz um convite honorário para qualquer presidente é um símbolo de que queremos uma parceria internacional com esse país. Estamos compartilhando valores”, explica o professor Umesh Mukhi, do Departamento de Administração da FGV-EAESP. A Índia é o segundo maior mercado do mundo e um dos países que cresce a ritmo mais acelerado. Desde 2015, o PIB vem aumentando a um ritmo de 7%.
COMITIVA
Um dos atos mais simbólicos será amanhã, na entrega de flores no túmulo do líder pacifista Mahatma Gandhi, decisivo na independência da Índia e uma referência do país de 1,3 bilhão de habitantes. Bolsonaro também deve visitar o Taj Mahal, mausoléu localizado na cidade de Agra, antes de voltar ao Brasil, na segunda-feira.
A agenda do presidente será intensa, inclui encontros com as autoridades indianas e empresários de diferentes setores da economia. Ao seu lado estarão os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tereza Cristina (Agricultura), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), Osmar Terra (Cidadania) e Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
BISNETA DE GANDHI CRITICA VISITA DE BOLSONARO A MEMORIAL
Mahatma Gandhi, líder da campanha de independência indiana na primeira metade do século 20, referência de movimentos por direitos civis e liberdade em todo o mundo, propagou a não-violência como método de luta e enfrentamento às opressões econômicas, políticas e sociais.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, a professora de estudos religiosos Supriya Gandhi, bisneta do líder da independência indiana, afirma que Bolsonaro se junta ao governo local na tentativa de se apropriar e distorcer o legado de Mahatma Gandhi. “Eles querem um Gandhi despido de seu poder e de sua força radical”, analisa.
Supriya Gandhi é Ph.D. pela Universidade de Harvard e professora sênior na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, em estudos religiosos. Na entrevista, às vésperas do 72º aniversário do assassinato de Gandhi, ela também critica a postura repressiva do governo indiano e comenta a relevância dos ensinamentos do bisavô. Confira:
Mahatma Gandhi deixou como legado uma série de críticas e propostas sobre a sociedade indiana na primeira metade do século 20. Qual delas permanece relevante para a Índia hoje?
Eu acho que todas elas são [relevantes]. De certa maneira, Gandhi foi capaz de enxergar o futuro. Gandhi nos lembra as conexões entre democracia, busca da verdade, pluralismo e administração ambiental.
Hoje, líderes populistas e seus partidários prosperam em um mundo pós-verdade, reprimem a democracia e impulsionam a humanidade ao ecocídio.
A ideia de não-violência continua sendo levada adiante pelos trabalhadores da Índia ou é tratada como algo desatualizado, sete décadas após a independência?
A ideia de não-violência brilha através dos protestos pacíficos que estão surgindo em todo o país contra a emenda à Lei de Cidadania, que é discriminatória. O tempo dirá se esses protestos continuarão e se expandirão, mas eles já estão criando solidariedades entre classe, casta e religião.
O Estado está reprimindo esses protestos com medidas repressivas.
Considerando as reflexões de Gandhi sobre o hinduísmo, não é uma contradição que grupos religiosos fundamentalistas sejam acusados ??de cometer esses atos de perseguição e repressão contra os muçulmanos hoje? É possível supor que, se ele estivesse vivo, Gandhi estaria condenando esses atos e a posição do BJP nesses conflitos?
Não é uma contradição, pois esses atos de violência são praticados por quem admira a ideologia do assassino de Gandhi.
Essas práticas constantes de violência não são uma exceção. Elas fazem parte de uma estratégia multifacetada para mostrar às minorias seu lugar e garantir conflitos sociais perpétuos.
O legado de Gandhi está em jogo. No Brasil, por exemplo, o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro fará uma homenagem no memorial de Gandhi em sua visita a Nova Delhi. Bolsonaro atua como defensor da indústria de armas e faz um discurso violento contra minorias. Como você vê esse tipo de homenagem e como analisa a apropriação do legado de Gandhi por políticos considerados autoritários?
Bolsonaro tem muito em comum com a liderança que está no poder na Índia, além de seu completo desrespeito às normas democráticas e à urgência da crise ambiental. Não é de surpreender que ele se junte ao governo local na apropriação de Gandhi e na distorção das ideias e do legado de Gandhi.
O governo e os grupos aliados tentam purgar os fatos sobre o assassinato de Gandhi. Eles querem um Gandhi despido de seu poder e força radical.