Entrevista: ‘O PT sai da prisão junto com Lula’, diz Humberto Costa
Líder do PT no Senado afirma que partido precisa articular uma estratégia com o centro político para as eleições de 2020 como primeiro passo para derrotar Bolsonaro e a extrema direita
- Data: 09/11/2019 09:11
- Alterado: 09/11/2019 09:11
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), disse que a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá impacto direto na sobrevivência do partido. “O PT sai da prisão junto com Lula”, afirmou o senador, em entrevista ao Estado.
Na sua avaliação, o PT precisa se articular com o centro, incluindo nesse espectro o MDB, para construir uma aliança contra o governo de Jair Bolsonaro nas eleições municipais do ano que vem. “Se derrotar Bolsonaro e a extrema direita for o grande objetivo político, a gente tem de avaliar essa possibilidade já para 2020”, argumentou ele.
Na prática, a estratégia é o primeiro passo para a disputa de 2022, quando haverá eleição ao Palácio do Planalto. “Nós estamos tentando resistir, sobreviver, enfrentar esse governo e criar as condições de ganhar uma eleição contra eles”, resumiu Costa.
Após a decisão do Supremo Tribunal Federal, que derrubou a prisão após condenação segunda instância, o ex-presidente Lula volta ao cenário político. Ele tem condições de ser candidato em 2022?
Se ele conseguir recuperar os direitos políticos, com certeza será o candidato. Tem muita gente com a visão de que Lula sai com sangue nos olhos, mas eu não acredito nisso. Lula é um aliancista, um conciliador por natureza e certamente cumprirá esse papel de articulador, atuando em defesa da democracia e contra qualquer tentativa de endurecimento do regime. Ele não vai ser um fator de desestabilização.
Qual será o foco do PT a partir de agora?
O PT sai da prisão junto com Lula. A luta pelo “Lula livre” foi também pela própria sobrevivência do PT. E pela tentativa de construção de uma narrativa hegemônica, de que nós fomos vítimas de uma perseguição política, de que houve um golpe. O partido fica agora com mais liberdade para debater outros temas, vai poder se dedicar mais às questões da população, discutir a economia, as lutas sociais, os caminhos para o Brasil sair da crise e fortalecer a oposição ao governo Bolsonaro. Nós estamos tentando resistir, sobreviver, enfrentar esse governo e criar as condições de ganhar uma eleição contra eles.
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado vai pôr em pauta a proposta que permite a execução antecipada da pena, contrapondo-se ao Supremo. Tudo pode mudar de novo?
Será uma disputa política. Mas essa proposta já estava no pacote do Moro (ministro da Justiça, Sérgio Moro) e não teve respaldo nem da Câmara nem do Senado.
O presidente Jair Bolsonaro já disse que será candidato à reeleição, em 2022, e o centro começou a se organizar para encontrar uma alternativa. A esquerda, por sua vez, não parece se entender. É possível construir uma aliança?
Quem está organizado é o Bolsonaro, que quer construir um cenário de uma eleição polarizada. Então, ele fica o tempo inteiro fazendo um movimento para cortar qualquer possibilidade de concorrência nesse campo da direita. Agora, qual é a consistência dessa candidatura do João Doria (governador de São Paulo), do PSDB? Qual é a consistência que tem o Huck (apresentador de TV Luciano Huck), o Witzel (Wilson Witzel, governador do Rio). Qual é a unidade que eles têm? O centro está numa situação de refluxo importante.
Mas o campo da esquerda não está pior?
Não. Hoje, diferentemente de outros momentos, há várias alternativas. No PT, além do nome de Lula – que esperamos ver reconquistar os direitos políticos – há o próprio Haddad (ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad) e governadores bem avaliados. No PC do B, temos o Flávio Dino (governador do Maranhão), no PDT tem o Ciro Gomes. O Ciro o tempo inteiro bate na gente, não quer aproximação. Mas por que o PDT não vai fazer aliança com o PT e com outros partidos de esquerda em 2020?
