Um prefeito protetor de animais

Ele cuida de 18 animais vítimas de maus-tratos e abandono, todos recolhidos das ruas

  • Data: 19/08/2021 07:08
  • Alterado: 19/08/2021 07:08
  • Autor: Andréa Brock
  • Fonte: ABCdoABC
Um prefeito protetor de animais

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Em frente à sua casa espero alguns minutos por sua chegada. Ele chega dirigindo seu próprio carro, com muita simplicidade e sem as pompas de um chefe do Executivo Municipal. A casa, ampla, com vasta área verde, fica localizada num tranquilo bairro na cidade de Santa Cruz das Palmeiras, município de vocação agrícola que faz parte da Mesorregião de Campinas. Na porta da casa já é possível ouvir os latidos dos cachorros que percebem a presença de gente estranha no local. No caminho três galinhos garnisés cuidam da limpeza do jardim e andam tranquilamente ao nosso redor. Após o longo corredor da entrada nos deparamos com 18 cachorros distribuídos em 9 grandes baias; a última dupla com espaço para banho dos pets e apoio para guardar a ração utilizada no mês – 8 sacos de 25 quilos de qualidade premium, além de produtos de limpeza. Nas baias vivem Negão, Jannsen, Pérola, George, Margarida, Barney, Lili, Pulga, Bob, Analu, João, Costelinha, Juju, Rick, Maria Clara, Léo, Francisco e Francisca, todos resgatados das ruas, abandonados ou vítimas de maus-tratos. Estamos na casa do prefeito da cidade, José Crecentino Bussaglia, mais conhecido como Zé da Farmácia, que fez questão de soletrar os nomes para garantir a publicação correta. Comerciante conhecido na cidade, Zé é casado com Ana Leila, também apaixonada por animais, e estão juntos há 41 anos. O casal já cuidou de mais de 100 animais ao longo da união. Em uma chácara de veraneio familiar na cidade ao lado chegaram a cuidar de 40 cachorros que vinham das ruas e ali encontravam lar e carinho.

Animal que encontra no casal abrigo nunca mais é desamparado. “Entrou aqui em casa nunca mais sai. Não dou meus animais, não os abandono. Daqui só saem quando São Francisco decide chamar e mesmo assim os sepulto numa chácara que temos. Lá construímos um espaço para a morada final de nossos animais”, comenta o prefeito que cuida de animais que vão dos 5 aos 20 anos de idade, muitos resgatados na porta de seu estabelecimento comercial, uma conhecida farmácia que tem com a esposa há quase 20 anos na cidade.

A única exceção à regra aconteceu no ano passado: uma denúncia de que animais que residiam num petshop na cidade movida pelo Ministério Público local gerou uma decisão judicial que impunha à Prefeitura retirar os animais do estabelecimento e dar abrigo. Sem ter para onde levar, pois a cidade não conta com Centro de Controle de Zoonoses e o abrigo de animais que funciona no município estar lotado, o prefeito não teve dúvidas: levou todos para sua casa. Aos poucos foram aparecendo tutores e dos 11 animais, 8 foram para novos lares depois de passarem por tratamento. Três ficaram na casa do prefeito e de lá não saíram mais, pois eram os mais debilitados. Zé da Farmácia conta que para um deles foi mais difícil se readaptar. “Como ele viveu desde filhote confinado em caixa de transporte, nós o chamávamos e ele só queria ficar dentro da casinha. Se visse uma caixa de transporte queria entrar. Só ficava olhando para a parede. Era uma tristeza”, conta o prefeito. Hoje readaptado, interage e caminha pela casa com a tranquilidade de quem não precisará mais viver preso em condições desumanas.

A rotina na casa para cuidar da bicharada começa cedo. Às 5h30 o prefeito acorda e vai direto para os canis. Faz a limpeza, troca a água, coloca ração nos potes, checa um por um se está tudo bem e distribui mimos para os 18 moradores do local. O ritual dura pouco mais de uma hora. Depois segue para tomar café com a primeira-dama na mesa da cozinha, que fica localizada em frente ao canil. “Fizemos a construção desse espaço em frente à cozinha para ficarmos olhando para eles, próximos a eles o dia inteiro, no café da manhã, no almoço e no jantar”, me explicou o alcaide enquanto me servia um delicioso bolo de cenoura com cacau sob o olhar atento da galera. Vegetariano, não come carne há anos. “Não me sinto bem”, afirma.

