Sites pornográficos usam fotos roubadas de menores
Reportagem do Estadão leva MPF a investigar os sites de pornografia. Divulgar é crime previsto no ECA além de crime de ofensa. O lucro dos proprietários é grande e a impunidade caminha
- Data: 13/06/2016 09:06
- Alterado: 13/06/2016 09:06
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:
O Ministério Público Federal (MPF) vai investigar sites de pornografia que lucram com fotos roubadas de mulheres e adolescentes, após denúncia revelada pela reportagem no domingo, 12. Na esfera criminal, o órgão vai apurar a disseminação de imagens de pornografia infantil, crime que pode dar de 3 a 6 anos de prisão. Já na área cível, a Procuradoria estuda investigar crime de ofensa por discriminação de gênero.
A reportagem levou ao MPF os nomes de todos os sites e explicou como os proprietários ganham dinheiro com eles. No País, entre as 30 maiores páginas identificadas pelo Estado que não checam a procedência do conteúdo publicado, a audiência mensal chega a até 3,5 milhões de visualizações e pode render R$ 95 mil por ano para cada administrador.
Foi identificado quem registrou cada domínio – endereço virtual -, com base no site who.is, mesmo instrumento usado pelo MPF em investigações. Os donos desses sites estão em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Goiás, Santa Catarina, Ceará Mato Grosso e Alagoas.
“Vamos instaurar uma investigação tanto para apurar crime quanto para verificar essa ofensa à questão de gênero no cível. Para apurar crime, certamente vai ser aberta investigação para verificar os delitos de veiculação de pornografia infantil”, afirma a procuradora da República Fernanda Teixeira.
Ela explica que casos envolvendo pornografia adulta não podem ser apurados pelo MPF, uma vez que são crimes de caráter privado. Nessas situações, a pessoa ofendida tem de abrir uma ação penal por injúria e difamação.
“No cível, vamos instaurar um procedimento para apurar a violação à questão de gênero. Este é mais difícil e precisamos analisar melhor como enquadrar. Mas é como se existisse (nesses sites) um incentivo à discriminação de gênero. Isso não é crime, mas viola o interesse da sociedade”, explica a procuradora. Segundo Fernanda, os sites depreciam o gênero feminino ao descrever as mulheres nas fotos com xingamentos.
WhatsApp e Telegram. Dias antes de ser procurado pela reportagem o MPF já havia recebido denúncias de fotos de nudez não autorizadas, incluindo de menores de idade, que estariam sendo veiculadas em grupos de aplicativos de conversa instantânea, como Telegram e WhatsApp.
Russo e sem sede no Brasil, o Telegram é o mais complicado para investigar. Os grupos são abertos e encontrados a partir de pesquisa por palavra-chave – não precisam de convite para entrar como no WhatsApp, o que, segundo os investigadores, dificulta a apuração. “Quando não tem representação no Brasil é mais complicado. E também quando a empresa não se dispõe a conversar fica difícil”, diz a procuradora.
Segundo o professor de mídias digitais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Gil Giardelli, o Brasil está entre os três países do mundo que mais consomem pornografia, junto com Estados Unidos e Rússia, e é um dos que menos aplicam punições. “As regras são muito pesadas em outros países. Nos Estados Unidos, se aprontar demais a CIA bate na sua porta. Aqui as ações ainda são poucas e pontuais. O Brasil é conhecido por ser o que mais faz ataques cibernéticos.”
De acordo com Giardelli, a impunidade, atrelada ao lucro, estimula novas adesões. “Existe um conceito que se chama colapso da ética. Quando todo mundo sente que está impune, cada dia mais vai ter mais gente fazendo. É o conceito de rede. ‘Estou ganhando R$ 90 mil por ano sem sair de casa’. Mais pessoas vão começar a fazer isso.”
DESGASTE
Colegas de classe de uma universitária de 19 anos sabem bem o que é impunidade. Há dois anos, quando ainda estava na escola e era menor de idade, eles acessaram o celular da menina quando ela saiu da sala por alguns minutos e roubaram fotos íntimas.
