Leandro Karnal reúne suas crônicas
Leandro Karnal dedica o seu novo livro de crônicas, O Mundo Como Eu Vejo, para sua mãe, morta em novembro passado
- Data: 24/07/2018 11:07
- Alterado: 24/07/2018 11:07
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
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“Meus livros, querida mãe, são uma maneira de você renascer sempre”, escreve na dedicatória do volume, publicado agora pela Contexto com artigos que o colunista escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo nos últimos dois anos. O livro tem lançamento nesta terça-feira, 24, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2.073), com um bate-papo do autor com o jornalista Ubiratan Brasil, do Estado de S. Paulo.
Na entrevista a seguir, Karnal reflete sobre o fazer do cronista e sobre os temas que perpassam a sua produção.
Você menciona que a responsabilidade do autor sobre o texto na mídia é vaga, e que pela mesma frase leitores podem “acusá-lo” de coisas diferentes. O motivo de isso acontecer o preocupa?
Sempre houve amplitude interpretativa. Cada pessoa ouve e vê algo e dali cria conclusões livres e subjetivas. Como já foi dito, a responsabilidade sobre o que escrevo é minha; sobre o que você entende é sua. Como temos mais gente dando opinião sobre todas as coisas, é natural que tenhamos multiplicado o acesso à informação na mesma medida em que multiplicamos as muitas interpretações. Talvez o que mais me preocupe seja a incapacidade de o leitor ver uma ideia que não seja do seu cânone, como se ele encontrasse uma barreira imediata e intransponível.
Em época de governos usando o termo “fake news” contra textos e imagens que claramente não são falsos, colocando assim a liberdade de imprensa em questão, o que é possível fazer para não confundir o leitor?
Acho que existem fake news avulsas e sem sentido e existem as intencionalmente políticas e dirigidas a um alvo. Quando se trata de um projeto, o recurso é misturar o falso com o verdadeiro e também multiplicar a ideia de que tudo seria uma questão de opinião. O próprio excesso de informações é uma maneira de confundir leitores.
Ao mesmo tempo, como não cair no “relativismo extremo”, que você menciona em uma das crônicas?
O relativismo é bom e parte do projeto de viver em sociedade complexa e multifacetada. Ele tem limites claros: em questões ético-legais como o racismo, não existe relativismo. Assim, posso relativizar se você é religioso ou ateu, hétero ou homoafetivo, etc. Não posso relativizar o racismo ou a defesa da vida humana. Não existe nenhuma virtude ou defeito inerentes a ser de direita ou de esquerda. Se alguém defende assassinatos, tanto faz se a mão que mata for destra ou canhota. Vida não é relativa. Posso relativizar seu espectro político, nunca a questão da vida.
Como a sua percepção sobre os leitores mudou depois de dois anos escrevendo em um jornal de grande circulação?
Aprendi muito. Primeiro o esforço permanente de mirar em um texto nem tão linear e nem tão denso que afaste o leitor médio. Escrevendo, creio, estou aprendendo a escrever, tautologia básica. Um jornal de grande impacto é um megafone e você entra em um jogo muito sério de cena.
Que papel você acredita que a fé vai exercer sobre o Brasil nos próximos meses, no cenário eleitoral?
A fé é um sentimento subjetivo e individual, no sentido de crença pessoal. Organizada em grupos como as religiões, ela apresenta imensa força política. Os candidatos, todos, precisam frequentar centros religiosos e, de preferência, invocar os valores religiosos e o nome de Deus. Em todo discurso, há a ideia de um mundo mais perfeito que teria ficado para trás, onde família, patriotismo e religião eram mais importantes. O manto da religião sempre foi necessário ao político, Maquiavel disse textualmente o mesmo no capítulo 18 de O Príncipe. A novidade é que os políticos mais em evidência não estão apresentando ideias ou programas, mas biografias e valores pessoais que buscam o eleitor. Trata-se de uma eleição axiológica, ou seja, de julgamento de valores. Em resumo, algo de narcisismo: “Você me representa”, porque repete o que eu suponho que eu seja.
O MUNDO COMO EU VEJO
Autor: Leandro Karnal
Ed.: Contexto (272 págs)
Lançamento: 3ª (24), 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2.073)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.