Mais da metade dos professores já presenciou casos de racismo em sala de aula
Pesquisa das fundações Itaú e Lemann mostra que 21% dos docentes autodeclarados brancos dizem não saber como lidar com situações de discriminação racial
- Data: 17/09/2024 10:09
- Alterado: 17/09/2024 10:09
- Autor: Redação
- Fonte: Isabela Palhares/Folhapress
Crédito:Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Desde o início do ano, quando começou a estudar em uma escola particular de Guarujá, a filha de Michael de Jesus, de 4 anos, contou aos pais que não era chamada para brincar com os colegas. A princípio a família pensou se tratar de um problema de adaptação com a nova turma.
Passadas algumas semanas, a menina, que é negra, contou que a turma fazia piada de seu cabelo por ser crespo. Os pais relataram a situação para a professora, que falou que iria dar atenção ao caso.
A menina, que sempre gostou de ir à escola, passou a chorar e ficar com o coração acelerado antes das aulas. Até que relatou aos pais que os colegas passaram a dizer que não brincavam com ela por causa da sua cor de pele.
“Demorei a acreditar que minha filha estava sendo vítima de racismo, porque são crianças de 4 anos. Minha filha foi segregada por meses por causa da cor da pele e a escola se fez de desentendida, tratava a situação como um conflito normal de crianças”, diz Michael.
O episódio de racismo no colégio Objetivo Guarujá, na Baixada Santista, não é um caso isolado nas escolas brasileiras. Uma pesquisa feita pelo Equidade.Info, uma iniciativa do Lemann Center da Stanford Graduate School of Education, mostra que 54% dos professores de educação básica reconhecem casos de discriminação racial entre estudantes.
A pesquisa foi feita nos meses de abril e maio deste ano em 160 escolas públicas e particulares de todas as regiões do país e entrevistou 2.889 alunos, 373 professores e 222 gestores. O levantamento é fruto de uma parceria das fundações Itaú e Lemann.
Os dados mostram uma diferença de percepção dos professores sobre a ocorrência de racismo no ambiente escolar. Entre os docentes autodeclarados brancos, 48% relatam ter visto casos de discriminação racial. Já entre os docentes negros, o número sobe para 56%.
A diferença também é percebida entre os estudantes. Enquanto 8% dos alunos brancos dizem que colegas negros não são respeitados em relação ao fenótipo, entre os estudantes negros essa percepção sobe para 13%.
“Os dados mostram que a percepção dos mais vulneráveis a essa violência, que são os negros, é diferente dos brancos, que em sua maioria são os gestores da escola e das políticas públicas”, diz Esmeralda Macana, coordenadora do Observatório Fundação Itaú.
Outro dado do estudo mostra que 21% dos professores brancos disseram não saber o que fazer em casos de racismo dentro da escola. Entre os docentes negros, esse número cai para 9%.
Para Macana, esse dado corrobora o que outras pesquisas mostram sobre o benefícios de alunos negros terem aulas com professores negros. “Os docentes brancos nem sempre têm o mesmo olhar e sensibilidade para as questões raciais, por isso, a representatividade importa tanto dentro da escola.”
Dos gestores entrevistados, 60,9% disseram que suas escolas fazem formação ou discussões coletivas sobre letramento racial com os professores. Além disso, 59,5% deles afirmam ter acompanhamento das secretarias de educação para a implementação de ações de educação antirracista.
Os dados mostram que a percepção dos mais vulneráveis a essa violência, que são os negros, é diferente dos brancos, que em sua maioria são os gestores da escola e das políticas públicas
coordenadora do Observatório Fundação Itaú
“As escolas reconhecem que têm dificuldade de lidar com casos de racismo, faltam referenciais de como tratar essas questões. Há mais de 20 anos nós temos no Brasil uma lei que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira, mas ela não é implementada adequadamente até hoje”, diz Macana.
Para ela, muitas escolas ainda não entendem que o racismo não pode ser tratado como bullying. “Independentemente da idade das crianças, racismo não pode ser tolerado, não pode ser entendido como brincadeira, bullying ou um conflito de relação. Ele não pode ser naturalizado e precisa ser combatido com seriedade desde muito cedo.”
Michael diz que a escola da filha não tratou o caso como sendo de ofensas racistas, mas apenas um desentendimento entre crianças.
“Eu reconheço que é difícil tratar de racismo com crianças de apenas 4 anos, mas eu não consigo entender como a escola pode relativizar uma violência dessa. A negligência me assustou.”
Na quarta-feira (11), depois de Michael cobrar ações da escola, a direção enviou um comunicado em que se comprometeu a fazer uma reunião com as famílias das crianças e fazer rodas de conversa com os alunos. Também deu aos pais a possibilidade de mudar a menina de turma.
“Vão ter uma conversa com a turma para eles entenderem que existem crianças diferentes. Eu perguntei se a diferente nesse caso seria a minha filha e eles disseram que sim. Fica evidente que a escola não sabe lidar com racismo.”
A família decidiu que vai procurar outra unidade para matriculá-la.
Em nota à reportagem o colégio Objetivo Guarujá disse que atua “em favor da diversidade, do antirracismo e de ambientes acolhedores e empáticos”, diz a nota.
Segundo a direção do colégio, qualquer denúncia feita pelos pais é “imediatamente investigada de forma privada, com o zelo e a atenção exigidos quando tratamos de crianças.” Também disse que só soube da “possível situação de racismo” em 2 de setembro.
A escola afirma que contatou as famílias da turma e que os colaboradores passam semestralmente por programas de capacitação sobre o tema.
“Entendemos ser essencial agir para a educação também daqueles que podem ter cometido preconceito. Inclusive, uma das professoras da sala em questão é negra e tem um olhar atento para isso”, diz a nota da escola.