De crítico do comunismo a parceiro de Xi Jinping: Milei muda de estratégia
Durante a cúpula do G20, Milei enfatizou a importância da cooperação comercial entre Argentina e China, destacando os desafios econômicos que seu governo busca superar
- Data: 20/11/2024 09:11
- Alterado: 20/11/2024 09:11
- Autor: Redação
- Fonte: Estadão
Xi Jinping e Javier Milei firmaram compromissos comerciais
Crédito:Divulgação/Casa Rosada
No ano anterior, durante sua campanha presidencial, Javier Milei manifestou-se veementemente contra alianças com nações que ele classificava como comunistas, incluindo China e Brasil, acusando seus líderes de serem “assassinos” e “ladrões”. Essa retórica visava captar a essência do populismo de figuras como Donald Trump e outros expoentes da extrema direita global.
Contudo, em um desdobramento notável, Milei, agora presidente da Argentina, participou na terça-feira, dia 19, da cúpula do G-20 realizada no Rio de Janeiro. Durante o evento, ele apertou a mão do presidente chinês Xi Jinping e comprometeu-se a fortalecer os laços comerciais com a China. Este gesto ocorreu um dia após o ministro da Economia argentino ter firmado um acordo preliminar para exportação de gás natural ao Brasil.
Surpreendentemente, Milei também aceitou uma declaração conjunta dos líderes mundiais na segunda-feira, 18, apesar de anteriormente ter tentado ofuscar a presidência do G20 do líder brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, a quem já havia criticado duramente.
Os momentos finais da cúpula evidenciaram uma faceta pragmática de Milei. Essa mudança é surpreendente considerando suas tentativas anteriores de sabotar várias iniciativas internacionais – incluindo retirar negociadores argentinos da cúpula climática da ONU e votar contra resoluções sobre direitos indígenas e violência contra mulheres.
Relação com a extrema direita
Paralelamente, a Argentina alterou substancialmente sua política externa para alinhar-se com aliados de extrema direita, como a Itália sob a liderança da primeira-ministra Giorgia Meloni, que visitou Buenos Aires recentemente, e Israel.
Na terça-feira, Andrea Tenenti, porta-voz da missão de paz da ONU no Líbano, anunciou a retirada das tropas argentinas dessa força de paz. Embora não tenha sido especificada a razão, Israel vinha pedindo a saída dessas forças desde sua incursão militar em outubro. Mesmo diante dos ataques israelenses à força de paz da ONU, nenhum dos outros 47 países contribuintes se retirou.
Durante as negociações do G20, a resistência argentina centrou-se em questões fiscais sobre os super-ricos e regulamentações do discurso online. Delegados argentinos também buscaram bloquear discussões sobre igualdade de gênero e desenvolvimento sustentável.
Enquanto críticos no Rio viam Milei como um elemento perturbador, seus apoiadores na Argentina o saudaram como defensor de uma “nova desordem mundial”. Recentemente vindo de uma visita ao resort Mar-a-Lago de Trump na Flórida, onde se reuniu com Elon Musk e criticou o socialismo, Milei inicialmente parecia inabalável pelas pressões no Rio.
Sob intensa pressão internacional, no entanto, o gabinete de Milei emitiu uma declaração expressando suas objeções à declaração do G-20. Eventualmente, ele acabou assinando o documento.
“Argentina não é uma grande potência e enfrenta desafios econômicos significativos”, observou Roberto Goulart Menezes, especialista em relações internacionais. Essa pressão foi decisiva para que o país reduzisse sua oposição.
Na primeira reunião entre Milei e Xi Jinping durante a cúpula, os dois discutiram seus laços comerciais existentes e expressaram interesse em explorar novas oportunidades para expansão econômica. A China é um parceiro crucial para a Argentina devido ao seu papel como principal mercado para soja e outras commodities argentinas.
Uma declaração do governo chinês elogiou a disposição de Milei em aprofundar a cooperação bilateral. A China mantém ativos estratégicos na Argentina, incluindo participações em minas de lítio e uma estação espacial na Patagônia. Após insultos proferidos por Milei durante sua campanha eleitoral passada contra o regime chinês, Pequim retomou um acordo cambial valioso que beneficiou as reservas argentinas.
No dia anterior à assinatura da declaração do G20 por Milei, um memorando entre Argentina e Brasil foi assinado para futura exportação de gás natural argentino ao país vizinho. Este movimento pode ter influenciado positivamente a decisão de Milei em relação ao comunicado conjunto do G-20.
Apesar disso, as divergências ideológicas entre os líderes das maiores economias sul-americanas permanecem acentuadas. Fotografias oficiais destacaram essas tensões: enquanto Lula aparecia descontraído ao lado de outros líderes globais, sua imagem com Milei transmitia distanciamento.
Alguns analistas temem que a eleição de Donald Trump encoraje figuras como Milei a afastar-se dos compromissos internacionais sobre questões como mudanças climáticas. Segundo Goulart Menezes, condicionar a política externa argentina ao futuro político dos EUA representa riscos significativos para o país sul-americano.
A ausência notória de Milei na tradicional foto de família do G20 reforça essa posição isolacionista adotada pela Argentina sob seu governo.