Ela mandava os “nudes” para o namorado e as imagens estavam salvas no telefone. Os colegas espalharam as fotos em aplicativos de bate-papo e em sites. A jovem disse que não denunciou os garotos para evitar desgaste. Ela teve apoio da mãe que não brigou, mas aconselhou a estudante a ter mais cuidado. “Costumo apagar agora, mas continuo mandando ‘nudes’. Tomo mais cuidado com quem pode pegar meu celular. Não dá para confiar em ninguém.”
VÍTIMA DEFENDE QUE MULHERES NÃO SE CALEM
Uma universitária hoje com 19 anos, do interior paulista, era menor de idade quando foi vítima de um vazamento. Pelo menos cinco fotos e um vídeo, feitos quando tinha 14 anos, foram compartilhados no Brasil Tudo Liberado e Sogatinhas.net. “Minha reação foi: ‘estava demorando’. Sabia que ia acontecer.”
Ela defende que as mulheres não se calem. “Mas devemos ter ciência de que, se mandarmos fotos ou vídeos íntimos, estamos sujeitas a sofrer esse tipo de violência”, afirma
Ao saber que havia sido vítima do compartilhamento de fotos íntimas aos 14 anos, Giovanna Gagliardi conta que sentiu “desespero total e desamparo”.
Hoje com 19, cursando Administração, lamenta não ter tido o apoio dos pais na época. Ela fez fotos íntimas com uma amiga e as duas salvaram nos seus pendrives. Semanas depois, as imagens estavam espalhadas nas paredes da escola onde estudava a amiga, até mesmo no banheiro masculino. Um amigo íntimo da garota teria roubado as imagens do aparelho e compartilhado com os colegas.
“Ficamos com medo que as fotos pudessem parar nesses sites, que vendessem a nossa imagem. Ia ser ainda mais constrangedor. Já superei e não sofro mais com isso. Mas, se chegasse a me deparar com essa foto em algum site, ia voltar a sentir tudo o que senti naquela época. Não gostaria de jeito nenhum de ter de ver essa foto em algum lugar um dia.” estudante do 3.º ano do interior paulista também foi vítima quando era menor de idade. “Tinha 15 anos quando comecei a fazer fotos íntimas. Aos 17, um cara começou a me pedir nudes e disse que, se não mandasse, ia por fotos minhas em um site. Falou que ia acabar com a minha vida e mandaria para a minha família.”
SITES LUCRAM AO EXPOR IMAGENS ROUBADAS DE MENORES
Imagens de nudez de garotas e mulheres têm aparecido sem que elas saibam em sites amadores de pornografia brasileiros. Fotos e vídeos chamados de “nudes”, feitos por amigos ou ex-namorados, divulgados sem consentimento, resultam em lucro na internet. São jovens com idade entre 14 e 25 anos, de todas as classes sociais com sua intimidade exposta. No País, entre os 30 maiores sites identificados pelo Estado que não checam a procedência do conteúdo publicado, a audiência mensal chega a até 3,5 milhões de visualizações e pode render R$ 95 mil por ano para cada administrador.
As fotos das vítimas se espalham na web, em um movimento conhecido como “viralização”, e as levam ao constrangimento e à humilhação, disseram as mulheres à reportagem. Nas publicações, deixam de ser meninas e viram “novinhas” ou “ninfetas”, termo que remete a adolescentes ou mulheres infantilizadas. Quando uma novinha tem sua foto viralizada, diz-se que ela “caiu na net”.
Uma universitária do interior de São Paulo, de 19 anos, foi vítima de um rapaz que conheceu pelas redes sociais quando tinha 15. “A gente começou a conversar e ele sempre dava em cima de mim, mas nunca dei trela. Só que uma vez terminei com meu namorado e acabei cedendo ao pedido dele para aparecer na webcam. Pedi para não gravar, mas ele gravou”, disse.
Três anos depois, ela soube por um amigo que o vídeo estava em sites de pornografia. “Na hora, gelei. Peguei todas as provas de que era ele quem tinha divulgado e minha mãe levou para a Polícia Federal. Não sei o que aconteceu, porque não quis mais saber do assunto.”
