Aeroportos do Brasil investem contra poluição, mas esbarram em infraestrutura
Em junho, a Anac divulgou o lançamento do Conexão SAF, um fórum que reúne representantes do setor de aviação para promover a produção e o consumo de combustível sustentável no país.
- Data: 07/07/2024 12:07
- Alterado: 07/07/2024 12:07
- Autor: Redação
- Fonte: FolhaPress/Paulo Ricardo Martins
Crédito:Divulgação
Perante as metas ambientais definidas pelo setor aéreo, que pretende zerar a emissão de carbono até 2050, aeroportos passaram a recorrer a soluções como mercado livre de energia, compra de crédito de carbono e até monitoramento de onça para alcançar os objetivos.
No entanto, alguns terminais se deparam com uma infraestrutura antiga e defasada, que gasta mais energia e é pouco eficiente. Além disso, executivos de aeroportos ainda esperam o começo da produção de SAF (sigla em inglês para combustível sustentável de aviação) em grande escala no Brasil, como alternativa ao tradicional querosene de aviação.
Em junho, a Anac divulgou o lançamento do Conexão SAF, um fórum que reúne representantes do setor de aviação para promover a produção e o consumo de combustível sustentável no país.
O lançamento do grupo acontece no momento em que o Congresso Nacional discute o projeto de lei do Combustível do Futuro, que prevê a redução gradual dos gases de efeito estufa emitidos por empresas aéreas.
No aeroporto Catarina, em São Roque (SP), os executivos estudam começar a importar SAF ainda neste ano para abastecer as aeronaves que por ali passam. O combustível polui até 80% menos do que o QAV (querosene de aviação).
O terminal paulista, exclusivo para jatos executivos, foi destaque no levantamento anual da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) que lista os aeroportos mais sustentáveis do país. Na última edição da pesquisa, referente a 2023, o Catarina ficou em primeiro lugar no grupo que reúne terminais com até 200 mil passageiros por ano.
No programa, a agência concede pontuações aos aeroportos com base em dezenas de critérios estabelecidos em edital, tais como gerenciamento do consumo de energia elétrica, elaboração e acompanhamento de indicadores de emissão de gases do efeito estufa, plano de adaptação às mudanças climáticas e monitoramento da qualidade do ar local.
A quantidade de critérios avaliados e seus respectivos pesos ponderados para a nota final, dada em forma de porcentagem, variam de acordo com os grupos dos aeroportos -divididos pela quantidade de passageiros por ano. Terminais com desempenho abaixo de 25% são excluídos da pesquisa.
Segundo a Anac, operadoras de aeroportos como Guarulhos (SP) e Galeão (RJ) não participaram da pesquisa nesta edição.
Augusto Martins, CEO da JHSF, empresa que administra o Catarina, afirma que o terminal já neutraliza as emissões de carbono de toda a sua operação. Agora, o aeroporto anunciou também que vai compensar o abastecimento das aeronaves que passam por São Roque, por meio da compra de créditos de carbono.
Outras ações, de acordo com Martins, incluem monitoramento de felinos da região, especialmente de onças-pardas, operação com rebocadores elétricos e entrada no mercado livre de energia, por meio do qual é possível escolher fontes renováveis para o fornecimento de eletricidade.
Por sua vez, Congonhas, na capital paulista, registrou queda em seu desempenho e viu sua nota passar de 80,42% em 2022 para 56,55% no último ano, resultado que empurrou o terminal para a pior colocação entre o grupo de aeroportos com mais de 5 milhões de passageiros por ano.
De acordo com Marcelo Bento, diretor de relações institucionais e comunicação da Aena Brasil, concessionária que administra o terminal paulistano desde outubro de 2023, a queda está relacionada ao fim da gestão da Infraero no aeroporto.
“A gente teve pouco tempo para atuar no aeroporto. A maior parte desse tempo foi a gestão da Infraero, que estava se desligando e parou de fazer qualquer investimento, por motivos óbvios. A gente está trabalhando muito para que o ano que vem seja melhor para Congonhas”, afirma.
Segundo Bento, a infraestrutura de Congonhas é velha e com muitos remendos. A empresa espera que o terminal se modernize por meio da grande obra de ampliação prevista para ser finalizada até 2028. São mais de R$ 2 bilhões de investimentos previstos para o aeroporto.
O executivo afirma que o primeiro grande investimento a ser feito é a requalificação completa do sistema de ar-condicionado, que, segundo ele, é obsoleto, consome muita energia e emite muitos gases.
Apesar do mau desempenho de Congonhas, a Aena registrou alguns bons resultados no Nordeste. No grupo de aeroportos com até 5 milhões de passageiros por ano, lideraram os terminais de Maceió e João Pessoa, ambos concedidos à companhia espanhola.
Segundo Bento, a companhia ainda não optou por comprar crédito de carbono para evitar acusações de greenwashing -termo usado quando empresas fingem que estão sendo sustentáveis, mas, na prática, não estão.
“A gente ainda tem iniciativas para reduzir ainda mais as nossas emissões. Hoje se considera válido contratar créditos de carbono quando há uma emissão residual. Caso contrário, é o que chamam de greenwashing. [Ou seja,] Você é sujo e está comprando crédito do seu vizinho que é limpo. Por uma questão de ética, a gente não faz isso [comprar crédito de carbono] ainda”, diz.
Entre os aeroportos de maior porte -aqueles com mais de 5 milhões de passageiros por ano-, o destaque foi o terminal internacional de Belo Horizonte, localizado em Confins (MG).
Com uma nota perto de 100% no ranking da Anac, o terminal desbancou o Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e aeroportos como o de Salvador e o de Porto Alegre, que também tiveram nota acima da média do grupo.
Daniel Miranda, CEO da BH Airport, que administra o aeroporto mineiro, afirma que o objetivo da companhia é zerar as emissões no aeroporto até 2044, ano que marca o fim da concessão.
Segundo ele, é difícil adiantar a meta porque ainda não há tecnologia que substitua alguns processos poluentes, diz. Ele cita como obstáculos a escassez de SAF e a falta de um substituto não poluente do gás utilizado no ar-condicionado.
“Existem tecnologias que reduzem a emissão. É o caso do gás R32, que a gente utiliza hoje e tem menos impacto no meio ambiente. Mas ainda não existe tecnologia para zerar esse tipo de poluição”, diz.
Adepto ao mercado livre de energia, o terminal deve passar por uma renovação da frota de ônibus que levam os passageiros às aeronaves. A gestão do aeroporto prevê a chegada de veículos elétricos a partir do próximo ano.
Miranda afirma também que a concessionária está em diálogo com distribuidoras para adaptar a infraestrutura do aeroporto à espera da chegada do SAF.
“Embora a emissão de gases seja uma preocupação predominantemente da companhia aérea, todos os aeroportos estão atentos a essas discussões e têm trabalhado para que a gente explore alternativas junto com as principais partes interessadas -não é só a companhia aérea, mas também órgãos reguladores e as próprias empresas de combustível”, diz Miranda.