IA brasileira recebe financiamento para prever epidemias e combater fake news
Projeto do ICMC-USP desenvolve ferramentas acessíveis para análise epidemiológica, bioinformática e detecção de desinformação, facilitando o uso da inteligência artificial na saúde pública
- Data: 25/02/2025 18:02
- Alterado: 25/02/2025 18:02
- Autor: Redação
- Fonte: ICMC-USP
Imagine se, em 2020, fosse possível prever a pandemia de Covid-19 e reduzir seus impactos usando ferramentas de inteligência artificial (IA). Essa possibilidade agora está mais próxima de se tornar realidade graças ao projeto AutoAI-Pandemics: Democratizando o Aprendizado de Máquina para Análise, Estudo e Controle de Epidemias e Pandemias, apoiado pelo governo canadense. Coordenado pelo professor André Ponce de Leon Ferreira de Carvalho, diretor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, o projeto acaba de ser novamente contemplado em uma chamada global, garantindo um financiamento adicional de 206,5 mil dólares.
Em 2023, o projeto já havia sido selecionado em outra chamada do Global South Artificial Intelligence for Pandemic and Epidemic Preparedness and Response Network (AI4PEP), junto com 16 iniciativas, recebendo um financiamento de 362,5 mil dólares do Canada’s International Development Research Center (IDRC) e do UK’s Foreign, Commonwealth & Development Office (FCDO). A iniciativa internacional busca desenvolver e expandir inovações de IA responsáveis, criando uma rede global para análise, estudo e controle de epidemias e pandemias no hemisfério sul.
“Essa conquista é de grande relevância, pois permite ao ICMC colaborar com outros países da América Latina, África e Sudeste e Sul da Ásia no desenvolvimento e compartilhamento de ferramentas de inteligência artificial voltadas para a área da saúde”, comemora o professor André.
Democratizando a IA na saúde pública
O projeto foi o único brasileiro contemplado na chamada, sendo um dos mais bem avaliados entre os 21 selecionados. A ideia nasceu em 2023, a partir da pesquisa de doutorado de Robson Parmezan Bonidia, orientado pelo professor André.
Segundo Bonidia, hoje professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e pós-doutorando no ICMC, o grande diferencial do projeto é o enfoque na democratização da IA: “Nossas ferramentas são acessíveis e permitem que pesquisadores, biólogos e epidemiologistas utilizem as capacidades da IA sem precisar de um conhecimento técnico avançado”.
O projeto contempla uma gama de soluções baseadas em IA e está dividido em três frentes principais:
- Análise epidemiológica automatizada: permite a detecção precoce de possíveis cenários epidêmicos e pandêmicos e a definição de intervenções ideais em políticas públicas;
- Análise automatizada de bioinformática: inclui apoio ao desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas e exploração do material genético de vírus e bactérias;
- Combate à desinformação: auxilia a verificação de fontes de informação verídicas e a mitigação da propagação de notícias falsas relacionadas à saúde.
Ferramentas acessíveis e impacto global
Com o financiamento inicial conquistado em 2023, os pesquisadores desenvolveram uma plataforma multilíngue, acessível globalmente, que já conta com algumas ferramentas:
- BioAutoML: permite análises de sequências biológicas para identificação de patógenos e desenvolvimento de novos medicamentos;
- BioPrediction: possibilita a análise da interação entre vírus e proteínas humanas, facilitando a descoberta de novas terapias;
- MathFeature: destinada a extrair características numéricas de sequências biológicas, como DNA, RNA e proteínas, facilitando sua análise por algoritmos de aprendizado de máquina.
O pós-doutorando do ICMC destaca que os resultados da ferramenta BioPrediction foram comparados com mais de 20 estudos da literatura científica: “Demonstramos que a ferramenta analisa a interação entre vírus e proteínas humanas de forma tão eficiente quanto os especialistas da área, com a vantagem de que nossa tecnologia pode ser utilizada por qualquer profissional, sem necessidade de conhecimento avançado em IA”.
Para utilizar as ferramentas, basta entrar no site da plataforma e selecionar o botão Get Started, que direciona o usuário para um repositório. Cada uma das ferramentas possui um manual de uso, permitindo que qualquer profissional siga as instruções e execute as análises necessárias.
A equipe do projeto, que conta com alunos do ICMC e dois professores da Fundação Getulio Vargas (FGV), Guilherme T Goedert e Cláudio Struchiner, tem investido em palestras e eventos acadêmicos para divulgar as soluções, que já contabilizam mais de 40 mil downloads.
IA contra fake news e futuro do projeto
Outro diferencial do projeto do ICMC contemplado na segunda chamada global foi o desenvolvimento de soluções para detecção de notícias falsas (fake news). Uma dessas soluções é a ferramenta Dominique, que permite a verificação da veracidade de textos, em português e inglês, e está disponível no Telegram. Para utilizá-la, basta buscar Dominique Bot e encaminhar um texto para verificação.
De acordo com o professor André, com o desativamento de ferramentas semelhantes por parte das grandes empresas de tecnologia, esse tipo de solução se torna ainda mais essencial: “No futuro, queremos ampliar a ferramenta para que possa detectar imagens e vídeos falsos. Assim, o usuário poderá simplesmente encaminhar um conteúdo via WhatsApp ou Telegram para nossa ferramenta, e ela fará a análise instantaneamente. Isso tornará a verificação muito mais acessível, já que a maioria das pessoas não acessa sites para checar informações, mas está sempre conectada a essas ferramentas”.
Em pouco mais de um ano de projeto, o AutoAI-Pandemics conquistou quase 25 prêmios e reconhecimentos acadêmicos. O BioPrediction, por exemplo, desenvolvido durante o Trabalho de Conclusão de Curso do aluno Bruno Rafael Florentino, do ICMC, foi premiado no Global Undergraduate Awards 2024, conhecido como o “Nobel dos Jovens”. Foi a primeira vez que um projeto da América Latina recebeu esse reconhecimento.
Já o BioAutoML e a Dominique foram selecionadas entre as 100 inovações mais promissoras do mundo no evento Prototypes for Humanity 2024, realizado em Dubai. O evento reuniu representantes de mais de 800 universidades de 100 países, que avaliaram 2,7 mil propostas. “Normalmente, apenas um projeto é selecionado por país, mas, neste caso, tivemos dois projetos aprovados – algo raro de acontecer”, ressalta o professor André.
Em 2023, Dominique também venceu a competição Falling Walls Lab, representando o Brasil na final internacional.
Com o novo financiamento, a equipe do projeto vai expandir as soluções, além de disponibilizá-las publicamente, como prevê o edital. Além disso, o time será ampliado, e novos alunos do ICMC poderão ser contemplados com bolsas de estudos. A equipe também se prepara para lançar o ChemAutoML, ferramenta que democratizará o uso da IA na descoberta de novos medicamentos, permitindo análises computacionais sem necessidade de conhecimento avançado em programação.