Sem produzir conteúdo próprio, os sites divulgam fotos e vídeos como os da jovem paulista. Além de replicar imagens já divulgadas, põem à disposição de qualquer internauta formulários nos quais podem ser enviadas fotos. O usuário deve informar o nome da vítima e enviar ao menos um nude.
Os proprietários reconhecem não fazer nenhum filtro das imagens. “Em muitos casos, em 90%, é impossível identificar se realmente as fotos ou os vídeos são de quem envia”, disse, por e-mail, o site Brasil Tudo Liberado, um dos maiores e mais conhecidos, com 2,3 milhões de acessos ao mês.
A reportagem, sem se identificar, questionou sobre como proceder para fazer um anúncio e sobre a legalidade das divulgações. “Legal, legal não é, né? Mas não dá problema, não”, disse o dono do site Só Novinhas, por e-mail. Ele cobra R$ 120 por um banner de 300×250 pixels. “Conheço muita gente que vive disso. Com o site, dá para tirar R$ 5 mil por mês.”
LEGALIDADE. O dono do site Junior Paganinix, que divulga na página inicial fotos de nudez de uma adolescente, reconheceu o risco de cometer crimes “sem saber”. “Todo o conteúdo que publicamos passa por uma análise prévia. Entretanto, é extremamente difícil julgar a idade de uma garota pela sua aparência física.” Especialistas em direito digital afirmam que a divulgação é crime (mais informações nesta página).
O Estado mapeou os sites com base na ferramenta digital Similar Web por duas semanas. O programa registra o acesso às páginas iniciais, sem considerar a navegação interna. O número é subnotificado e pode ser até quatro vezes maior.
A reportagem identificou quem registrou cada domínio – endereço virtual -, com base no site who.is, mesmo instrumento usado pelo Ministério Público Federal (MPF) em investigações. Eles estão em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Goiás, Santa Catarina, Ceará, Mato Grosso e Alagoas.
O dono do Cantinho dos Nudes, além de oferecer banner por R$ 130 explicou à reportagem como produzir um site (o que custaria cerca de R$ 150). Duas ferramentas são usadas para ganhar dinheiro: os sites Ero Advertising e HilltopAds, que pagam em euro e dólar por clique recebido nas páginas, sem interferir no conteúdo.
O proprietário da publicação afirmou que recebeu R$ 1,6 mil no mês passado. “Eles pagam uma quantia por visualizações nos banners deles (que saltam assim que o site é acessado) e uma quantia por cliques recebidos neles”, explicou. Donos de três sites pornográficos ainda informaram nome, CPF e conta corrente para depósito do valor caso houvesse interesse em anunciar. O Estado levou as informações ao MPF. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
DIVULGAR FOTO DE MENOR É CRIME PREVISTO NO ECA
A divulgação de imagens eróticas de crianças e adolescentes é considerada crime pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A pena é de até seis anos de prisão. A publicação não consentida de fotos e vídeos de adultos também pode ser enquadrada como difamação.
Para a professora da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) Monica Guise Rosina, há crime na divulgação das imagens. “Não importa se é autor da foto ou não. O fato de o site estar facilitando, receptando e divulgando, constitui, sim, um crime.” Ela ressaltou, no entanto, a dificuldade em se fazer uma denúncia. “A vítima às vezes é uma adolescente que não quer se expor para a família. Está em uma situação de vulnerabilidade. E, mesmo após a denúncia, a foto logo estará em outro site. É a chamada ‘cabeça de hidra da internet'”, afirmou.
A especialista defende que sejam criados mecanismos para coibir a publicação das fotos mesmo sem denúncia da vítima. “O Ministério Público, ao tomar noção dos fatos, pode se questionar: que ação tomamos sem esperar movimentação por parte das vítimas? Eu, se fosse vítima, talvez preferisse nem me manifestar”, disse.
Já o advogado especialista em crimes digitais Luís Fernando Prado Chaves ressaltou que a divulgação de imagens de nudez de adolescentes infringe a lei. “Eles estão tornando disponíveis imagens de pornografia infantil e têm controle prévio disso. Talvez possam alegar que desconheciam que a menina da foto é adolescente, mas o crime aconteceu.”