Questionado sobre quais animais marcaram mais a vida do casal, o prefeito se emociona ao lembrar da Gorducha, uma vira-lata que ficou com ele por quase 6 anos e foi abandonada nas ruas por sua tutora que engravidou. Com os olhos cheios de lágrimas, Zé conta que Gorducha ficava na porta da casa esperando que alguém lhe abrisse o portão para entrar. Enxotada e humilhada, foi parar na porta da farmácia. E dali foi recolhida pelo prefeito. Acabou sendo acometida anos mais tarde por um câncer no crânio e faleceu. “Por mais feliz que ela foi conosco, eu sabia que ela tinha sofrido muito antes e por isso acho que teve câncer. O câncer muitas vezes vem da tristeza e do sofrimento e eu só lamento não ter conhecido a Gorducha ainda filhote”, conta triste a história da cadela.

Numa região tradicionalmente conhecida pelos rodeios, Zé da Farmácia já avisa: enquanto ele for prefeito a cidade não terá festa de peão. Recentemente, no aniversário da cidade, Zé fez um Estatuto de Proteção, Defesa e Bem-Estar dos animais, com punição para maus-tratos, regras para guarda-responsável e para guarda temporária, obrigatoriedade de campanhas de castração (que já estão sendo realizadas), proibição e multa para tutores que mantenham animais acorrentados, campanhas de incentivo à posse responsável. Um amplo conjunto de ações que pretende colocar em prática até o final de seu mandato. Muitas já estão sendo executadas. Ao visitar a página oficial da Prefeitura de Santa Cruz das Palmeiras no Facebook já é possível ver campanhas de incentivo à posse responsável e combate ao abandono e maus-tratos.

Questionado se a causa animal foi uma das bandeiras de sua campanha, Zé da Farmacia diz que não. “Sou contra o uso. Acho um desrespeito. Prefeito tem que ter consciência que os animais merecem respeito e não podem ser usados para voto”, afirma. E de fato Zé da Farmácia sequer teve tempo de fazer campanha. Foi eleito prefeito em uma eleição convocada pelo TSE local em virtude da cassação do prefeito anterior. “Praticamente nem fiz campanha, foi muito rápido”, afirmou Zé que assumiu pela primeira vez um cargo público. Para finalizar pergunto ao prefeito se ele cultiva algum sonho e ele me devolve a seguinte resposta: “o de ver os animais serem tratados com o respeito que merecem.”

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
O Brasil recebeu nota geral D na edição 2020 do Índice de Proteção Animal, ranking que classifica os países de acordo com sua legislação e políticas de bem-estar animal. Na primeira edição do índice em 2014, a nota do país era C.

Na classificação por categoria, o Brasil teve o pior desempenho nas leis de proteção aos animais silvestres, animais de fazenda e animais explorados para entretenimento.

A falta de avanços na proteção dos animais de fazenda e silvestres é uma das razões para essa posição. A não proibição das piores formas de confinamento, como gaiolas de gestação para porcas, e a permissão do comércio de animais silvestres – incluindo espécies ameaçadas de extinção, são alguns exemplos da necessidade de mudanças significativas nas leis atuais.

Além disso, a legislação sofreu alguns retrocessos recentemente, entre eles a regulamentação da vaquejada e dos rodeios e a instrução normativa que permite a caça de javalis, ambas em vigor desde 2019. (fonte: .worldanimalprotection.org.br)

Lei Sansão
Em 29 de setembro do ano passado o governo federal promulgou a lei 14.064/20, que aumentou a pena de quem maltrata ou pratica abusos contra cães e gatos. A norma determinou a prática de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação a cães e gatos e ampliou a pena de reclusão de dois para cinco anos, além de multa e proibição de guarda.

O texto publicado alterou a lei de crimes ambientais (lei 9.605/98) por criar um item específico para cães e gatos, que são os animais domésticos mais comuns e principais vítimas desse tipo de crime.

A norma foi batizada de Lei Sansão em homenagem a um cachorro que foi vítima de agressões em Minas Gerais. O pitbull teve as patas traseiras decepadas por um homem em Confins/MG.

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