Favelas de SP são excluídas das ações de combate à dengue, dizem moradores
Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo diz que locais são contemplados por ações de combate à doença e estão no cronograma das equipes para a próxima semana
- Data: 17/03/2024 08:03
- Alterado: 17/03/2024 08:03
- Autor: Redação
- Fonte: Patrícia Pasquini e Rubens Cavallari/Folhapress
Populações Periféricas
Crédito:Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Moradores de duas favelas da zona sul de São Paulo, no Campo Limpo e no Jardim São Luiz, reclamam da falta de ações de combate à dengue. Eles relataram que não há visitas de agentes de endemias para orientação e identificação de focos do mosquito Aedes aegypti – transmissor de dengue, zika e Chikungunya – dentro das casas e nem fumacê.
Na quinta-feira (14), a reportagem esteve nos distritos. Ambos estão em epidemia pela doença. De acordo com o boletim epidemiológico da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, até esta sexta-feira (15), Campo Limpo tinha incidência de 472,8 casos por 100 mil habitantes, e o Jardim São Luiz, 319,5.
O coeficiente de incidência é o critério da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde para a classificação da doença em relação à população. Quando ultrapassa 300 é considerado epidemia.
Na comunidade Morro da Lua, no Campo Limpo, só na rua Bela Vista pelo menos quatro pessoas pegaram dengue.
Felipe, 2, foi um deles. No início de fevereiro, o menino apresentou febre alta e diarreia persistentes, mas melhorou alguns dias após ser examinado e medicado.
Passado o susto, a comerciante Érica Santos, 20, mãe da criança, redobrou os cuidados. Em sua casa não há plantas ou objetos que acumulam água. Além disso, Felipe não fica mais sem repelente.
O problema é que alguns vizinhos ignoram o perigo da doença. “Eles deixam as caixas d’água destampadas e as lajes cheias de água durante semanas. Assim fica difícil. Faço a minha parte, mas os outros não”, diz Santos.
A reportagem entrou em uma das casas na rua Alexandre Bening e encontrou na laje muitas garrafas acumuladas, sujeira, uma poça d’água com larvas do Aedes aegypti e mosquitos. O morador não se identificou, mas contou que estava há dias com mal-estar, dor nas articulações e picos de febre. O teste de dengue não confirmou o diagnóstico.
Para Olga Próspero, líder da comunidade Morro da Lua há dez anos, o cuidado em relação à dengue só será efetivo com incentivo através das ações do poder público.
“Nunca subiu ninguém para fazer o fumacê e nem para olhar se tem o vasinho da planta, o foco da dengue. Aqui faz falta, porque tem gente que não liga e não vai deixar de colocar a planta com o pratinho cheio de água porque dá dengue. Então, tem que ter um incentivo para ver se o povo cria consciência de que precisa cuidar”, afirma a líder. Segundo ela, ocorreram muitos casos de dengue na comunidade, mas nenhum com gravidade.
Em relação ao fumacê, de acordo com Marcia Castro, professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard, apesar de ser uma ação visível, não é efetivo.
“Essa coisa do fumacê é muito enraizada não só no Brasil como em outros países. Ela é visível, mas não é a melhor medida. O fumacê não resolve o problema. Historicamente, é até usado por políticos em anos de eleição, porque aí parece que ele está fazendo algo”, diz a demógrafa.
Na opinião da especialista, faltam planejamento urbano e proatividade com ações rotineiras. “Há bolsões nas cidades que cresceram sem infraestrutura. Essas áreas estão expostas a vários tipos de vulnerabilidade que podem piorar a doença. Não é só dengue. Essas populações tendem a ser aquelas em que o esgoto passa na porta, não têm acesso a água e nem coleta de lixo. É um absurdo que em pleno século 21 a gente ainda esteja com milhões de pessoas que não têm acesso à água e ao saneamento”, afirma Castro.
A professora lembra que a alta de casos de dengue em 2024 já era anunciada desde o ano passado. “Aí foi preciso você ter quase um milhão de casos para fazer acordo com escolas e campanhas. O que está acontecendo agora, de forma emergencial, deveria ser feito de forma rotineira, porque no emergencial o problema já se instalou. No rotineiro pelo menos há a tentativa de mitigar um problema que está ali e só vai ser resolvido se você prover infraestrutura.”