Em caso de adultos, há a possibilidade de penalizar os autores das publicações por crime de difamação. “A indenização para a vítima pode ser sem limites. O juiz, em caso concreto, é quem vai decidir.”
O Ministério Público Federal (MPF) vai investigar sites de pornografia que lucram com fotos roubadas de mulheres e adolescentes, após denúncia revelada pela reportagem no domingo, 12. Na esfera criminal, o órgão vai apurar a disseminação de imagens de pornografia infantil, crime que pode dar de 3 a 6 anos de prisão. Já na área cível, a Procuradoria estuda investigar crime de ofensa por discriminação de gênero.
A reportagem levou ao MPF os nomes de todos os sites e explicou como os proprietários ganham dinheiro com eles. No País, entre as 30 maiores páginas identificadas pelo Estado que não checam a procedência do conteúdo publicado, a audiência mensal chega a até 3,5 milhões de visualizações e pode render R$ 95 mil por ano para cada administrador.
Foi identificado quem registrou cada domínio – endereço virtual -, com base no site who.is, mesmo instrumento usado pelo MPF em investigações. Os donos desses sites estão em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Goiás, Santa Catarina, Ceará Mato Grosso e Alagoas.
“Vamos instaurar uma investigação tanto para apurar crime quanto para verificar essa ofensa à questão de gênero no cível. Para apurar crime, certamente vai ser aberta investigação para verificar os delitos de veiculação de pornografia infantil”, afirma a procuradora da República Fernanda Teixeira.
Ela explica que casos envolvendo pornografia adulta não podem ser apurados pelo MPF, uma vez que são crimes de caráter privado. Nessas situações, a pessoa ofendida tem de abrir uma ação penal por injúria e difamação.
“No cível, vamos instaurar um procedimento para apurar a violação à questão de gênero. Este é mais difícil e precisamos analisar melhor como enquadrar. Mas é como se existisse (nesses sites) um incentivo à discriminação de gênero. Isso não é crime, mas viola o interesse da sociedade”, explica a procuradora. Segundo Fernanda, os sites depreciam o gênero feminino ao descrever as mulheres nas fotos com xingamentos.
WhatsApp e Telegram. Dias antes de ser procurado pela reportagem o MPF já havia recebido denúncias de fotos de nudez não autorizadas, incluindo de menores de idade, que estariam sendo veiculadas em grupos de aplicativos de conversa instantânea, como Telegram e WhatsApp.
Russo e sem sede no Brasil, o Telegram é o mais complicado para investigar. Os grupos são abertos e encontrados a partir de pesquisa por palavra-chave – não precisam de convite para entrar como no WhatsApp, o que, segundo os investigadores, dificulta a apuração. “Quando não tem representação no Brasil é mais complicado. E também quando a empresa não se dispõe a conversar fica difícil”, diz a procuradora.
Segundo o professor de mídias digitais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Gil Giardelli, o Brasil está entre os três países do mundo que mais consomem pornografia, junto com Estados Unidos e Rússia, e é um dos que menos aplicam punições. “As regras são muito pesadas em outros países. Nos Estados Unidos, se aprontar demais a CIA bate na sua porta. Aqui as ações ainda são poucas e pontuais. O Brasil é conhecido por ser o que mais faz ataques cibernéticos.”
De acordo com Giardelli, a impunidade, atrelada ao lucro, estimula novas adesões. “Existe um conceito que se chama colapso da ética. Quando todo mundo sente que está impune, cada dia mais vai ter mais gente fazendo. É o conceito de rede. ‘Estou ganhando R$ 90 mil por ano sem sair de casa’. Mais pessoas vão começar a fazer isso.”
DESGASTE
Colegas de classe de uma universitária de 19 anos sabem bem o que é impunidade. Há dois anos, quando ainda estava na escola e era menor de idade, eles acessaram o celular da menina quando ela saiu da sala por alguns minutos e roubaram fotos íntimas.
Ela mandava os “nudes” para o namorado e as imagens estavam salvas no telefone. Os colegas espalharam as fotos em aplicativos de bate-papo e em sites. A jovem disse que não denunciou os garotos para evitar desgaste. Ela teve apoio da mãe que não brigou, mas aconselhou a estudante a ter mais cuidado. “Costumo apagar agora, mas continuo mandando ‘nudes’. Tomo mais cuidado com quem pode pegar meu celular. Não dá para confiar em ninguém.”
