Ex-aliados acompanham em silêncio desdobramentos da crise militar no Brasil
Avaliação é de que troca de comando nas Forças Armadas faz parte de cenário político doméstico e não cabem comentários precipitados
- Data: 04/04/2021 10:04
- Alterado: 04/04/2021 10:04
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Presidente Norte Americano Joe Biden
Crédito:Official White House Photo by Lawrence Jackson
A crise militar aberta pelo presidente Jair Bolsonaro com a abrupta troca de comando no Ministério da Defesa e nas Forças Armadas é acompanhada de perto por Washington. Mas dentro do governo americano, até o momento, a avaliação é de que os eventos recentes fazem parte de um cenário político doméstico onde não cabem avaliações externas precipitadas.
Democratas no Congresso americano se dividem entre duas alas. Os expoentes da esquerda do partido veem com preocupação os gestos de Bolsonaro e temem uma ruptura democrática. Assessores destes parlamentares dizem que não seria estranho o surgimento de uma carta de repúdio assinada pelos deputados que frequentemente se insurgem contra Bolsonaro no Capitólio com base nos desdobramentos políticos de Brasília.
Já parlamentares centristas, mais próximos ao governo de Joe Biden, entendem a relação com o Brasil como estratégica e defendem um olhar pragmático ao governo Bolsonaro. Para este grupo, a tentativa de politização das Forças Armadas deve ser acompanhada sem sobressaltos por parte de Washington, e com a consciência de que a resistência da própria cúpula militar a esses esforços é um sinal positivo.
Democratas em Washington lembram que Donald Trump também tentou usar as Forças Armadas de maneira política – mas houve reação dos generais. Durante os protestos antirracismo de 2020, militares declararam publicamente ter sido um erro ficar ao lado do então presidente em ato político após manifestantes serem expulsos à força da praça em frente à Casa Branca. O comandante das Forças Armadas dos Estados Unidos, general Mark Milley, pediu desculpas por atrelar as Forças Armadas a um evento político. Para legisladores e diplomatas em Washington, portanto, os EUA também já viveram momentos em que o presidente tentou contar com a politização do exército. Mas tentar não significa conseguir.
Enquanto os desdobramentos no Brasil não são claros, os EUA monitoram a situação silenciosamente. No Conselho de Segurança Nacional e no Departamento de Estado, o comentário sobre a semana brasileira se restringe a dizer que eles “estão cientes dos acontecimentos no Brasil” e “apoiam as instituições democráticas brasileiras”.
Mesmo porque, segundo um experiente assessor parlamentar do Capitólio, Washington não tem tempo para lidar de perto com duas crises simultâneas no Hemisfério Ocidental. E apesar de as questões brasileiras repercutirem nos EUA, ainda estão mais distantes – inclusive geograficamente – do atual impasse com o fluxo de imigrantes da América Central na fronteira com o México. Todos os olhares dos que acompanham política externa na América Latina, segundo este assessor, estão voltados para lá.
E, apesar de as questões brasileiras repercutirem nos EUA, todos os olhares de quem acompanha a política externa na América Latina estão voltados ao impasse com o fluxo de imigrantes da América Central na fronteira americana com o México.
O governo argentino, que se manifestou prontamente quando houve crises militares em países como Bolívia e Equador, desta vez se resguardou. Em uma reunião em que o Brasil foi mencionado, o ministro das Relações Exteriores, Felipe Solá, disse que não há motivo para alarme e que se trata de uma questão interna. No Ministério do Interior, a preocupação maior não é com os militares brasileiros, mas com a crise sanitária relacionada à pandemia de covid-19.
Ex-vice-presidente da Argentina e atual integrante da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Julio Cobos, da opositora UCR, lamentou que o Brasil esteja vivendo “momentos complexos” e observou que “a militarização do poder civil traz consigo uma série de perigos que nossa região conhece muito bem”.
França
Presidente do grupo de amizade França-Brasil da Assembleia Nacional francesa e integrante do partido governista A República em Marcha (centro), a deputada Anne Blanc disse que considera a crise entre oficiais das Forças Armadas com o governo brasileiro ao mesmo tempo “inquietante” e “tranquilizadora”. “Inquietante porque a gente não sabe as razões que levaram a essas demissões, com o risco aumentado de um golpe militar como o que o Brasil conheceu há exatos 57 anos. O lado tranquilizador é que, finalmente, alguns militares não querem ser associados à política de Bolsonaro.”
A senadora do Partido Comunista Francês (PCF) Laurence Cohen, presidente do grupo interparlamentar França-Brasil, disse ter ficado surpresa com os acontecimentos em Brasília.
“O Brasil passa por um momento crítico, com a crise sanitária, e Bolsonaro, com uma sensação de perda de controle dentro do próprio governo, demitiu os ministros, especialmente o da Defesa como uma tentativa de retomar o poder, para mostrar que era ele quem mandava no jogo. Mas ele não esperava as demissões dos três oficiais e eu tenho a sensação de que Bolsonaro sai enfraquecido desta história“, afirmou Laurence.