A Idade da Peste faz curta temporada no ABC com abordagem contundente contra o racismo
Solo com atuação e direção da premiada atriz Cácia Goulart com dramaturgia do também premiado Reni Adriano terá sessões gratuitas em Ribeirão Pires, São Caetano do Sul e Diadema
- Data: 27/03/2023 17:03
- Alterado: 27/03/2023 17:03
- Autor: Redação
- Fonte: Assessoria
A Idade da Peste
Crédito:Divulgação
O que aconteceria se uma mulher branca de classe média alta realmente se descobrisse branca? A que custo isso se daria, e qual o discurso possível dessa constatação? Foi a partir dessa provocação que o dramaturgo Reni Adriano e a atriz Cácia Goulart conceberam o solo A idade da peste, que ficou em cartaz, entre junho e julho, no SESC Pinheiros, na capital paulista.
Sucesso de público e de crítica, o espetáculo estará em cartaz em curtíssima temporada em três cidades da Região do ABC. A primeira delas será Ribeirão Pires, no dia 19 de abril (quarta-feira), em duas sessões: às 18h e às 20h30. Em seguida, o espetáculo segue para São Caetano do Sul, no dia 28 de abril (sexta-feira), também em duas sessões: 18h30 e 21h. Por fim, encerrando a temporada que tem apoio do ProAC 2022, a peça aporta em Diadema, nos dias 04 e 05 de maio (quinta e sexta), às 19h30. A sessão do dia 04 de maio contará com a presença do autor, que fará um bate papo com a plateia ao final do espetáculo.
Em cena, Senhora C. assiste ao assassinato do filho da empregada, encurralado pela polícia, dentro da sua casa de classe média alta. O episódio desencadeia um profundo exame de consciência em que os desejos inconfessados da branquitude emergem como um marcador racial aterrorizante, questionando a própria possibilidade de justiça em um mundo feito à imagem e semelhança dos brancos.
Mas engana-se quem espera da atuação de Cácia Goulart uma personagem branca se autoelogiando como “antirracista” ou performando mea culpa e comiseração. “Senhora C. não tem esse complexo de Princesa Isabel; não pretende ser reconhecida como a ‘branca redentora’ da causa. Pelo contrário: ela é consciente da infâmia do lugar racial que ocupa, sabe que esse lugar é indefensável”, reflete Cácia, que também assina a direção da peça. Para ela, o risco da abordagem pelo viés escolhido seria a tentação de redimir a personagem, ou cobri-la de elogios por sua consciência racial. “Mas a desgraça dela é saber que não basta ter consciência: ela está, como branca, submersa na indignidade, uma vez que reconhece seu lugar na branquitude, mas é incapaz de desocupar esse lugar privilegiado”, conclui.
Para o dramaturgo Reni Adriano, esse assunto costuma ser violentamente rechaçado por pessoas brancas, porque instintivamente reconhecem que subjaz a esse tema-tabu uma dose dolorosa de vergonha e infâmia. “Mas o status da branquitude se perpetua e se atualiza justamente nesse silenciamento”, pondera. Além disso, o autor, que é negro, ironiza que escrever para uma atriz branca funcionaria como uma espécie de mascaramento para que brancos possam ouvi-lo de boa vontade. “O fato de sermos um país em que negros não têm um dia sequer de descanso só é possível ao preço de que os brancos tenham uma dignidade muito frágil. Eu quero questionar essa dignidade frouxa dos brancos. Debater racismo com negros é fácil; o que eu quero é racializar os brancos em cena e situá-los no lugar de suas responsabilidades”, crava.
Escrita por um dramaturgo negro, portanto, para atuação de uma atriz branca, a peça mobiliza e tensiona os marcadores identitários raciais de modo a evidenciar que, antes de ser um “problema de negros”, o racismo é um flagelo de brancos. O exercício de franqueza de uma mulher branca sobre a perversão de seu próprio status identitário torna A idade da peste uma assombrosa reflexão em que pensar o racismo é um debate sobre o mal.
CRIA DO ABC PAULISTA
Mineiro de Santa Luzia, o autor da peça, Reni Adriano, vive na capital de São Paulo. Mas foi em Diadema que ele residiu, dos nove anos de idade aos primeiros anos da vida adulta. Na cidade é que o autor teve o primeiro contato com diferentes linguagens artísticas, nas diversas oficinas espalhadas pelos bairros. Em uma delas é que arriscou mostrar seus primeiros escritos, e foi encorajado a continuar a escrever em workshops ministrados pela poeta Beth Brait Alvim. Em respeito a suas origens como artista na cidade é que o autor optou por bater um papo com o público ao final da sessão do dia 04 de maio.