Como é a peça ‘Perros’, da MITsp, em que os cachorros são os atores protagonistas
Bonelli conta que o presidente ultraliberal, eleito em novembro, deseja extinguir o Instituto Nacional do Teatro e o Fundo Nacional das Artes, dois instrumentos que fomentam a produção artística do país.
- Data: 29/02/2024 15:02
- Alterado: 29/02/2024 15:02
- Autor: Redação
- Fonte: FolhaPress/Gustavo Zeitel
Crédito:Divulgação
A atriz argentina Monina Bonelli cai no choro quando começa a falar sobre o momento político de seu país. “O nosso teatro está passando por um momento complicado, nossa arte está ameaçada”, diz ela, mencionando os planos de Javier Milei.
Bonelli conta que o presidente ultraliberal, eleito em novembro, deseja extinguir o Instituto Nacional do Teatro e o Fundo Nacional das Artes, dois instrumentos que fomentam a produção artística do país.
Bonelli está morando há dois meses na capital paulista. Por aqui, ela desenvolve, em parceria com os brasileiros Celso Curi e Renata Melo, uma intervenção cênica permeada por um pensamento oposto àquele depositado nas urnas argentinas.
Sua pesquisa se concentra nas relações entre comunitarismo, afeto e linguagem teatral. Para a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, que ocorre até dia 10 na cidade, ela resolveu radicalizar e criou uma obra sobre a relação dos seres humanos com os cachorros. E os animais são os atores protagonistas –é isso mesmo.
“Perros: Diálogos Caninos” estreia na terça-feira (5). O experimento ocorre num circuito entre o Parque Augusta e a praça Roosevelt, dois espaços públicos da região central da cidade. Na ação, o participante é convidado a levar o seu cãozinho para o local.
Chegando lá, deve escolher um dos quatro audioguias disponíveis. Cada um deles tem uma narrativa, que sugere um trajeto próprio a ser seguido no passeio. Se o visitante não quiser gastar energia, ele pode escolher uma das experiências imersivas.
Entre elas estão a “Arte Cãocreta”, em que os animais e seus tutores são instigados a criar pinturas, e a “Polis Canini”, uma assembleia interespécie. Como numa ágora, os três idealizadores do projeto vão lançar debates sobre os dilemas relacionados à vida canina da região.
Por exemplo, a desigualdade na alimentação entre os pets da vizinhança e os cães que fazem companhia aos moradores em situação de rua. Bonelli afirma que a alimentação dos animais é um espelho das classes sociais.
“Li alguns livros e descobri que existe toda uma filosofia canina”, diz Bonelli, mostrando seu cãozinho Perri, um yorkshire terrier, pela câmera do computador. “Nossa relação com eles é muito importante para a saúde mental, a pandemia deixou isso muito claro.”
Todos os debates, assim como as histórias contidas nos audioguias, foram extraídas de 250 entrevistas feitas pelos três criadores da ação com a vizinhança dos dois espaços.
Durante o processo criativo da obra, o trio passou a frequentar os locais em diferentes períodos do dia, constatando o padrão de sociabilidade desses ambientes. “Vivi como um cachorro nos últimos dois meses”, afirma a atriz, agora num tom de brincadeira.
No Parque Augusta, os cachorros ficam mais encoleirados, seguindo os donos a todo momento, diz Bonelli. Já na praça Roosevelt, o clima é mais descontraído. Os pets circulam livremente pelo local e podem brincar à vontade. Enquanto isso, os donos, quase sempre jovens e skatistas, se agrupam em rodinhas para papear.
Nesse sentido, as tramas dos audioguias são todas inspiradas em fatos. Escrita por Antonio Prata e Carol Tilkian, “Dor de Cão” conta a história de Jorge, que percebe invejar a relação da ex-namorada com o seu husky siberiano. Já “O Espírito do Amor Verdadeiro”, texto criado por Ivam Cabral, um dos fundadores da companhia Os Satyros, discorre sobre a escolha do cachorro pelo seu dono.
Além da dimensão afetiva e socioeconômica, a tal filosofia canina também provoca um debate sobre a política dos espaços nos centros urbanos, sempre tensionada pela clivagem entre o interesse público e o privado.
De acordo com Bonelli, os “cachorreiros” mantêm a vida dos parques e das praças, num momento em que as grandes metrópoles carecem de verde. Ela diz que, na Argentina, existe um cão para quatro habitantes. Não à toa, afirma que, em Buenos Aires, a disputa por ambientes ao ar livre, com predomínio da natureza, só deve aumentar, com a onda conservadora. “A nossa resistência já está se organizando”, diz.
PERROS – DIÁLOGOS CANINOS
Quando: Ter. (5) às 18h e às 20h15; qua. (6) às 18h
Onde: Parque Augusta – r. Augusta, 200; Praça Franklin Roosevelt s/n; Veja os pontos de encontro e os respectivos horários em mitsp.org
Autoria: Monina Bonelli, Celso Curi e Renata Melo