VÍTIMA DEFENDE QUE MULHERES NÃO SE CALEM
Uma universitária hoje com 19 anos, do interior paulista, era menor de idade quando foi vítima de um vazamento. Pelo menos cinco fotos e um vídeo, feitos quando tinha 14 anos, foram compartilhados no Brasil Tudo Liberado e Sogatinhas.net. “Minha reação foi: ‘estava demorando’. Sabia que ia acontecer.”
Ela defende que as mulheres não se calem. “Mas devemos ter ciência de que, se mandarmos fotos ou vídeos íntimos, estamos sujeitas a sofrer esse tipo de violência”, afirma
Ao saber que havia sido vítima do compartilhamento de fotos íntimas aos 14 anos, Giovanna Gagliardi conta que sentiu “desespero total e desamparo”.
Hoje com 19, cursando Administração, lamenta não ter tido o apoio dos pais na época. Ela fez fotos íntimas com uma amiga e as duas salvaram nos seus pendrives. Semanas depois, as imagens estavam espalhadas nas paredes da escola onde estudava a amiga, até mesmo no banheiro masculino. Um amigo íntimo da garota teria roubado as imagens do aparelho e compartilhado com os colegas.
“Ficamos com medo que as fotos pudessem parar nesses sites, que vendessem a nossa imagem. Ia ser ainda mais constrangedor. Já superei e não sofro mais com isso. Mas, se chegasse a me deparar com essa foto em algum site, ia voltar a sentir tudo o que senti naquela época. Não gostaria de jeito nenhum de ter de ver essa foto em algum lugar um dia.” estudante do 3.º ano do interior paulista também foi vítima quando era menor de idade. “Tinha 15 anos quando comecei a fazer fotos íntimas. Aos 17, um cara começou a me pedir nudes e disse que, se não mandasse, ia por fotos minhas em um site. Falou que ia acabar com a minha vida e mandaria para a minha família.”
SITES LUCRAM AO EXPOR IMAGENS ROUBADAS DE MENORES
Imagens de nudez de garotas e mulheres têm aparecido sem que elas saibam em sites amadores de pornografia brasileiros. Fotos e vídeos chamados de “nudes”, feitos por amigos ou ex-namorados, divulgados sem consentimento, resultam em lucro na internet. São jovens com idade entre 14 e 25 anos, de todas as classes sociais com sua intimidade exposta. No País, entre os 30 maiores sites identificados pelo Estado que não checam a procedência do conteúdo publicado, a audiência mensal chega a até 3,5 milhões de visualizações e pode render R$ 95 mil por ano para cada administrador.
As fotos das vítimas se espalham na web, em um movimento conhecido como “viralização”, e as levam ao constrangimento e à humilhação, disseram as mulheres à reportagem. Nas publicações, deixam de ser meninas e viram “novinhas” ou “ninfetas”, termo que remete a adolescentes ou mulheres infantilizadas. Quando uma novinha tem sua foto viralizada, diz-se que ela “caiu na net”.
Uma universitária do interior de São Paulo, de 19 anos, foi vítima de um rapaz que conheceu pelas redes sociais quando tinha 15. “A gente começou a conversar e ele sempre dava em cima de mim, mas nunca dei trela. Só que uma vez terminei com meu namorado e acabei cedendo ao pedido dele para aparecer na webcam. Pedi para não gravar, mas ele gravou”, disse.
Três anos depois, ela soube por um amigo que o vídeo estava em sites de pornografia. “Na hora, gelei. Peguei todas as provas de que era ele quem tinha divulgado e minha mãe levou para a Polícia Federal. Não sei o que aconteceu, porque não quis mais saber do assunto.”
Sem produzir conteúdo próprio, os sites divulgam fotos e vídeos como os da jovem paulista. Além de replicar imagens já divulgadas, põem à disposição de qualquer internauta formulários nos quais podem ser enviadas fotos. O usuário deve informar o nome da vítima e enviar ao menos um nude.