Segundo Marcia Castro, deve-se antecipar o planejamento, reconhecer as vulnerabilidades locais e implantar ações rotineiras, fazer campanha de conscientização para que todos entendam o problema da dengue.
“Ou fazemos ações que antecipam o problema e mitigam a magnitude do que pode ser, ou estaremos sempre respondendo a emergências”, conclui Marcia Castro.
Na comunidade 21 do Jardim São Luiz, as reclamações se repetem: não há ações de combate à dengue.
“Aqui é um canto esquecido”, diz Paula Lorenzoni, 44, moradora há dois anos e meio no local. Segundo ela, a ação da prefeitura vai até a rua Arlindo Fraga de Oliveira, que dá acesso à favela, mas não se estende à comunidade.
“O prefeito abandonou as comunidades. Antigamente não era assim. Tínhamos o respaldo da prefeitura. Essa gestão está péssima. Deixa a gente desmotivada para qualquer outra gestão que venha pela frente”, comenta Lorenzoni.
Vanda da Silva, 50, reside há 30 anos na comunidade. Ela compartilha a sensação de abandono. “Nunca recebi nenhuma orientação sobre dengue em casa. Nunca a prefeitura veio aqui. Uso repelente, até porque tem o córrego que não é tratado aqui ao lado.”
O córrego cercado por mato alto tira o sono dos moradores. Parte das casas foi construída em cima dele. Quando chove, o alagamento é inevitável.
No mesmo espaço há uma praça, com bancos e brinquedos para as crianças. Os moradores acreditam que o foco de dengue está ali. É a opinião de Benedito Plácido de Lima, 81, que há uma semana foi diagnosticado com dengue. É a situação de pelo menos outras cinco pessoas que circulam pelo espaço.
A falta de informação sobre a doença também reflete nas casas. “Eu cheguei a falar com a agente comunitária de saúde sobre a caixa d’água do vizinho, que estava aberta. Ela respondeu que eu tinha que denunciar na defesa civil. Será que ela não poderia ter ido lá e orientado?”, questiona Gizelle da Silva Mathias, 33, líder comunitária, moradora e atuante no local.
Segundo o infectologista e epidemiologista Guilherme de Sousa, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e pesquisador da Fiocruz (Bahia), evidências mostram que o mosquito está cada vez mais adaptado à água suja. Lajes e calhas também são ambientes propícios para a reprodução do Aedes aegypti.
“Se a água de chuva, por exemplo, fica empoçada numa boca de lobo que não funciona adequadamente, aquela água ali, que não é completamente limpa porque tem detritos da própria rua, lixo, folha e matéria orgânica, serve como local para reprodução do vetor”, explica Sousa.
Sobre a desassistência nas comunidades, o epidemiologista afirma que a violência e o tráfico de drogas podem dificultar o trabalho dos agentes em alguns locais.
Outra questão é o adensamento populacional. “Um número de domicílios muito grande e uma contínua modificação estrutural e surgimento de novas residências, novos comércios. Fica difícil acompanhar e mapear.” Por fim, Sousa explicou que uma parte da dificuldade do enfrentamento das arboviroses passa pelo déficit ou insuficiência de infraestrutura sanitária. “Essas comunidades não são só pouco servidas pelos agentes, mas também pelo governo”, finaliza.
Questionada pela reportagem, a SMS (Secretaria Municipal de Saúde) de São Paulo afirma que os locais citados no Campo Limpo e no Jardim São Luiz são contemplados pelas ações de combate à dengue e estão no cronograma das equipes para a próxima semana. “A aplicação de nebulização (fumacê) é realizada no início da manhã e final da tarde, conforme diretrizes do Ministério da Saúde. A pasta reforça a importância do apoio da população no combate à dengue. O munícipe deve verificar locais em sua residência e se não está deixando recipientes e/ou reservatórios de água que possam impactar na propagação da doença”, disse em nota.
A SMS também afirma que aumentou o número de agentes nas ruas de 2.000 para 12 mil e investiu em novas tecnologias. “Somente em 2024, foram executadas mais de três milhões de ações. Neste mês de março, a pasta passou a contar com drones, 96 conjuntos nebulizadores (caminhonete + equipamento de nebulização veicular) e 200 equipamentos motorizados costais para uso do agente de endemias.”