Apaixonado por remo, o palmeirense dono da Mondial veste camisa do Corinthians
Giovanni Cardoso comanda grupo que tem 460 produtos e domina mercado brasileiro de ventiladores
- Data: 29/10/2023 11:10
- Alterado: 29/10/2023 11:10
- Autor: Alex Sabino
- Fonte: FOLHAPRESS
Crédito:Reprodução/Redes Sociais
O portão da raia olímpica da USP (Universidade de São Paulo) é aberto às 5h30 e Giovanni Marins Cardoso desce do carro com pressa.
“Eu não sei como ele tem tanta energia”, constata, com cara de travesseiro, Anderson, seu motorista particular.
Pouco mais de cinco horas antes, o fundador da Mondial Eletrodomésticos estava em camarote no Allianz Parque vendo seu time do coração, o Palmeiras, ser eliminado pelo Boca Juniors-ARG na semifinal da Copa Libertadores, no último dia 5. Quando comprou o espaço privativo, mandou colocar placa na porta de entrada com a frase “o Palmeiras tem Mondial.”
O trocadilho é brincadeira com a piada mais feita pelos adversários, de que o time nunca conquistou o Mundial de Clubes. É algo que Giovanni já ouviu dezenas de vezes de colegas antes e depois dos treinos da equipe de remo da qual ele faz parte: a do Corinthians.
“Eu tive de explicar em todos os grupos [de WhatsApp] que participo. Eu nasci palmeirense. Minha avó era palmeirense. Mas o Palmeiras não tem equipe de remo. Eu sou atleta de remo e gosto disso. Eu fui para o Corinthians e não tenho nenhum problema com isso. Para mim, não tem nenhum problema defender a bandeira do Corinthians”, afirma, ansioso para colocar logo o barco na água e começar o treino.
À frente do Grupo MK, Cardoso tem as marcas Mondial, AIWA, Xzone e Movitec. Com 5.400 funcionários, estima que o faturamento no ano passado foi entre R$ 5,2 bilhões e R$ 5,4 bilhões. Em sua mesa na sede administrativa do conglomerado, no quarto andar de prédio sem grandes luxos em Barueri (grande São Paulo), ele tem páginas e mais páginas impressas sobre a sua história pessoal e das empresas. Usa as informações em palestras que ministra sobre empreendedorismo.
Giovanni Cardoso possui todos os dados à disposição, mas gosta mesmo é de falar sobre remo.
“É um esporte que não é para qualquer um. Tem de ter muita disciplina”, explica.
Em vez de comentar sobre as projeções que já tem de suas companhias para 2025, cita que em novembro acontecerá o campeonato brasileiro, no Distrito Federal. Quando o inverno mais quente dos últimos 60 anos chegou ao fim, no mês passado, ele comemorou o recorde de venda de ventiladores da África do Sul, onde estava competindo.
A menção a essa viagem o faz sacar o celular do bolso e mostrar vídeo da prova em que conquistou, com a equipe corintiana, a medalha de bronze.
“Se tivesse mais 50 metros, a gente ficava em segundo”, lamenta, mas com tom de orgulho na voz.
Ele não vê grande diferença entre os dois assuntos. Repete que a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, tem uma “cadeira” de remo porque é a parábola perfeita para o mundo dos negócios. Ensina que as quatro pessoas (podem ser oito) que estão no mesmo barco devem remar de maneira sincronizada, com os mesmos movimentos. Isso faz o barco “voar” na água.
Cita que quando rema, está tão concentrado que todos os problemas vão embora. Não há tempo para pensar em mais nada. É a terapia perfeita antes do dia de trabalho que vai começar às 8 e não terá hora para acabar. Seu único intervalo será os 30 minutos em que alguém vai lhe trazer o almoço no prédio em Barueri.
Antes de deixar o vestiário na USP, ele pega um suplemento alimentar para lhe dar energia antes do esporte. E isso também tem tudo a ver com sua vida empresarial.
“É da Black Skull. É minha empresa também. Tenho participação acionária.”
Cardoso bate nos próprios bíceps para mostrar os músculos que o remo lhe deu. É um sinal a mais de vaidade para o empresário que se recusa a dizer a idade (“é uma questão de não divulgar informações para os concorrentes”, tenta explicar) e não tem um fio de cabelo branco na cabeça. Apesar disso, assegura não ser vaidoso.
Ao mostrar as palmas das mãos, são visíveis os calos causados por segurar o remo. Algo que, na juventude, ajudou a conseguir crédito educativo e poupar sua família de pagar as mensalidades da faculdade de engenharia elétrica no Mackenzie.
“A mulher olhou as minhas mãos e deve ter pensado: ‘meu Deus, esse cara puxa carroça!'”, relembra.
Na época, ele já participava da equipe do Corinthians. Algo que parou de fazer em 1999, quando deixou a multinacional francesa Moulinex para criar a Mondial, nome que ficou em sua cabeça ao ver um caminhão passar em frente à janela do seu hotel em Paris.
“Pensei que se um dia montasse uma empresa, teria esse nome. É sonoro. Bonito.”
Ele decidiu ter seu próprio negócio ao perceber que a Moulinex não mudaria um ritmo de trabalho que não era o dele. Para lançar um novo produto, a francesa demorava cerca de 18 meses. Na Mondial, são necessários cinco. A gota d’água foi o presidente da empresa no Brasil lhe dizer que, se em cada um dos 50 países em que a multinacional tinha linhas de produção, houvesse um Giovanni, a “fábrica iria se descaracterizar.”
Ao saber que havia um molde antigo, usado para fabricação de ventiladores, à venda, pediu demissão e resolveu abrir sua empresa. Deu seis cheques pré-datados de R$ 5.000 cada para comprar o equipamento, vendeu o apartamento da família, o carro da mulher e buscou dinheiro de um sócio para ajudá-lo.
Pouco mais de duas décadas depois, o grupo tem 460 produtos e ocupa 52% do mercado de ventiladores no país, 49% de batedeiras, 72% de espremedores de frutas e 53% em Air Fryer, entre outros.
“Eu sou inquieto. Nossas metas são desafiadoras. Quando me dizem que não são factíveis, eu aponto para a janela do escritório e mostro o prédio da Philips. Digo para irem para lá, então. Lá eles têm metas factíveis. Aqui são desafiadoras.”
Faltava apenas se reencontrar com o remo, o que aconteceu no ano passado. Logo se tornou um compromisso das manhãs, de terça a sábado. No que acredita ser mais uma lição de empreendedorismo, diz existir senso de responsabilidade. Se ele faltar, ninguém da equipe poderá treinar e o barco não vai para a água.
É algo que o menino Giovanni, de dez anos, já tinha no mercado do pai em Palmas, cidade de 50 mil habitantes no interior do Paraná. Ele ficava no caixa e impedia os irmão de pegar doces de graça.
“Eu já tinha esse espírito desde cedo, que servia para o empreendedorismo”, afirma.
E para o remo, claro.