Projeto de inclusão racial ligado ao Nubank vai parar na Justiça
CEO do banco troca acusações no LinkedIn com ONG de treinamento de talentos negros
- Data: 22/07/2024 13:07
- Alterado: 22/07/2024 13:07
- Autor: Redação
- Fonte: Joana Cunha/Folhapress
Crédito:Divulgação
Um projeto de inclusão e diversidade racial incentivado pelo Nubank foi parar na Justiça e virou bate-boca de rede social, com troca de acusações entre David Vélez, CEO do banco, e o norte-americano Gem McCreary, fundador da Talento Total, uma ONG contratada para potencializar carreiras de jovens negros e indígenas.
O conflito, que estourou no LinkedIn neste mês, gira em torno de um fundo filantrópico criado pelo Nubank na ocasião de sua abertura de capital em 2021.
Chamado de Give Back, o fundo foi criado para destinar R$ 18,4 milhões a iniciativas na América Latina para inclusão e educação financeira, tecnologia, inovação e desenvolvimento de lideranças, segundo o banco. Parte do montante, R$ 2,2 milhões, seria direcionada a uma parceria com a Talento Total, que faz preparação e treinamento de candidatos negros e indígenas para MBAs e pós-graduações em direito em instituições internacionais renomadas.
As ações de diversidade do Nubank ganharam notoriedade a partir de 2020, quando o banco se envolveu em uma polêmica racial depois que sua fundadora Cristina Junqueira disse, em uma entrevista ao Roda Viva, que a empresa não podia “se nivelar por baixo” para buscar diversidade na equipe. Na época, para se retratar, o banco divulgou uma carta assinada pelos fundadores afirmando que havia avançado muito pouco na pauta racial e não havia se movido na velocidade exigida pela sociedade.
Na ocasião, o Nubank anunciou diversas medidas e um programa de inclusão racial, com revisão de práticas de RH, expansão da equipe de inclusão, lançamento de um programa de treinamento e mentoria. Em nota, o banco diz que, entre 2020 e o fim de 2023, elevou de 18,3% para 32,3% o percentual de funcionários autodeclarados pretos e pardos.
O contrato da Talento Total foi firmado com os gestores do fundo em dezembro de 2022. Parte do recurso foi repassada à ONG, até que os conflitos começaram.
O embate veio à tona neste mês, quando McCreary divulgou no LinkedIn um texto dizendo que se tornou alvo de um processo na Justiça para cancelar o contrato e exigir devolução de dinheiro. O processo foi movido pela Sitawi, gestora financeira do fundo. Na mesma mensagem, McCreary também acusou o Nubank de usar recursos de origem questionável no fundo e disse ter feito denúncias em órgãos americanos como a SEC (Securities and Exchange Commission), o FBI e o Departamento de Justiça.
Em resposta na rede social, Vélez acusou a Talento Total de fazer mau uso do dinheiro do fundo e ameaçou processar McCreary pela publicação. “Os fundos estavam sendo grosseiramente mal utilizados e mal administrados, incluindo viagens pessoais, álcool e entretenimento. Nós entramos em processo judicial para reaver os recursos e direcioná-los a outros projetos sérios”, escreveu Vélez no LinkedIn.
No processo, a Sitawi pede a devolução de cerca de R$ 1,3 milhão com juros e correção. A gestora diz que a Talento Total descumpriu datas do cronograma, não aplicou o recurso da forma como foi pactuada e deixou de contratar profissionais previstos para a execução. “O referido inadimplemento da obrigação assumida pela ré [Talento Total] atingiu não apenas a atuação da autora [Sitawi] como organização social, mas também trouxe transtornos para o relevante projeto social contido no fundo filantrópico Nubank, com atraso nas medidas de fomento à diversidade e inclusão no Brasil”, diz a gestora no processo.
A ONG rebate, afirmando que o atraso foi causado pelos próprios investidores na formalização do contrato por causa de exigências burocráticas e demora na análise de documentos.
Segundo a Talento Total, as prestações de contas foram realizadas e o projeto foi executado, inclusive com a aprovação de cinco participantes entre 2023 e 2024, em instituições como Chicago Booth School of Business, Stanford, Harvard Business School, Iese, da Espanha, Duke University School of Law, Berkeley Law e outras. Segundo McCreary, 108 pessoas receberam treinamento para o Gmat (prova exigida pelas escolas de negócios) e o Toefl (exame de inglês), e os que atingiram altas pontuações seguiram para a fase de preparação de candidaturas.
Sobre as despesas com bebida alcoólica e alimentação, a ONG afirma que não havia proibição de tais gastos e que é comum realizar coquetéis e eventos de integração entre estudantes e representantes das universidades.
A reportagem perguntou à Sitawi qual foi o valor dos gastos com álcool mencionados por Vélez no Linkedin, mas a gestora não respondeu. Os documentos anexados ao processo mencionam notas que, somadas, giram em torno de R$ 5.200, mas parte delas inclui comida. Com passagens aéreas, os gastos apontam cerca de R$ 54.000, a maior parte para os beneficiários participarem de curso.
Procurado pela reportagem, McCreary afirma que considera ter cometido um erro ao decidir fazer a parceria para o projeto com o fundo do Nubank e diz que soube da repercussão sobre o tema da diversidade gerada no Brasil após a fala de Junqueira no Roda Viva.
“Eu estava ciente dos eventos que ocorreram em 2020 e da reação associada à aparência e à falta de diversidade durante as festividades do IPO em Nova York. Eu genuinamente procurei apoiar o Nubank na busca por grandes talentos, qualificados e capazes de se destacarem nas mesmas universidades de elite dos EUA que os fundadores do Nubank frequentaram”, diz McCreary.
Também procurada pela reportagem, a Sitawi afirma, em nota, que, “em julho de 2023, identificou descumprimento de obrigações assumidas pela Talento Total” e que, “após seis meses, esgotadas todas as possibilidades de resolução dos inadimplementos, o caso foi levado à Justiça”.
Já o Nubank diz, também em nota, que as afirmações de McCreary são infundadas e que avalia medidas cabíveis. Segundo o banco, o fundo está devidamente constituído e a destinação dos recursos é pública, reportada ao menos uma vez ao ano em relatórios produzidos pelo banco e no formulário 20F, submetido à SEC.
“No decorrer da implementação do projeto, foram identificadas inconsistências na atuação da Talento Total, em discordância com cláusulas do contrato, o que culminou com a sua rescisão. O Nubank tomou conhecimento de manifestações públicas feitas pelo CEO da Talento Total nas redes sociais e está avaliando as medidas cabíveis a serem adotadas para defender seus direitos e se proteger das alegações infundadas”, diz a nota.