O sr. também defende uma aliança com partidos de centro?
Eu acho que é possível adotar uma estratégia comum e um bom teste será nas eleições municipais de 2020. Lógico que ninguém vai relegar a um segundo plano o debate dos problemas municipais, mas essa disputa deverá ter um componente nacional muito forte.
Quem seria esse centro?
Em alguns lugares, quem sabe poderíamos (apoiar) uma candidatura do MDB contra um cara de extrema-direita no segundo turno? A gente vai ficar em cima do muro? Se derrotar Bolsonaro e a extrema direita for o grande objetivo político, a gente tem de avaliar essa possibilidade já para 2020. Para 2022 ainda vai rolar muita água…
O PT tem conversado com Luciano Huck também?
Não. Que eu saiba, não.
O sr. postou nas redes sociais, recentemente, cenas de protestos no Chile, alegando que isso pode ocorrer no Brasil. No Planalto dizem que o sr. virou o profeta do caos e incita a violência. Como o sr. responde?
Eu não incitei a violência. Ali era repressão policial, não eram as pessoas que estavam quebrando as coisas. Eu não defendo saque, não defendo destruição de propriedade nem nenhuma forma de violência. Eles é que tentaram dar essa conotação ao post, que talvez tenha sido infeliz na escolha da foto. Quando eu disse “Bolsonaro, sua hora vai chegar”, quis dizer que isso vai acontecer no Brasil se o governo não mudar a política que está implementando agora. O povo vai para a rua. Se quisermos ter paz social, precisamos estar antenados com esse problema da desigualdade, do empobrecimento, da miséria.
Na CPI das Fake News os bolsonaristas chamam o sr., que foi ministro da Saúde no governo Lula, de “Vampirão”. Isso o incomoda?
Não. São coisas que já foram julgadas pela Justiça e outras que nem sequer foram julgadas porque tive processos arquivados. A nova política, para eles, é promover o espancamento do adversário, ao invés de debater ideias. Agora, o grande medo deles na CPI não é quanto à eleição de 2018, que não será anulada. O receio é que, se esse esquema de divulgação de fake news for desvendado, todos vão perder a principal arma política que têm hoje, que é a operação dessas milícias digitais nas redes sociais.
O deputado Eduardo Bolsonaro defendeu a edição de um novo AI-5 no Brasil para conter eventual radicalização de esquerda. O sr. acha que isso reflete o pensamento do governo ou é algo isolado?
O objetivo estratégico de Bolsonaro é um endurecimento do regime. E, aqui e ali, ele faz um balão de ensaio para ver se tem apoio. O que Eduardo fez foi isso. Felizmente, a reação da sociedade foi muito forte porque o povo não quer ditadura. Eu não acredito que esse governo termine.
Por quê?
Porque é instabilidade permanente. O governo não tem base no Congresso. A agenda que ele tem coincide hoje com a da maioria do Congresso, especialmente o Centrão. Mas, muitas vezes, as políticas que aplica vão contra a sua própria agenda econômica. Veja por exemplo esse negócio do pré-sal. Lógico que há vários aspectos técnicos que fizeram com que o leilão não acontecesse da forma com que eles queriam. Mas tem um componente importante, que é a insegurança política que o Brasil tem hoje com esse governo. Essa agenda contra o que é politicamente correto, contra a ideia de preservação do meio ambiente, tudo tem repercussão hoje em dia.
O sr. fez uma enquete no Twitter para saber se os nordestinos achavam o governo Bolsonaro democrático, mas, pelo que está ali, 82% avaliam que sim. O vereador Carlos Bolsonaro aproveitou para criticá-lo. Foi um erro essa enquete?
Não. Na verdade, nesses 82% basta olhar as pessoas que votaram para a gente ver que é bot (aplicativo de simulações humanas). É bot que chama, não é? A maior parte é robô. Por outro lado, conseguimos mobilizar muita gente e isso agitou nossa rede social. Fica uma pitada de bom humor nesse negócio aí.