Movimento estudantil age como a direita bolsonarista, diz diretor de unidade da USP
A paralisação começou entre alunos e abocanhou demais professores e funcionários. Os estudantes reclamam da falta de professores e do cancelamento de disciplinas
- Data: 22/09/2023 17:09
- Alterado: 22/09/2023 17:09
- Autor: Bruno Lucca
- Fonte: FOLHAPRESS
Crédito:Antônio Misquey/JC
Paulo Martins, 61, afirma estar exausto e deprimido. Desde a última segunda-feira (18), o diretor da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP (Universidade de São Paulo) enfrenta uma greve na unidade, que parece longe do fim.
A paralisação começou entre alunos e abocanhou demais professores e funcionários. Os estudantes reclamam da falta de professores e do cancelamento de disciplinas. Por isso decidiram invadir e ocupar salas de aula por uma noite na segunda (18). Não deu certo. Os prédios foram trancados às 19h, e a polícia, acionada.
Foi Martins quem deu a ordem para fechar os edifícios da unidade, a maior da USP. À Folha ele afirma que soube dos planos dos alunos e temeu que houvesse destruição dos prédios. Diz ainda que poderia ser acusado de prevaricação caso ficasse inerte.
Considera que pode ter se exacerbado em algum momento do caso, mas ressalta que é seu dever zelar pelo patrimônio público. Em razão disso, não cogita fazer qualquer retratação pelo episódio, como pedem os centros acadêmicos da FFLCH.
Oriundo do movimento estudantil e filiado ao PT (Partido dos Trabalhadores), ele critica a metodologia contemporânea do primeiro. “Aqui [na USP], meninos de esquerda usam as mesmas armas da direita bolsonarista: ofendem e naturalizam uso da força”, afirma.
“A turma faz trancaço e cadeiraço por qualquer motivo”, relata. “Na minha época, greve era discursiva, não física.”
Troca de xingamentos
O fechamento da FFLCH causou revolta em parte dos estudantes, que foram em direção à diretoria da unidade para protestar. Martins estava em sua casa, no Jardim Marajoara, na zona sul, quando recebeu um telefonema de sua secretária de que os alunos ameaçavam invadir salas da administração, nas quais são guardados documentos quase centenários. Imediatamente ele pegou um táxi rumo à Cidade Universitária, que fica no Butantã, zona oeste da cidade.
Afirma ter sido recebido por uma espécie de corredor polonês. “Quando me viram, começaram a gritar: ‘Paulo Martins, vai se foder. A FFLCH não precisa de você'”, conta ele. “Me deparei com uma liderança daquele movimento e disparei: vai tomar no cu, porra. Quer me sacanear?”, continua. A cena foi gravada.
Doutor em letras clássicas, afirma estar envergonhado. Mas considera que a reação que teve é normal de um ser humano encurralado.
“Eles não podem atacar alguém assim. Sou responsável por uma unidade com 15 mil alunos, 400 professores e 300 funcionários”, declara. “Estão sendo dias de tristeza profunda. Achei que tinha feito tudo errado. Esses caras são da cultura do cancelamento. Ela mata”.
CHEGADA DE NOVOS PROFESSORES
Após o início da greve, a USP passou a divulgar diariamente emails aos alunos sobre a contratação de professores -além da FFLCH, estudantes de outras unidades também aderiram à paralisação. O reitor, Carlos Gilberto Carlotti Junior, 61, gravou um vídeo sobre o tema, no qual afirma que nunca a universidade trabalhou tanto para contratar docentes.
Segundo a direção da USP, foram abertas 879 vagas desde 2022. Destas, 70 foram endereçadas à FFLCH, que já realizou dez concursos.
Martins diz que há uma disputa interna na unidade pelos cargos. Primeiro, cada um dos departamentos da unidade apresenta sua demanda para uma comissão formada por representantes de todos eles. Os cargos ficam com os mais necessitados.
Depois, há uma disputa interna em cada departamento, entre os cursos. No departamento de Línguas Modernas, por exemplo, francês, inglês, espanhol, italiano e alemão brigam para ter novos professores.
“Sou subordinado a todo esse processo. Não tenho poder para ordenar nada”, diz Martins, que promete que fará todo o possível para realizar os 60 concursos restantes até o fim de seu mandato, em setembro do próximo ano.
Para ele, diante da conjuntura, a greve atual não tem sentido. A enxerga como um problema geracional. “É a vontade de ser USP, de ser FFLCH, de gritar”, afirma. “Eu também já fui assim. Eu entendo. Só não pode mandar o professor tomar no cu.”