Os proprietários reconhecem não fazer nenhum filtro das imagens. “Em muitos casos, em 90%, é impossível identificar se realmente as fotos ou os vídeos são de quem envia”, disse, por e-mail, o site Brasil Tudo Liberado, um dos maiores e mais conhecidos, com 2,3 milhões de acessos ao mês.
A reportagem, sem se identificar, questionou sobre como proceder para fazer um anúncio e sobre a legalidade das divulgações. “Legal, legal não é, né? Mas não dá problema, não”, disse o dono do site Só Novinhas, por e-mail. Ele cobra R$ 120 por um banner de 300×250 pixels. “Conheço muita gente que vive disso. Com o site, dá para tirar R$ 5 mil por mês.”
LEGALIDADE. O dono do site Junior Paganinix, que divulga na página inicial fotos de nudez de uma adolescente, reconheceu o risco de cometer crimes “sem saber”. “Todo o conteúdo que publicamos passa por uma análise prévia. Entretanto, é extremamente difícil julgar a idade de uma garota pela sua aparência física.” Especialistas em direito digital afirmam que a divulgação é crime (mais informações nesta página).
O Estado mapeou os sites com base na ferramenta digital Similar Web por duas semanas. O programa registra o acesso às páginas iniciais, sem considerar a navegação interna. O número é subnotificado e pode ser até quatro vezes maior.
A reportagem identificou quem registrou cada domínio – endereço virtual -, com base no site who.is, mesmo instrumento usado pelo Ministério Público Federal (MPF) em investigações. Eles estão em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Goiás, Santa Catarina, Ceará, Mato Grosso e Alagoas.
O dono do Cantinho dos Nudes, além de oferecer banner por R$ 130 explicou à reportagem como produzir um site (o que custaria cerca de R$ 150). Duas ferramentas são usadas para ganhar dinheiro: os sites Ero Advertising e HilltopAds, que pagam em euro e dólar por clique recebido nas páginas, sem interferir no conteúdo.
O proprietário da publicação afirmou que recebeu R$ 1,6 mil no mês passado. “Eles pagam uma quantia por visualizações nos banners deles (que saltam assim que o site é acessado) e uma quantia por cliques recebidos neles”, explicou. Donos de três sites pornográficos ainda informaram nome, CPF e conta corrente para depósito do valor caso houvesse interesse em anunciar. O Estado levou as informações ao MPF. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
DIVULGAR FOTO DE MENOR É CRIME PREVISTO NO ECA
A divulgação de imagens eróticas de crianças e adolescentes é considerada crime pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A pena é de até seis anos de prisão. A publicação não consentida de fotos e vídeos de adultos também pode ser enquadrada como difamação.
Para a professora da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) Monica Guise Rosina, há crime na divulgação das imagens. “Não importa se é autor da foto ou não. O fato de o site estar facilitando, receptando e divulgando, constitui, sim, um crime.” Ela ressaltou, no entanto, a dificuldade em se fazer uma denúncia. “A vítima às vezes é uma adolescente que não quer se expor para a família. Está em uma situação de vulnerabilidade. E, mesmo após a denúncia, a foto logo estará em outro site. É a chamada ‘cabeça de hidra da internet'”, afirmou.
A especialista defende que sejam criados mecanismos para coibir a publicação das fotos mesmo sem denúncia da vítima. “O Ministério Público, ao tomar noção dos fatos, pode se questionar: que ação tomamos sem esperar movimentação por parte das vítimas? Eu, se fosse vítima, talvez preferisse nem me manifestar”, disse.
Já o advogado especialista em crimes digitais Luís Fernando Prado Chaves ressaltou que a divulgação de imagens de nudez de adolescentes infringe a lei. “Eles estão tornando disponíveis imagens de pornografia infantil e têm controle prévio disso. Talvez possam alegar que desconheciam que a menina da foto é adolescente, mas o crime aconteceu.”
Em caso de adultos, há a possibilidade de penalizar os autores das publicações por crime de difamação. “A indenização para a vítima pode ser sem limites. O juiz, em caso concreto, é quem vai decidir.”