Apostadores do Jockey Club não acreditam em fim de corridas e negam maus-tratos a cavalos

Projeto de lei sancionado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) proíbe as apostas na cidade; clube tenta reverter medida na Justiça

  • Data: 30/06/2024 13:06
  • Alterado: 30/06/2024 13:06
  • Autor: Redação
  • Fonte: Leonardo Fuhrmann/Folhapress
Apostadores do Jockey Club não acreditam em fim de corridas e negam maus-tratos a cavalos

Jockey Club de São Paulo

Crédito:Divulgação

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O eletricista aposentado Roni de Carvalho, 75, descrevia na tarde deste sábado (29) o páreo em que o cavalo que ele apostou não venceu. Apesar da recuperação no final, o animal ficou apenas na terceira colocação. Encarava o resultado com naturalidade. “Turfista não tem ambição de ganhar, apenas de recuperar uma parte do que perdeu”, diz.

A resignação deu lugar à indignação quando falou sobre o projeto de lei, aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) que proíbe as corridas de cavalo na cidade. O principal ponto de sua revolta é a alegação que os cavalos sofrem maus tratos nas corridas. “Maus tratos mesmo quem sofre é a gente”, rebate.

Nascido em Itirapuã, no norte de São Paulo, trabalhou na roça desde os cinco anos. Aos 13, fugiu de casa para tentar a vida em São Paulo. Mostra as mãos calejadas de quem trabalhou na construção civil e depois como eletricista com um sorriso de poucos dentes.

“Eu moro atualmente em um albergue, estou no vermelho por dívidas até 2031”, diz. É a quinta vez que vai morar em abrigos públicos. “Já cai e levantei outras vezes.”

Ele conta que costuma ir de vez em quando ao Jockey Club ver as corridas, fica sentado sozinho ou com algum conhecido nas arquibancadas, com o programa de corridas na mão.

“Venho aqui quando estou um pouco melhor de dinheiro”, conta. Ele frequenta o local desde a década de 1970. “Pouco antes de eu começar a vir, era possível empenhar o chapéu ou o paletó”, lembra.

Roni é apenas um dos muitos perfis dos frequentadores do clube na tarde de sábado. Em comum, a convicção que as corridas de cavalo não serão proibidas na cidade e a indignação ao falar sobre os possíveis maus-tratos que justificariam a proibição.

Não faltaram comparações com a situação dos usuários de crack ou os cuidados com as pessoas em hospitais públicos.

Sentada na mesma arquibancada, a publicitária Isabela Garcia, 28, sempre frequenta as corridas e costuma levar amigos para conhecer o local, um prédio tombado pelo valor histórico. “Meu avô foi jóquei e depois virou treinador, como era meu pai e são dois dos meus tios que trabalham aqui”, diz. Um terceiro tio também trabalha com cavalos, mas se dedica ao hipismo.

Um dos maiores medos dela era com a possibilidade de ter que retirar os animais da cidade. “Existe uma dificuldade de transporte especial quando existem grandes competições, imagine se obrigarem todos os proprietários a tirar os animais de uma vez daqui”, afirma. As equipes de treinadores estimam que pelo menos 500 cavalos e éguas moram no clube.

Assim como é o caso dela, muitas famílias vivem em torno das atividades das corridas. É o caso do jóquei Jorge Antonio Ricardo, o J. Ricardo, 62.

Poucos minutos depois de falar à Folha sobre sua trajetória, ele acumulou a sua vitória de número 13.309. Competiu em outros hipódromos no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Uruguai, Inglaterra e França. Seu pai e seus tios também foram jóqueis. Já as filhas preferiram a equitação.

Em 48 anos de profissão, diz que acompanhou diversas mudanças para garantir o bem-estar dos animais. A padronização do tamanho dos chicotes, mais curtos, e o limite de golpes que podem ser dados no cavalo ao longo da prova: oito.

Também filho de jóquei, Antonio Carlos Bolino, 66, é hoje o chefe dos veterinários do clube. Sua função é garantir o bem-estar dos cavalos na competição, além de evitar que tomem alguma substância ilegal.

“Nós temos o poder de excluir os animais de uma corrida se houver qualquer sinal de problema de saúde”, afirma. Segundo ele, o clube conta com um centro cirúrgico veterinário que funciona 24 horas por dia.

No dia a dia, o cuidado com os animais fica por conta das equipes de treinadores. Lucas Quintana, 38, é um desses profissionais. Ele começou a trabalhar no clube em 2001, junto com o pai, um antigo jóquei que lhe ensinou o ofício. Em 2006, pouco antes de morrer, seu pai lhe passou a carteira de treinador.

Atualmente, sua equipe, com dez funcionários, cuida de 40 animais, com monitoramento 24 horas por dia nas cocheiras. Rotina inclui treinamentos, cuidados com os cavalos e éguas, visitas de veterinários e ferradores e pelo menos três refeições diárias.

Ele explica que os animais são criados em haras e chegam ao jóquei aproximadamente aos dois anos. Permanecem nas competições de velocidade até os sete ou oito anos e depois são encaminhados para outras atividades. “Campeões podem se tornar reprodutores e alguns passam para outros esportes como hipismo e polo equestre”, cita.

Dono de duas éguas no Jockey, o empresário Felipe Libertini, 34, acompanhava os páreos acompanhado dos pais, da avó, filhos, esposa e sobrinhos. A família almoçava no restaurante que tem vista para a pista.

“Tenho uma égua que se contundiu faz oito meses e está aqui sendo cuidada. Só vai voltar a correr quando estiver com a saúde em ordem. Para mim, é como os cachorros de casa”, diz. Ele calcula gastar cerca de R$ 3.000 por mês em cuidados com cada uma delas.

Para o presidente da Associação Brasileira de Criadores e Proprietários de Cavalo de Corridas, Julio Camargo, o fato de a lei ser destinada apenas para as corridas de cavalo é uma prova da intenção de atingir especificamente o Jockey Clue, alvo de uma disputa com a prefeitura que se arrasta faz anos por conta de uma dívida de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Ele lembra que existem outros esportes com cavalos na cidade como o hipismo e o polo equestre.

O clube entrou com um mandado de segurança contra a lei. Alega que as corridas de cavalo são regulamentadas por lei federal e que o Ministério da Agricultura fiscaliza a atuação dos hipódromos para garantir o bem-estar animal em todos eles.

Camargo diz que a disputa com a prefeitura tem prejudicado a viabilidade econômica do hipódromo de São Paulo, hoje menos importante no cenário nacional do que o do Rio, principalmente por causa de outros eventos que o clube carioca consegue atrair para sua sede.

“Não deixa de ser um contrassenso que a Câmara Municipal aprove uma lei para proibir corridas de cavalos bem no momento em que o Congresso Nacional se articula para legalizar apostas e inclusive liberar cassinos”, afirma.

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  • Data: 30/06/2024 01:06
  • Alterado:30/06/2024 13:06
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  • Fonte: Leonardo Fuhrmann/Folhapress









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